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Filha de Gretchen, gay, ex-sex symbol, atriz pornô e nova aposta da Globo para a novela das 9

Thammy Miranda tinha tudo – corpo, fama, rebolado – para seguir o caminho da mãe, a “rainha do bumbum”. O problema é que a moça não se sentia uma... moça. Nadando contra as previsões, abandonou os palcos, os ensaios sensuais, assumiu seu lado “mais homenzinho” e prepara-se para estrear na próxima novela das 9, Salve Jorge. E, de símbolo sexual, tornou-se símbolo de libertação sexual

Ironicamente, a primeira vez que Thammy Miranda virou notícia foi no exato dia em que, visivelmente, se tornou uma menina. A imprensa apareceu para cobrir, em 1983, quando ela, ainda bebê, furou a orelha. Posou de brinquinho novo ao lado da mãe, a cantora Gretchen, que, na época, desfrutava o apogeu de sua glútea majestade. Para Thammy, começava ali uma longa e quase nunca fácil relação com o show biz e o olho público. E que, quase sempre, tinha a ver com o fato de ela ser uma menina. Mal sabiam eles...

Famosa mesmo ela ficou aos 16 anos, quando surgiu nos programas de auditório e palcos do Brasil como bailarina nos shows da mãe. Magra, mas cheia de curvas. Cabelão no meio das costas. E caprichando no rebolado que seu nome artístico, Thammy Miranda, evoca. Em dois tempos a moça prometia ser uma sucessora à altura da mãe nos anos 1980. Só um problema: Thammy não gostava nada do papel de princesa do bumbum. É que, desde pequena, gostava mais de olhar para as meninas do que se portar como uma. “Estava tudo meio programado para que eu fosse uma sequência da minha mãe”, ela recorda, “mas eu não gostava de dançar. Eu não gostava de ser do jeito que eu era.” Quando ela diz “jeito”, quer dizer justamente as curvas, o cabelão, o rebolado.
E foi nessa época que, longe das câmeras, ela começou a se tornar alguém muito diferente da Gretchen orginal.

No meio de uma turnê, por conta de mensagens de celular, sua mãe descobriu o segredo de Thammy. Estava tendo um caso com uma mulher. Era a primeira com quem tinha ficado na vida. Mas isso pouco importava. Gretchen ficou furiosa. E com súplicas, broncas, orações e porradas tentou trazer sua filha para o lado hétero da força. O resultado? Nenhum. Thammy nunca mais beijou um rapaz. O que, aliás, foi o máximo que fez com homens até hoje. Meio sem jeito, admite que, tecnicamente falando, ainda é virgem.

Mas nem o desgosto da mãe nem seu desconforto dentro do próprio corpo impediram que Thammy se tornasse, nos anos seguintes, uma musa dos homens héteros. Posou nua três vezes, bateu recordes de venda da revista Sexy, gravou um disco solo e fez shows por conta própria como a herdeira do trono. Mas feliz mesmo não estava. “Eu me olhava no espelho e não gostava. Desistia de tudo o que começava... Era como se eu tivesse nascido errada”, conta.

O tempo passou, e a “filha da Gretchen” foi sumindo do radar. Estava feliz, namorando, longe dos holofotes, quando, desavisada, ressurgiu como uma fênix da imprensa marrom. Era 2006, e por conta de fotos suas no Orkut ficou refém de paparazzi na porta de seu prédio. Todos queriam mais imagens da Thammy de cabelo curto, tingido de loiro, tatuada, com roupas de menino e desfilando com a namorada. Depois de um mês de silêncio, resolveu contar tudo na TV. Saiu do armário.

“Foi a primeira vez que falei na mídia sem me sentir interpretando, mentindo”, confessa hoje. “E naquela hora tive que carregar um peso enorme.” Já não era a fúria da mãe ou as questões internas de sua identidade, mas a cobrança que sentia por conta das milhares de meninas como ela, que, de repente, encontraram um exemplo para seguir. Centenas de e-mails de pessoas pedindo ajuda, conselho, amparo, agora que, por conta dela, Thammy, haviam saído do armário.

