Tsunami corporativo

Guimarães: ”Foi-se o tempo do faz de conta protegido pela lentidão das comunicações”

Foi-se o tempo do faz de conta protegido pela lentidão das comunicações. No mundo do trabalho hoje, a velocidade e a transparência do tempo real avançam sobre o teatro corporativo que deu tão certo no século 20

Caro Paulo,

“Escrever com a pele.” Esse é o título do artigo do Moisés Rabinovich na revista Imprensa 281, em que o jornalista relata sua experiência de correspondente quando da invasão de Beirute por Israel em 1982. Ele tinha que compartilhar o telex com os colegas de outros países com pouquíssimo tempo para cada um enviar suas matérias antes que as edições fechassem. (Para quem não sabe, telex era uma máquina de escrever tipo fax. Escrevia aqui e saía lá do outro lado do mundo.) Moisés tinha 30 minutos para escrever a matéria inteira e, para isso, era necessária uma “ligação direta da mente com os dedos”. Daí o título genial do artigo: “Escrever com a pele”. Zero tempo entre pensamento e ação, caso contrário, perde-se o bonde da história. E, eventualmente, o emprego. Moisés foi preciso: o telex é o tiranossauro da tecnologia de informação e comunicação que está trazendo o tempo real para todas as nossas relações, inclusive as de trabalho.

Foi-se o tempo do faz de conta protegido pela lentidão das comunicações. No mundo do trabalho, tempo real é o tsunami que está se abatendo sobre o teatro corporativo que deu tão certo na sociedade hierárquica piramidal do século 20. “Escrever com a pele” significa escrever rápido, e não com superficialidade e sem qualidade. É uma nova maestria que pede uma nova atitude diante do trabalho. Como atuar na velocidade e na transparência do tempo real?

É necessário que o profissional entre de corpo e alma no projeto para ter velocidade de reação no tempo dado pelo cenário, para ter sensibilidade para as nuances e ser capaz de ler padrões com um mínimo de informação. Bons profissionais sempretiveram essa prontidão para agir. E, na lentidão do século 20, quem não tinha essa característica também fazia sucesso com certa facilidade. Mas hoje está mais difícil.

Fico até chateado de ver pessoas legais e talentosas sofrendo com a velocidade e a transparência desse ambiente. Mas a seleção é natural e não existem culpados. Talvez Darwin?

BEIJO NA BOCA

Se posso dar uma dica para quem é sério, competente e profissional e está desconfortável com esse cenário, aqui vai: experimente ir além do profissionalismo e comece a beijar na boca. Talvez sua capacidade de entrega não melhore tanto. Mas você vai se divertir mais, sofrer menos e vai tirar mais do mesmo esforço para realizar a tarefa.

Meu amigo Zé Ernesto Bologna, que, como você, é um bom exemplo de profissional que beija na boca, uma vez poetou sobre o trabalho do artista dizendo que “do fazer artístico, o que sobra é a obra”. Porque o principal é a transformação do artista.

Eu acredito que todo processo de trabalho pode ser artístico, não porque gera arte, mas porque pode ser vivido como uma experiência única e transformadora por quem faz o trabalho. Pode ser uma faxina, cozinhar ou redigir uma matéria jornalística.

Para quem não acreditar no processo artístico de atividades banais, resta a alternativa de cobrar bem caro por um trabalho bem profissional... até que apareça alguém que, além de tudo, beija na boca e deixa o cliente mais satisfeito.

*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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