Quem exerce o poder deve ter uma nudez boa de ser exibida

Na sociedade em rede, tudo está exposto. Quem exerce o poder deve ter uma nudez boa de ser exibida, sem depender da roupa criada por seu marqueteiro

Caro Paulo,

O rei está nu – esta é a nova condição para o exercício do poder. Essa expressão foi criada no século 19 pelo dinamarquês Hans Christian Andersen, numa história sobre a vaidade humana. Hoje, no século 21, a expressão tem outra leitura e consequências. Vamos lembrar como ela nasceu para depois relê-la. “Dois alfaiates malandros inventaram a existência de um tecido com uma beleza extraordinária que só podia ser percebida por pessoas muito inteligentes. O rei, vaidosíssimo, ficou sabendo e chamou os alfaiates ao palácio para confeccionar uma roupa nova com o tecido maravilhoso. Os alfaiates disseram que, para atender ao pedido do rei, precisavam se instalar no palácio sem que ninguém pusesse os olhos no tecido. Assim, foram para uma sala protegida onde colocaram o ‘tecido’ em cima de uma mesa. O primeiro-ministro do reino, com receio de não passar no teste de inteligência, alegando aos guardas razões de segurança, entrou na sala para ver o tecido. Claro que não viu nada, mas disse ao rei que viu – ‘O tecido é magnífico, divino!’. O rei foi conferir e demonstrou enorme encanto e satisfação apesar não ter visto nada em cima da mesa. Os comentários se espalharam pelo reino e todos ‘viam’ a extraordinária beleza do tecido, até o dia em que o rei desfilou com sua roupa nova. Todos elogiavam entusiasmadamente, menos uma criança, que viu a verdade e gritou surpresa: ‘O rei está nu!’. Só então todos caíram na real e o rei mandou decapitar os alfaiates embusteiros.”

A história ainda é boa porque a nossa condição humana é esta mesmo: preferimos a segurança de concordar com a maioria, mesmo que seja mentira, para não ter o desconforto de ver a verdade e ter que agir. Mas, na atual sociedade em rede, não precisamos de crianças para nos mostrar a verdade. Ela está aí, na nossa cara, cada vez mais exposta. E exigindo que a gente se posicione, porque nós também estamos cada vez mais expostos.

A transparência do tempo real como característica de cenário nos aconselha que nossa nudez seja boa de ser exposta. E que o exercício do poder de cada um, na horizontalidade da rede ou na verticalidade da pirâmide hierárquica, promova mais bem do que mal para que sejamos queridos e não odiados por nossos contemporâneos. Neste cenário onde tudo está exposto, o poder só não é frágil para quem depender de sua nudez para ficar bem na foto; e não de sua roupa nova, por melhor alfaiate que seu marqueteiro seja.

IMPERFEIÇÃO

Estou acreditando que estamos nos tornando uma sociedade mais bem informada, mais franca e mais precisa, que corrigirá seus desvios da realidade com mais velocidade e inclemência. Por outro lado, será também mais compassiva porque a imperfeição humana será compartilhada como condição de todos e não como defeito de quem não pode comprar a perfeição. Isto é, o defeito será o perfeito. Pronto, a fábula do século 21 não é sobre a vaidade humana, mas sobre a verdade humana: todo mundo nu! É uma evolução.

Abraço do amigo,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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