“Boa parte das garotas que me procuram estão cansadas desses caras agressivos, que chegam nelas de uma maneira agressiva”

Foram horas e horas de programas de auditório debatendo sua vida, sua sexualidade. De Bolsonaros a Marílias Gabrielas, Thammy quase calejou de tanto contar sua história. Fez terapia, tomou remédio para segurar a onda. Fez mais um ensaio sensual. Dessa vez agarrando sua então namorada, a modelo Julia Paes. Fez filmes pornográficos, mas não se envolveu nas cenas de sexo. Apenas fingia dirigir cenas lésbicas estreladas pela mesma Julia.

Hoje continua promovendo festas lésbicas em São Paulo, na semanal The L Club. “A melhor festa só para meninas”, ela garante. Quase arriscou uma candidatura à câmara dos vereadores pelo PR de São Paulo nestas eleições. Mas seus planos foram interrompidos por um telefonema da TV Globo. Inesperadamente, Gloria Perez convidou Thammy para a próxima novela das 9, Salve Jorge. Topou na hora. Vai interpretar uma policial. O que deu mais orgulho a seu já orgulhoso pai. Ele, como a personagem, é policial civil e já está dando dicas à filha de como se portar, segurar uma arma, etc...

“Estou amando, é como se finalmente eu tivesse encontrado algo que eu realmente gosto de fazer”, ela comemora, enquanto espera a estreia e já planeja o futuro. “Quero ser mãe aos 30! Não quero esperar os 31.” Mãe, mas um pouco pai... já que a barriga vai ser a da namorada. Mas, Thammy, você se sente um homem? “Eu acho que, se considerar como eu sou internamente, eu deveria ter nascido homem, sim”, admite sem dramas. “Não consigo pensar como mulher. Nem TPM eu tenho.” Mas você queria ser homem? “Sou muito feliz do jeito que sou...”, dá uma pausa, fala de novo de ter filhos, que está na crise dos 30, respira e desembucha: “Se bem que eu podia ser um negão. Pelo menos eu ia ter um pintão!”. E desembesta a rir dizendo que, no fundo, não lhe falta nada. Masculina e aparentemente em paz, Thammy está cada vez mais realizada em seu conturbado projeto de ser quem ela sente que é.

Como aconteceu esse convite para fazer novela?
Foi tudo meio surreal. Eu estava no carro quando o empresário da minha mãe me avisou que um produtor de elenco queria fazer um teste comigo, que alguém estava interessado em ver minha performance. Mas não deu nenhum detalhe. Na hora eu achei que podia ser trote, mas a coisa era quente. Umas semanas depois, me deram um texto para decorar e acabei fazendo o teste. E fiz achando que não ia dar em nada.

E o que aconteceu?
Passaram umas duas semanas e eu recebi uma ligação, que me acordou de manhã. Quase pulei da cama quando ela falou que era a própria Gloria Perez. Ela disse que eu tinha ido muito bem, que eu tinha superado as expectativas no teste e perguntou se eu não queria fazer a próxima novela dela. Eu quase morri. Topei na hora.

E ser atriz era algo em que você já havia pensado antes?
Com dias de nascida eu fui notícia porque havia furado a orelha. Então, antes de eu me lembrar de qualquer coisa, eu estou acostumada com câmera na minha cara. Isso pra mim sempre foi rotina. Mas ser atriz era algo em que eu nunca tinha pensado. Não estava mesmo nos meus planos. Até porque, pode soar estranho, confesso que essa coisa de trabalhar no meio artístico sempre foi algo confuso pra mim.

Como assim, confuso?
Eu nasci nesse meio, e tudo me empurrava para trabalhar nessa área. Mas, ao mesmo tempo, algo em mim sempre lutou contra isso. Porque, durante minha infância toda, ser artista significava estar longe das pessoas que eu amava. Por conta de ela ser cantora, minha mãe passava muito tempo fora de casa.

