Um suave cigarrinho de cravo? Não é bem assim.

por Redação

Mais enganação

Impressionado com a força do apelo erótico e os altos investimentos em mídia de uma campanha publicitária, que lançou os cigarros de cravo A International em larga escala, entendi que a indústria do tabaco, sempre muitíssimo bem informada, percebeu um fenômeno que começou entre os surfistas e a galera das praias brasileiras.

É que as viagens a Bali, cada vez mais frequentes dos anos 90 para cá, promoveram a entrada no Brasil dos cigarros de cravo, superpopulares na Indonésia, e que pela origem e aroma, faziam imaginar que se tratava de algo menos industrializado e nocivo, algo mais natural.

Não demorou muito para que bancas de jornais e lojas de conveniência passassem a distribuí-los, principalmente a marca Gudan Garam. Daí a transformar este 'intercâmbio' num negócio milionário disfarçado de alternativa natural foi uma questão de meses. Pedi ao repórter Moacyr Vieira Martins para estudar melhor o assunto.

Aí está o resultado do levantamento:

Uma no cravo

No momento em que a indústria do cigarro vive seus piores dias no Brasil e no mundo, uma nova fábrica acaba de se instalar em Cajamar, na Grande São Paulo: a Sampoerna Internacional, fabricante do cigarro de cravo A International, veio para conquistar espaço no mercado brasileiro - vide a recente campanha criada pela W/Brasil e veiculada em diversos meios de comunicação - e quer investir US$ 20 milhões até o final do ano.

Baseada num marketing que se apóia no slogan 'suave sabor do tabaco e do cravo', o anúncio é destinado, principalmente, ao público jovem que, atraído pela associação do cravo a imagens altamente eróticas, à paradisíaca ilha de Bali e a experiências novas, tende a achar que os cigarros de cravo são 'naturais' e fazem menos mal. Pura ilusão.

Estudos científicos como o do norte-americano Edmond LaVoie, chefe da divisão de oncologia da Universidade de New Jersey, EUA, ilustram o perigo ainda maior que se esconde por trás dos perfumados cigarros de cravo. Segundo La Voie, a incidência de câncer é mais alta nos fumantes do 'cravo' do que nos fumantes de tabaco tradicional.

Fumaça anestésica

Percebido pelos desavisados como uma alternativa light aos cigarros comuns, o 'cravo', escondido atrás de um falso 'suave sabor', é feito de 60% de tabaco puro e 40% de cravo daquele mesmo tipo usado como condimento. 'O cravo não gera uma combustão completa. Como tem tabaco puro, demora muito para queimar; assim, produz mais monóxido de carbono do que os cigarros comuns', explica Carlos Carvalho, professor livre-docente de pneumologia da Faculdade de Medicina da USP e supervisor de pneumologia do Hospital das Clínicas de São Paulo.

Segundo a American Health Foundation, o tabaco usado no 'cravo' apresenta mais alcatrão, nicotina e monóxido de carbono do que o dos cigarros comuns (o A International tem 15 mg de alcatrão, 1,1 mg de nicotina e 15 mg de monóxido de carbono, enquanto o Marlboro tem 13 mg de alcatrão, 1,1 mg de nicotina e 14 mg de monóxido de carbono).

Além disso, quantias substanciais de eugenol, um anestésico local muito usado por dentistas, são encontradas em cravos da Índia. Por causa da substância, baforadas maiores de fumaça de tabaco podem ser inspiradas, dando a sensação de um suave frescor enchendo os pulmões. 'Os usuários acabam fumando cigarros extremamente fortes, várias vezes ao dia, graças ao efeito enganoso do eugenol', diz Carlos Carvalho. 'Os constituintes do cravo também são tóxicos, e sua toxicidade aumenta 1.500 vezes se os componentes são inalados em vez de ingeridos.

Quem fuma cigarro de cravo inala aproximadamente 7 mg de eugenol por cigarro', completa La Voie. Os danos ao pulmão incluem pneumonia, bronquite, edema pulmonar hemorrágico e não-hemorrágico, efusão pleural, insuficiência respiratória e infecção respiratória. Tão perigosos e maléficos quanto os cigarros de tabaco sem filtro, os cigarros de cravo devem ser levados mais a sério e não apenas como uma simples experiência.

Outra na ferradura

Grandes indústrias de cigarros admitiram pela primeira vez na Convenção de Controle do Tabaco - realizada em outubro pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em Genebra, na Suíça -, que seu produto vicia e mata, mas defenderam o direito de vendê-lo e anunciá-lo livremente.

Os ativistas antitabaco consideraram as declarações como um truque de relações públicas e desafiaram-nas a revelar a lista de ingredientes tóxicos de seus cigarros e suas estratégias de marketing no Terceiro Mundo. 'Temos orgulho de nossos produtos', afirmou David Davies, vice-presidente da Philip Morris. 'É o único produto legal de consumo que mata metade de seus usuários', questiona Gro Harlem Brundtland, diretora-geral da OMS.

A convenção - objeto de negociações formais de 191 governos - debate um pacto antifumo que, segundo a OMS, deve banir globalmente a publicidade do cigarro, aumentar impostos, cortar a produção e controlar sua venda para jovens. Assim seja.

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