Do que vamos lembrar no futuro quando pensarmos em setembro, outubro e novembro de 2008?
Pense nos últimos meses de nossas vidas. Não os derradeiros, mas os mais recentes. Do que vamos lembrar no futuro quando pensarmos em setembro, outubro e novembro de 2008?
Da crise que ameaçou derreter o encadeamento gigantesco de relações econômicas e financeiras que parecia funcionar como uma enorme e inabalável sapata de concreto sob o planeta? Do ensaio de Vera Barreto Leite, aos 72 anos exibindo sua nudez desencanada na capa da Trip? Da inspiradora e alvissareira subida de Obama ao gabinete mais alto da política mundial? Do rosto confuso e aterrorizado de Eloá ainda viva e em poder do seu estúpido ex-namorado? Ou de uma simples e corriqueira chuva escorrendo pela janela do carro?
No auge do período mais agudo da crise econômica mundial, uma pequena notícia quase passa batido em meio a dezenas de informações aparentemente mais urgentes sobre a queda das bolsas. A nota dava conta de que os consultórios de terapeutas e psicanalistas em Nova York estavam absolutamente lotados e de que não havia horário para ninguém. O tema que norteia a edição presente da Trip é Conexão. Refere-se à importância de entendermos e lembrarmos de que esta dimensão não se limita ao que pode ser visto e tocado, menos ainda ao que está nos jornais tentando nos fazer crer que a vida é simples e pode ser separada em cadernos.
O tema quer nos fazer ultrapassar a barreira da epiderme, quer nos mostrar todas as formas de tocar o intocável, de sentir o que não é óbvio, o imaterial. Nada mais importante e atual, num momento em que o que parecia sólido e definitivo desaparece como um sorvete derramado no asfalto quente.
Na edição sobre Conexão de 2008, resolvemos olhar para a memória. Dizem que ela é uma espécie de zona de limite entre o concreto e o abstrato. De fato, a memória não é necessariamente a verdade, mas um casamento entre o que de fato foi e aquilo que gostaríamos que tivesse sido.
Daqui a quatro anos, talvez você se lembre do dia em que os mercados derreteram e até das taxas incríveis daquele dia. Daqui a 40 anos, talvez não se lembre mais se Eloá resistiu ou não aos tiros de seu desastrado Romeu. Daqui a 400 anos, o que terá restado do dia em que você lê estas linhas?
Ver os registros de memórias que pinçamos e agrupamos nesta edição pode lhe trazer angústia ou conforto. Apostamos na segunda opção. Que as memórias sirvam para nos lembrar o que de fato somos. Apenas um rastro muito pequeno de luz passando por uma tela gigantesca, de forma muito rápida e bela. E que isso nos faça relaxar e perceber a grandiosidade e a graça do momento presente, com todas as dimensões, inclusive e principalmente aquelas que não podemos tocar, mas que podemos sentir.
PAULO LIMA, EDITOR
P.S.: no dia 18 de novembro, no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, o Prêmio Trip Transformadores vai homenagear 38 pessoas cujas obras são absolutamente inesquecíveis.