“Eu gravava CD, depois pensava ‘não gosto de cantar’. Fazia show e não gostava. Fiz arquitetura, mas não me formei. Eu desistia de tudo”

Mas, mesmo assim, você sempre buscou os holofotes de alguma forma, não?
Sim. Mas sempre tive essa relação estranha. Eu era muito criança na primeira vez que me arrisquei no palco. Minha mãe estava indo no Programa do Bolinha. Eu queria porque queria dançar no palco a música que ela tinha feito para mim. Tanto enchi, que ela fez uma roupa para mim. Ensaiamos um número e fomos pro Bolinha. Na hora que ele falou “e com vocês... Gretchen!”, eu disse que não queria mais cantar. Mas já não tinha jeito... Ela me puxou pro palco.

Mas depois você entrou para o grupo dela.
Mas, para mim, era apenas uma forma de estar perto dela. Até então eu não sabia o que era aniversário, Natal, réveillon com minha mãe. E, na verdade, foi meio sem querer o acontecimento. Eu tinha 15 anos quando uma das bailarinas dela teve um problema de saúde e não pôde fazer o show à noite. Eu pedi para dançar. Ela ficou preocupada em saber se eu não a deixaria na mão na hora H, como havia feito no Bolinha. Ela não botava fé, mas eu acabei subindo mesmo. Foi quando eu pedi para entrar no grupo. E comecei a andar com ela pra cima e pra baixo. Então, desde cedo, tudo me levava para o meio artístico.

E você não gostava?
Eu odiava aquilo. Não gostava de dançar. Mas, quando comecei a trabalhar com minha mãe, logo passei a buscar independência financeira. Aí foi que pintaram convites para posar nua etc. Todo mundo ficava louco com meu cabelão, corpão... estava tudo meio programado para que eu fosse uma sequência da minha mãe. Mas eu não gostava de ser do jeito que eu era.

Como assim?
Eu não gostava do meu corpo, não gostava da minha cara, não gostava do meu cabelo... todo mundo pirava, mas eu não estava nada satisfeita.

Você se achava feia?
Não é que eu me achasse feia, mas era como se não fosse eu. Eu não ia com a minha cara. Olhava uma coisa e me sentia outra. Tanto que eu não conseguia comprar roupa para mim. Minha mãe comprou roupa para mim enquanto eu fui menina. Eu não sabia combinar um brinco com uma pulseira, um sapato com uma saia, sabe?

Isso você identifica desde a sua infância?
Minha mãe hoje diz que ela sempre soube, mas nunca quis acreditar. Quando eu tinha 4 anos, queria fazer xixi em pé. De qualquer jeito. Ela explicava que eu era menininha, que era pra fazer sentada. E, quando ela entrava no banheiro, eu estava fazendo xixi em pé de novo. E eu nem me lembro disso... mas, desde pequena, eu queria. Acho que nasci errada.

Errada? Você acha que deveria ter nascido homem?
Se formos considerar como eu me sinto internamente, acho que eu deveria ter nascido homem. Porque é como se eu não conseguisse pensar como mulher.

Como assim?
Desde a forma como eu me vejo e me identifico na aparência até o fato de eu me achar mais prática, mais simples, menos complicada, sei lá.

E você acha que ser mais simples é masculino?
Eu acho... mulher é muito mais complexa. Eu não tenho nem TPM! Mas é assim que eu sinto. É como gente que nasce preta, ruiva, loira... uns nascem sentindo como se fossem de outro sexo.

E você busca uma explicação para isso?
Tem uma que me soa razoável. E veio de uma conversa que tive uma vez com o Celso Russomano...

Ah, vá?!
Sim! Ele é superamigo da minha família. E tem uma amiga americana que faz vários estudos sobre isso. E ela diz, resumindo muito, que existem o cérebro masculino e o cérebro feminino. E que são diferentes. E o que pode acontecer, vez ou outra, é um cérebro masculino nascer em um corpo feminino. E vice-versa.

