Um ano sem Glauco

por Luiz Filipe Tavares

Uma homenagem ao legado de um dos maiores cartunistas underground do Brasil

Há exatamente um ano, um jovem com distúrbios mentais abriu fogo contra o cartunista Glauco Villas Boas, um dos pilares fundamentais do humor nos quadrinhos underground no Brasil. Glauco foi assassinado covardemente em sua casa no município de Osasco, região oeste da Grande São Paulo, pelo estudante universitário Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, então conhecido do desenhista paulistano, e que confessou o crime.

Na galeria de personagens de Glauco estão o junkie Geraldão, maior representante da personalidade forte do cartunista em sua obra, o divertidíssimo Casal Neuras, além de Nojinsk, Ficadinha, Netão, Doy Jorge e Edmar Bregman, figuras que manterão vivo para sempre o espírito contestador e livre do cartunista que reinventou o politicamente incorreto no quadrinho brasileiro, ao lado dos companheiros e co-autores da revista clássica Chiclete com Banana, Angeli e Laerte

Com Angeli e Laerte, inclusive, criou o que muitos consideram a obra-prima do trio de ferro do quadrinho oitentista tupiniquim. Em 1985, eles lançaram Los Três Amigos, um faroeste em portunhol de tom sádico, sarcástico e imoral, desenhado a seis mãos pelos companheiros de trabalho, protagonizada pelos alter-egos dos cartunistas, Angel-Villa, Glauquito e Laertón. Inspirado livremente nos Freak Brothers de Gilbert Shelton e na comédia The Three Amigos, com Martin Short, Chevy Chase e Steve Martin, Los Três Amigos é um retrato simbólico, psicopático e cáustico da realidade brasileira dos anos 80 e até hoje permanece relevante no universo dos quadrinhos nacionais.

Fora das páginas de jornais e revistas, Glauco também era conhecido por ser um dos fundadores da igreja animista Céu de Maria, um dos muitos cultos brasileiros associados ao consumo do Chá de Santo Daime, bebida conhecida nas culturas nativas da América como ayahuasca. Glauco dedicou grande parte dos últimos anos de sua vida ao culto, o qual integrou por mais de 17 anos.

Até por conta disso, a polêmica em torno de seu assassinato ganhou muita repercussão na imprensa nacional conservadora, que não mediu esforços para associar os problemas psicológicos de Nunes ao seu uso constante do chá nos rituais da ordem. Colocaram em cheque toda a cultura do ayahuasca que Glauco lutou por tantos anos para legitimar como parte de um culto 100% brasileiro que deveria ser preservado como patrimônio cultural do país.

Na noite do assassinato, Eduardo atirou ainda contra Raoni, um dos filhos do cartunista, que chegava em casa de carro bem na hora do acontecido. Até hoje, os pormenores sobre as razões que levaram o estudante a abrir fogo contra pai e filho, conhecidos da Céu de Maria, não estão claros. Depois que o frenesi pela história nova desapareceu, as autoridades colocaram panos quentes no caso e deixaram as versões não oficiais sumirem por si mesmas.

Logo após sua morte, Glauco recebeu uma série de homenagens de seus colegas de profissão, algumas das quais você pode ver na galeria logo abaixo, incluindo trabalhos de Hiro, Fábio Rex, Brum, José Bacelar, Pedro Menezes, Ziraldo, Arnaldo Branco, Allan Sieber, Jaguar e, como não poderiam faltar, Laerte e Angeli.

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