Na teoria, Toninho é maître de uma cantina. Na prática, ele vai muito além disso
Quem passa pela porta da cantina Gigio, em São Paulo, esbarra logo de cara com uma figura no mínimo intrigante. Não pela aparência marcada pelos poucos cabelos – sinal de sua experiência – ou pelo terno sempre bem alinhado que veste. É algo mais. Talvez seja simplesmente a receptividade singular com que essa pessoa atende as criaturas famintas que passam por aquela porta. Fato é que a figura em questão, Antônio Ritiluca Matielo, o Toninho, não é apenas o maître de uma cantina italiana. Quando o freguês menos espera, percebe que ganhou mais do que um atendimento, ganhou um compadre.
Aos 63 anos, passa os dias mimando cada cliente/amigo que recebe. Mantém essa rotina há 13 anos e acha ridícula a idéia de parar de trabalhar. “Aposentar sim, mas parar nunca”, diz. Tem apenas uma folga por semana, às quartas, que aproveita em Morungaba , interior de São Paulo. Mas nem na folga esquece dos clientes. Traz presentes sempre que pode, conquistando-os ainda mais. Assim caiu nas graças da Redação da Trip, que costuma bater ponto por ali na hora do almoço, tratada a pão-de-ló e malabarismos culinários pra ter suas delirantes receitas concretizadas. Se somos VIPs? Sim, como todos por ali.
Retrato de uma relação estreita com os clientes que começou em 1964, quando seu pai deixou a hotelaria no interior e comprou um restaurante na capital. De lá pra cá, Toninho esteve em outras oito cantinas. Reconhece que trabalhar com o público não é uma tarefa fácil. Mas, se isso é um problema, Toninho tira de letra – e com prazer. Pior se fosse tudo muito bom. Como ele sempre diz, “o problema é não ter problemas”.
Mas Toninho já se arriscou em outras profissões. Foi fotógrafo, uma paixão que sempre o acompanhou, deixada de lado após a digitalização. “Perdeu o lado romântico”, justifica. É tão saudosista que até hoje guarda cuidadosamente sua antiga e lendária câmera Leica. Foi ator quebra-galho em comerciais de televisão na década de 70 – só pra ajudar alguns amigos produtores que freqüentavam sua cantina na época. Apenas um sintoma de sua vocação infalível: deixar alguém largamente satisfeito e, de gorjeta, embolsar mais um amigo.
TRIP +: A SABEDORIA DE TONINHO
POR FLORA PAUL
"Será que vou conseguir falar tudo isso?", questiona Toninho, maître da cantina Gigio, logo de início, sobre dar mais histórias, receitas e filosofias para a Trip. Conversando tranqüilamente, sem dúvida, Toninho conseguiu mostrar tudo isso e mais um pouco de sua sabedoria, sua simpatia e juventude.
Há 25 anos, na cantina Gigio do Brás, um casal jantava tranqüilamente quando a esposa do rapaz adentrou o salão. "Chegou, não falou nada, pegou a ponta da toalha e puxou", conta Toninho. Foi filé à parmegiana para todo lado. Ainda sem falar nada, foi embora, mas não sem antes quebrar todos os vidros da Brasilia do marido, que estava estacionada na porta. O marido pego no pulo também não disse absolutamente nada. "Foi sensacional! Parecia coisa de comédia de cinema mudo hollywoodiano", se diverte. Sobrou até para os garçons Zezinho e Manguacinha, que escorregaram nas travessas que caíram no chão.
Uma de suas lembranças é de ter visto Elis Regina, cantora da qual tem a discografia completa, quando trabalhava em uma cantina na rua 13 de Maio, no Bexiga. Elis, que teria a mesma idade de Toninho, se apresentava em um teatro na Brigadeiro Luís Antônio; certo dia, na porta da cantina, viu a "baixinha", como ele mesmo diz, passar e acenou.
Já na cantina Gigio de Pinheiros, onde completa 13 anos de trabalho em dezembro, serviu o cantor italiano Fred Bongusto, que chegou junto com um cliente italiano conhecido da casa. Ainda que goste das músicas de Fred, não conversaram muito: "O que eu falo de italiano só dá para vender macarrão!", confessa.
Filosofias de Toninho
Toninho perdeu a crença em política e futebol, por considerar que falta credibilidade aos dois. Acha que o Estado só toma dinheiro e que o futebol está comercializado demais. Por isso não se apega nem mais aos jogos do Corinthians. Prefere o trabalho e a família - "Felizmente ou infelizmente, sabe como é italiano, está sempre com a família, prima por isso!". No trabalho, acha que a cantina tem de ser uma extensão da casa das pessoas. "A pessoa vem, faz o que quer, pede o que quer, sem muita etiqueta", conta; o que acha fundamental, "é um restaurante para se sentir bem, comer bem". Não poderia ser diferente: em todos esses anos na cantina do Gigio, fez muitas amizades, "especialmente com o pessoal da Trip".
Paz de espírito
"Todo mundo precisa de um refúgio." Sempre que pode, Toninho escapa para a cidade de Morungaba, onde fica sossegado, pesca, passeia e, "quem sabe um dia", pretende morar.
"Quando eu era jovem, uma pessoa de 50 anos era velha. Hoje, quando você vê uma pessoa de 60, 70 anos, mudou muito essa concepção de idade, há um espírito diferenciado. Acho importante você manter o chamado 'espírito jovem', não se distanciar das pessoas mais novas, conseguir se manter atual, entender e ser entendido pela nova geração. É tentar manter essa vivacidade. Às vezes dá uma cambaleada, mas isso é normal".
Receitas
Mesmo com um cardápio caprichado, a cantina está sempre disposta a fazer o que o cliente desejar. "É assim com a Trip", conta Toninho. "Cada um tem uma receita!", diz. Pessoas de todas as partes da editora visitam a cantina com freqüencia, e ela já adotou até uma "Salada Trip". Além da salada, Toninho ainda indica outras receitas.
Salada Trip
Alface juliana cortadinha, rúcula, mussarela de búfala, azeitona preta, tomate e palmito.
Linguini Imbriago
A massa é preparada na manteiga e tem o famoso molho "breaco": cebola e presunto cru flambados com conhaque e misturadors com creme de leite.
Fusilli Alla Calabrese
O prato, forte, é um dos preferidos de Toninho. Seu molho é feito com tomates frescos, cebola e calabresa (feita por calabreses especiais) - "Uma calabresa diferenciada das que você compra em supermercado". É geralmente servido com a massa fusilli.
Arroz Biro-Biro
Toninho conta que a Trip ressuscitou esse arroz, homenagem ao jogador corintiano, feito com ovo picado, bacon, batata e cebolinha e é mandado aqui para a Redação durante épocas de fechamento. Nada mal, hein?
Vai lá:
Cantina do Gigio - Pinheiros
R. dos Pinheiros, 355, Pinheiros, São Paulo
Tel.: (11) 3081-8419
terça a sexta das 12h às 24h
sábado das 12h à 1h
domingo e segunda das 12h às 23h
Cantino do Gigio - Brás
R. do Gasômetro, 254, Brás, São Paulo
Tel.: (11) 3228-2045
segunda a quinta 12h às 23h
sexta a domingo 12h à 1h