E quando você começou a perceber isso?
Eu fui criada escutando que o menino namora com a menina. E quando você olha pro lado e acha a menininha mais interessante? Eu andava com os garotos e gostava de escutá-los falando quais eram as mais gatinhas da escola. Eu devia ter um problema.

Mas quando você entendeu que era lésbica mesmo?
Assumir pro público, pra minha família, foi muito mais fácil. Assumir pra mim mesma foi a parte mais difícil. Tanto que eu enrolei quase dois anos antes de ficar com a primeira mulher por quem realmente me apaixonei. Trocando mensagem de amor, praticamente namorando, e nada.

Que paciência a dela, hein?
Muita! Mas várias vezes ela perdia a paciência e pulava fora. Aí eu ia atrás dela de novo... Mas hoje eu acho que eu teria essa paciência também com uma menina que está se descobrindo. Não é fácil.

Isso já aconteceu, de você se envolver com uma garota que está se descobrindo?
Sabe por que não? Eu não sei paquerar. Não sei chegar em uma menina na balada. Sempre sou escolhida, normalmente não sou eu quem escolhe. Então, se eu fico com alguém, é porque a menina já me queria. Eu não sei muito o que é seduzir uma mulher.

O que, classicamente falando, é um papel mais masculino nas relações.
É... Mas eu sou muito tímida mesmo. Respeito demais. Até porque as mulheres não gostam muito dos homens que vêm chegando. Porque acho que elas estão meio saturadas de caras chegando nelas de uma maneira agressiva. Só se a pessoa me der muita abertura para eu fazer uma brincadeira e dar um passo. Boa parte das garotas que me procuraram estava cansada justamente desse papel passivo e desses caras agressivos na hora de chegar junto. Também por isso minhas namoradas são mais para hétero na aparência. O estilo é bem feminino.

“Se considerar como eu me sinto internamente acho que eu deveria ter nascido homem. É como se eu não conseguisse pensar como mulher”

E como foi assumir em casa?
Não fui eu que assumi, foi minha mãe que descobriu. Eu estava trocando mensagens com minha namorada na época, essa primeira mulher com quem fiquei. Eu tinha entre 16 e 17 anos. Um dia minha mãe pediu o telefone e passou a tarde com ele. Foi quando chegou uma mensagem dela pra mim... dizendo que me amava etc. Ela chegou em mim, perguntou o que era aquilo, se eu estava ficando com mulher. Eu disse que sim... E o pior é que a tal mulher era uma contratante dos shows nossos, minha mãe a conhecia!

E aí?
Ela me proibiu de falar com a mulher, tirou meu telefone. A gente brigou feio, ela me bateu. E, quando voltamos para casa, ela me obrigou a ir para a igreja para o pastor me exorcizar.

E como foi o exorcismo?!
Se tinha um espírito em mim, ainda não saiu. O pastor me chacoalhava para um lado, para o outro... E chegou uma hora em que ele perguntou, como se estivesse falando com um demônio que tinha me possuído: “Fala! Qual é seu nome?!”. E eu olhei pra cara dele e falei: “Thammy”.

E você estava disposta a “se curar”, tinha vontade de não ser homossexual?
Não. Naquela hora eu tinha certeza do que eu queria, não tinha mais dúvidas sobre quem eu era.

E você imaginava que a sua mãe iria reagir daquela forma?
Eu não tinha como saber... Por mais que a minha mãe seja uma pessoa moderna, nunca existiu essa conversa em casa. Ela sempre trabalhou com muitos bailarinos gays, se dava bem com eles. Mas é assim: são “eles”. Na nossa casa isso não existia. Uma vez perguntaram para minha mãe em um show o que ela faria se tivesse um filho gay. Ela respondeu que aceitaria e amaria do mesmo jeito. Quando ela soube de mim e deu um chilique, eu cobrei. “Você disse que se tivesse um filho gay você aceitaria.” Ela respondeu: “Eu disse um filho, não uma filha”.

