O que torna a vida no Brasil tão especial e o que a torna tão difícil
Em tempos de convulsões sociais como o que vivemos e diante de um cenário tenso, incerto e estranho como talvez nunca se tenha visto, a pergunta da página à esquerda pode soar polêmica. Todos os dias temos notícias de um Brasil que não dá certo e cujas instituições se veem acuadas em becos desconhecidos – dos tribunais de altas instâncias às grandes empresas estatais, do futebol às vias entupidas e detonadas, de uma elite financeira cada vez mais estúpida e ensimesmada a escolas com índices inaceitáveis de qualidade e os sistemas de saúde e de segurança pública em estado de calamidade. com elas,costuma voltar a velha sugestão de que a melhor saída possa mesmo ser o aeroporto ou, na pior das hipóteses, um ônibus leito com proa apontada para fora das fronteiras nacionais.
Ao mesmo tempo, para quem prefere erguer a lente e procurar a metade cheia do copo, também aparece na tela a visão oposta: o quanto o país avançou, para melhor, em muitos aspectos se confrontarmos a tomografia atual com os indicadores de alguns anos atrás – e o quanto este seria o momento certo para estar neste pedaço tropical do planeta ajudando a empurrá-lo para o lado oposto ao da ribanceira.
“Brasil: melhor ficar ou ir embora?” foi a pergunta que deu origem a esta edição. Mas, ao longo de sua produção, ficou clara uma terceira via: a de quem passa parte do tempo aqui e parte fora, uma opção hoje possível não mais apenas para quem tem dinheiro de sobra e passaporte multinacional (uma minoria, sem dúvida), mas também para gente que aproveita as passagens aéreas cada vez mais acessíveis (elas existem), a tecnologia de comunicação amplamente disponível, barata e rápida e até convites, formais ou não, de países cujas economias , dados demográficos ou outras conjunturas proporcionam a real possibilidade de encontrar trabalho, casa, quarto ou pelo menos um sofá em uma outra parte do mundo menos violenta e dura. Ou até, numa perspectiva mais nova, para viver em trânsito, indo, vindo e revendo as noções que podem estar ultrapassadas como as de casa, país e do que exatamente significa a palavra morar.
Pico Iyer, escritor inglês de origem indiana que residiu por quatro décadas nos Estados Unidos e outras duas no Japão, diz que num mundo em que mais e mais pessoas vivem em países que não são exatamente os seus de origem, o conceito do que é lar muda. “Mais correto do que perguntar ‘De onde você é?’ seria perguntar ‘que lugar o toca mais profundamente?’. Ou ‘onde você tenta passar a maior parte do seu tempo?’”, sugere ele em uma palestra visualizada quase 2 milhões de vezes na plataforma TED (http://goo.gl/jPa0L).
Esta edição da Trip é sobre isto: o que torna a vida no Brasil tão especial, o que a torna tão difícil e o que se pode apreender da experiência de quem resolveu partir, de quem prefere ficar e, por que não, de quem encontrou uma terceira via, móvel, escolhendo viver meio lá, meio cá.
Nas próximas páginas, concebidas e construídas de forma totalmente colaborativa, você verá mais de cem contribuições a esse debate, selecionadas a partir de textos e imagens enviados por leitores, personalidades e membros da nossa rede de diversas origens, perfis e áreas de locação, brasileiras e estrangeiras. Todos foram convidados a responder diferentes questões. O resultado é um grande painel sobre o que é estar (e não estar) hoje no Brasil – e no mundo.