Tolerância tem limite

Luiz Mendes: ˜Tolerância tornou-se sinônimo de acomodação, quando não de conivência˜

Não podemos mais tolerar o intolerável. Tolerância virou um conceito tão esticado como chiclete. Tornou-se sinônimo de acomodação, quando não de conivência

 

Creio que temos sido condescendentes em demasia. Tolerantes com o que devia nos indignar e se tornar intolerável para nós. Podemos estar corretos em alguns pontos. Mas jamais em todos. Não somos máquinas; erramos até por condição existencial. Mas podemos sim ser o mais justo que conseguirmos. Possuímos razão e disposição para tentar. E, sendo justos, penso que necessário se faz que muitas vezes sejamos intolerantes. Tolerância é conceito mascado e esticado como chiclete. Ficou indefinido. Tornou-se sinônimo de acomodação, quando não de conivência. As pernas foram abertas. Agora ameaçam o conjunto.

No Estado de São Paulo, de maior condição financeira, portanto maior capacidade de mobilização, absurdos inomináveis são toleráveis. É, por exemplo, tolerável tropeçar em crianças abandonadas dormindo nas calçadas. As pessoas passam e nem sequer olham, já insensibilizadas. O centro da cidade de São Paulo é o hotel das estrelas. Muitos dormem ao relento, abandonados à mercê do frio, da fome, da tempestade, da enchente... É também tolerável velhos, crianças, drogados, doentes físicos e mentais, mulheres, moças e velhas se prostituindo, essa gente toda apagada, esquecida e jogada em praças e ruas centrais das nossas grandes cidades.

É tolerável que apenas 5% dos casos de crimes sejam solucionados no Estado. Por conta dessa “tolerância”, 70% dos crimes não são mais comunicados à polícia. A motivação é lógica para o cidadão: “Não adianta nada”. E se acomodam à “realidade”, a como “são” as coisas. Para que polícia? Diriam os Titãs: “Polícia para quem precisa de polícia”.

É tolerável que apenas 7% das pessoas aprisionadas no Estado estudem e somente 40% trabalhem? Culpa de quem? Dos gestores públicos, da lei, do juiz, do guarda, do preso, da sociedade, afinal, de quem é a responsabilidade? Entra e sai governo, ninguém faz nada e o mal se perpetua. Por conta de tais acomodações e outras atitudes piores ainda, o índice de reincidência no Estado é de 75% e tende a aumentar.

É tolerável, como demonstra pesquisa da Fundação Victor Civita, que 42% das redes estaduais de ensino do país usem indicações políticas como método para selecionar seus diretores. São os tais “cargos de confiança”, essa excrescência nacional. Em setor tão fundamental, seria de se esperar que a gestão fosse selecionada de acordo com méritos comprovados e capacidades demonstradas. Questiono qual será a qualidade de ensino dessas escolas assim usadas politicamente.

Parece também que tudo é tolerável quando é para os outros e intransigentemente intolerável quando é para nós. Busco funcionar ao contrário. Não aceito, não sou condescendente com meus erros. Acho que sou capaz de errar menos e exijo de mim melhores atitudes. Agora com os outros não posso fazer nada. São donos de seus atos e também de suas consequências.

Sei que não podemos mais tolerar o intolerável. Atitudes urgentes necessitam ser tomadas. A continuar nesse ritmo, rapidamente perderemos a noção do que deve ser tolerável e o que deve ser intolerável, se já não está perdida...

 

*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e dez meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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