Aí tem uma projeção muito grande dela também, não?
Exatamente. Eu acho que ela esperava muito que eu fosse a continuação dela. Tanto que ela busca até hoje alguém para dar essa sequência.

Você sempre fala muito da reação da sua mãe, mas como foi com o seu pai?
Foi a coisa mais tranquila do mundo. Minha mãe ligou pra ele em prantos. “A Thammy gosta de mulher!” Ele pediu pra passar o telefone pra mim e me perguntou se era verdade o que minha mãe tinha dito. Eu disse que sim. Ele perguntou se eu estava feliz. Eu disse que sim. Aí ele me disse que estava do meu lado e que me entendia porque “mulher é bom pra cacete mesmo”. Nunca tive o menor problema com ele em relação a isso.

Nessa época você ainda tinha um visual feminino?
Sim. Demorou alguns anos para eu cortar o cabelo, virar mais homenzinho mesmo. Eu continuei fazendo shows, era meu ganha-pão. Foi uma época em que rolou muito convite para fazer ensaios nua. Cheguei a posar três vezes com visual de menina. O primeiro foi uma das revistas Sexy que mais venderam na história.

“Na hora de tirar a roupa para fazer as fotos, era tranquilo. O duro mesmo era dar autógrafos bem... ali, sabe? Eu queria morrer de vergonha”

E você se sentia bem?
Na hora era bem tranquilo, tirar a roupa era o de menos. A equipe sempre era muito profissional. O duro mesmo era dar autógrafos nas fotos. Os caras chegavam e pediam para eu assinar bem... ali, sabe? Eu queria morrer de vergonha.

E quando você assumiu em público e mudou a aparência?
De novo, não fui eu que assumi. Me descobriram no Orkut. Eu achando que estava secretíssima, pois tinha pintado meu cabelo de loiro. Mas viram fotos com meu look novo, com namorada... De repente, minha mãe me liga. “Viu o rebu que está dando na internet?” Eu não tinha visto nada. Estava em todo lugar falando que eu era lésbica, que tinha cortado o cabelo etc. No primeiro momento eu decidi que ia ficar na minha, não ia falar nada, e deixar o povo esquecer.

E por que decidiu vir a público? Foi o pessoal que não me deixou em paz! Eu passei um mês sem poder sair de casa. Tinha fotógrafo na porta 24 horas por dia para me pegar. Fiquei presa mesmo. Eles não desistiam. Aí eu assumi, até porque não tinha problema em admitir. Eu só não sentia essa necessidade de ir na TV falar sobre isso. Na minha cabeça, não ia mudar nada para ninguém. Mas o fato é que mudou...

O que aconteceu?
Em parte foi um alívio. Antes de eu assumir, quando eu ia na TV, era como se eu estivesse atuando. Depois, comecei a ser eu mesma, e isso virou uma causa de verdade. Mas quando eu vim a público muita gente começou a me usar como exemplo, como símbolo. E isso tem um peso muito grande. E eu tinha que aparentar publicamente a força e a segurança que as pessoas esperavam.

Como assim?
Quando eu ia para a televisão falar sobre minha sexualidade, chegava em casa e tinhas trocentos e-mails. Gente falando que tinha saído do armário depois de me ver e que os pais colocaram pra fora de casa. E me perguntando o que fazer. Outra dizendo que tinha saído do armário em casa, que tinha tomado uma surra da irmã. Aí vinham umas meninas de 12 anos me escrevendo que achavam que eram homossexuais... Mas elas têm 12 anos! O que eu vou dizer? A minha vontade era escrever que nem eu sabia o que fazer da minha vida, quanto mais da vida delas.

E você precisou de ajuda, terapia, algo assim?
Sim, tive que fazer terapia, tomar remédio. Muito por conta dessa pressão de lidar com a cobrança e a expectativa dos outros. E, na mesma época, eu perdi um irmão. E tudo isso junto, bem na época em que eu estava me assumindo, não deu para suportar. Eu tive síndrome do pânico. Tive que cuidar um pouco de mim.

