Um Guru do Ocidente

por Luiz Alberto Mendes

Guru

 

O que é um Guru? Aquele asceta indiano vestido de sári com um sinal na testa? Talvez, para indianos e orientais. Para nós ocidentais criados sob cultura de outros valores, provavelmente nossos gurus sejam outros. Steve Jobs e Bill Gates, por exemplo. Aquela conversa de que o guru aparece quando o discípulo esta pronto, aqui não dá certo. Somos muitos a fim de saber. Nossos gurus são nossos mestres, professores e estão nas Universidades.  

Não exigimos santidade. Há quem considere Maluf seu guru. No Ocidente o que distingue o guru é o fato dele ser a pessoa mais importante na vida da gente. Uma mãe, um pai, pode ser guru de seu filho. E muitos o são de fato.

No meu caso, meu Guru chamava-se Henrique Moreno. Assaltante de bancos habilidoso, presidiário como eu e sensível poeta. Completamente despojado, eu o vi expor sua vida em defesa de pessoas várias vezes. A mim mesmo, salvou a vida, em determinado ocasião.

Eu o conheci na cela-forte. Estávamos ali por motivos graves. Cadeia brava, dura e cruel. A idéia é que era melhor a mãe do outro chorar que a minha. Através do encanamento da privada, nosso nauseabundo “telefone”, por cerca de quatro meses, conversamos.

Digo sempre que os livros me salvaram, mas não foram os livros. As pessoas que me trouxeram e me facilitaram a introdução ao livro que me salvaram. Foram as histórias dos livros que ele me contava que me despertaram para o livro. Mas eu o admirava e, por admirar, queria ser igual; gostar do que ele gostava. Ler e depois desenvolver uma necessidade imperiosa de aprender, foram as consequências. 

Foram cerca de dez anos de convivência. O que aprendi com ele e depois com os livros, é o que sou hoje. Nós, jovens condenados a dezenas de anos de prisão, nos reuníamos em volta dele. Eu tinha 21 anos e estava condenado a mais de um século de condenações (ele a mais de dois séculos). Isso nos unia. Todos estavam para sair. Nós estávamos para ficar.

Líamos e comentávamos os mesmos livros. Criamos capacidade de pensar, criticar e discutir a partir dos maiores pensadores da história. A luta era por sobrevivermos lúcidos, sensíveis e conscientes. Hoje isso fica claro para mim. Mas só Henrique era consciente disso; enxergava nosso vir a ser. Nos sorria seu sorriso enigmático e estimulava a sempre mais.  

O afeto, a generosidade e o cuidado que recebi desse amigo faz dele a pessoa mais importante de minha vida. Isso o torna meu guru. Uma pena que nem ele e muito menos os outros tiveram paciência de me esperar. Henrique saiu foragido. Foi morto em 23/10/1996, segundo o jornal, em um tiroteio com a polícia no interior paulista.

Imagino que não haverá paz ao seu coração como nunca houve ao meu. Mas um dia, não sei como,  companheiro, haveremos de nos reencontraremos.

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Luiz Mendes

24/05/2010.

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