Luiz Mendes: ”Não creio em modificações ou metamorfoses da natureza humana”
Não creio em modificações ou metamorfoses da natureza humana, em mudanças que são fruto de autossugestões ou de autoajuda. Mas acredito em evolução, em fracassos, vitórias e inércias que vão se acumulando e nos constituindo
Transformar significa dar nova forma ou novo caráter. Tornar diferente do que era, alterar, modificar e, por último, metamorfosear. Eu talvez fosse uma das pessoas mais indicadas para falar em transformação, tendo em vista meu histórico de vida. De prisioneiro condenado por homicídios e assaltos a escritor com vários livros publicados e até finalista do Jabuti, o maior prêmio da literatura nacional. Uma transformação e tanto, não é mesmo?
Mas não acredito em transformações. Uma nova forma é até tolerável, mas outro caráter, jamais! Não creio em modificar, muito menos alterar ou metamorfosear a natureza humana. Isso é lavagem cerebral! É insustentável no tempo.
Tudo indica que a vida se processa paulatinamente. Trabalha com sedimentos que vão se acumulando camada a camada. Fracassos, vitórias ou inércias vão nos constituindo. O que um homem construir ou conquistar fará parte dele. Serão componentes que o consistirão.
Já ficou claro que não somos isso e muito menos aquilo. Não somos. Quando muito vamos sendo como podemos. Escolhemos e algumas vezes conseguimos forças para alcançar o que nos parece melhor. Isso é tudo. Estamos em processo, fluência e construção. Não somos transformáveis, somos transcendentes. Faz parte da condição humana ultrapassar e seguir além.
Viciado em impossibilidade
Acredito em evolução. Vamos desenvolvendo nossos potenciais pela vida afora. Não me transformei em nada. Estou crescendo desde que nasci. Estou aprendendo. Um patamar me leva a outros. Caso admitisse transformação teria que responder à pergunta seguinte: “Por que os outros presos não se transformam assim também?”. Não possuo respostas conclusivas nem para mim, como poderia ter para os outros?
Estou com todas as idades que já vivi. Dentro de mim ainda mora aquele menino carente e solitário, com enorme dificuldade de se relacionar com os outros. O adolescente acelerado, confuso e impulsivo. O rapaz triste, ferido, maltratado pela vida, achando que o mundo tinha culpa de suas dores. Um viciado em sonhar impossibilidades. O homem sofrido que vai entrando na terceira idade e que continua inquieto e insatisfeito. Incompleto, sigo ainda cheio de sonhos e vontade de acertar. É sempre o mesmo tumulto, a mesma voracidade por viver tudo e a toda hora que não cessa.
No que me transformei? Em nada. Continuo Luiz. Ansioso, impaciente e cansado de esperar não sei bem pelo quê. Apenas esse ser apaixonado que vive ainda a correr atrás de algo que devia estar, mas nunca esteve, e que nem imagina o que seja.
Tenho uma história que vem de uma evolução, de um crescimento pessoal ao qual eu me propus. Hoje possuo estruturas e entranhas para encarar o que vier numa boa. Certo ou errado, fui eu quem quis, e tem sido um processo que tem durado a vida toda.Quebrei algumas vezes. Mas fiquei mais resistente nas partes quebradas.
Jamais foi uma transformação. Nada instantâneo, fruto de autossugestões ou autoajuda. Tem sido concreto e substancial. Agora chega a ser um crescimento estável e atuante. A minha atividade profissional, escrever e ensinar, hoje se conjuga a minha necessária ação social. O que vou sendo tem me custado bem caro, mas, garanto, tem valido 100% a pena.
*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com