E hoje ainda faz terapia?
Não faço. Hoje em dia estou superbem, me sinto ótima como sou. Acho que a gente vai ficando mais velha e vai entendendo algumas coisas que colocam os pés no chão. Mas, até hoje, tem essa pressão de que eu não posso cair, para não decepcionar quem me olha como alguém forte.

E você namorou homens?
O que inclui namorar pra você?

Eu que te pergunto. Beijar na boca?
Já.

Nunca transou com um homem?
Não. Nunca. E já falei na TV que já fiz.

Por que disse isso?
Não sei. Acho que fiquei com vergonha de dizer que não... Tem uma história... muito íntima, nem devia contar...

Agora já começou...
[Risos] Tá... Eu tinha 25 anos e fui no ginecologista. Chegou na hora, o médico falou que não dava para fazer o tal exame. E minha mãe, que estava junto, perguntou se eu tinha algum problema. O médico virou pra ela e disse: “Problema, não. Mas ela ainda é virgem”. Ela não se conformava! “Pelo menos experimenta pra ver se você gosta!” Acho que foi naquele dia que caiu a ficha dela e que ela entendeu que eu não gostava mesmo de homem.

Fora o sexo, qual a diferença entre namorar um cara e uma mulher?
É totalmente diferente. A mulher é o oposto. Se beija na boca, pronto, tá namorando. Já leva a escova de dente pra casa e começa uma discussão infinita. É muita possessividade, muito ciúme logo de cara. Duas de TPM querendo discutir a relação. É um inferno. Isso eu não tenho, sabia? Mas eu não gosto dessas coisas, discutir a relação. Sou bem mais direta e isso as incomoda muito.

E você tem vontade de ter filhos, ter uma família?
Tô vivendo um conflito muito grande. Eu tô chegando aos 30... eu preciso ter um filho!

Mas você quer engravidar, adotar, o quê?
Acho que quero fazer inseminação artificial, mas não na minha barriga. Na da minha namorada. E a gente cria juntas. Eu preciso fazer isso com 30 anos. Não pode ser com 31! Eu quero ser mãe ainda nova, curtir a criança bastante.

E vai casar?
Depende do que você chama de casar. Se for fazer festa, cerimônia, nunca mais. União estável, essas coias, também não pretendo. Já tentei uma vez. Era para ser uma vez só, a única coisa que eu não queria era me separar. Aí, três meses depois, separamos. Foi tão ruim que desde então eu prefiro não casar mais.

Você sabe que muita gente pública não sai do armário por medo de um prejuízo profissional. Você acha que elas têm uma certa obrigação de assumir, para acostumar as pessoas, ou realmente têm muito a perder?
É com muita dor no coração que eu digo que essas pessoas provavelmente iriam se dar mal profissionalmente. Iriam passar a responsabilidade de bancar a sexualidade delas para outra pessoa, um chefe, ou o público. E, muitas vezes, essas pessoas não bancam. Eu mesma perdi muita coisa. Não tinha como arrumar um emprego normal porque eu era a Thammy, e a mídia estava de olho. Eu não podia arrumar um emprego no meio artístico porque minha imagem nova não condizia muito com o que os anunciantes, os veículos esperavam de mim.

Mas e naqueles casos, de artistas principalmente, que todo mundo sabe que a pessoa é homossexual?
Mas esse todo mundo é o nosso meio. Minha avó ainda não acredita nem que o Ricky Martin é gay. Acha que é marketing dele. Tem gente que acha que é marketing meu! O mundo realmente é conservador. Vamos pensar o que aconteceria na cabeça daquele cara que fantasia transar com aquela atriz, ou com a garota que coloca o poster do galã na parede do quarto. Isso é o que move muito da fama, do mercado. E, se a pessoa assume ser gay, muitas dessas expectativas são frustradas. Provavelmente a pessoa deixaria de ser o próximo protagonista da novela.

Mas a aceitação está aumentado rápido, não está?
Muito rápido. Mas tem formas muito diferentes de aceitação. Minha avó aceitou numa boa. Meu avô também aceitou, mas de um modo muito machista. Quando eu cortei o cabelo, virei mais menino, meu avô disse que eu ter virado homem é o de menos. Mas, se o neto desse o cu, ele não iria aceitar de jeito nenhum. Machismo mesmo... Então, cada um aceita de uma forma. Tem uma galera que mora do nosso lado e que ainda está naquela cultura do cabra-macho. Para essa turma, ser gay não é normal.

Você sofre com a homofobia frequentemente?
Não muito, mas ainda sofro. Recentemente fui discriminada na padaria do lado de casa, em que vou desde pequena. Estava com minha namorada, dei um selinho e fui convidada a me retirar. Eu até ia processar, mas desisti. Acho que a lei de Deus é muito maior do que a nossa. Eles vão pagar de outro jeito. E olha que a padaria nunca pediu desculpas, nada. E eu ainda compro pão lá.

Nem boicotou?
Não. Porque eu quero ver se um dia eles vão me discriminar de novo. Aí eu quebro a padaria!

E você tem se envolvido nessas lutas políticas recentes contra a homofobia?
Pois é. Antes de rolar essa coisa da novela, eu estava meio que entrando na política. O Agnaldo Timóteo tinha me chamado para fazer uma parceria com ele. E eu estava me animando, porque, como vereador, não temos nenhum representante homossexual. Agora, com a novela, não vai dar tempo, mas essa é uma coisa que me interessa muito. Não só política diretamente, mas pensar em uma palestra, viajar para falar com as pessoas sobre esses assuntos.

Acha que há um aumento da homofobia agora que há um avanço das causas e dos direitos LGBT?
Sempre existiu essa violência, talvez fosse até maior antes. Eu acho que agora a diferença é que a visibilidade é maior porque a pauta “homossexual” está no ar. Como a coisa está avançando, cada vez mais gente achando normal que as pessoas sejam homossexuais, cada vez mais a imprensa mostra. Eu acho que há alguns anos, quando um homossexual apanhava na Paulista, os editores dos jornais nem publicavam. Mas, mesmo para mim, que sou bem resolvida, tem um monte de coisas, de pequenos preconceitos.

Tipo?
Uma coisa muito difícil é entrar no banheiro feminino. Muita gente toma susto achando que entrou um menino. Ou, quem me reconhece, fica meio sem graça, achando que vou ficar secando elas porque sou lésbica. É que no banheiro feminino as mulheres se sentem muito à vontade. Elas ficam fofocando, mostram a calcinha nova, o peito, se maquiam... Então eu já entro desviando o olhar de qualquer uma, pra deixar claro que só vou usar o banheiro.

E, agora que está na Globo, você precisa se policiar mais sobre o que falar e fazer? Está aqui dando esta entrevista com uma assessora do lado...
Olha, não tenho uma exigência deles sobre o que eu posso ou não dizer. Mas eu me policio um pouco mais por minha conta. E nem é uma questão de censura, mas, a partir do momento que você trabalha para uma empresa, nem precisava ser a Globo, você começa a representar essa empresa. Isso é algo que parte de mim mesma. Eu acho que tenho que tomar alguns cuidados a mais.

E você se arrepende de algo que tenha dito e feito nessa trajetória?
Sabe que não? Eu acho que a palavra não é arrependimento, né?

Você se arrependeu de ter feito filme pornô?
Olha, eu atuava, mas não cheguei a fazer cena de sexo mesmo. Eu interpretava a diretora que conduzia a cena, foi muito tranquilo, mas depois é que é duro. Se tem algo de que eu poderia dizer que me arrependo, é disso.

“Meninas de 12 anos me escreviam se dizendo homossexuais O que eu ia dizer? Eu nem sabia o que fazer da minha vida, quanto mais da vida delas”

O que pesou depois?
Se fosse pelo filme em si, seria indiferente. Mas o que pesa é essa pecha no currículo, “filme pornô”. E, se você for ver, eu fiz cenas muito menos quentes do que algumas que há em filmes nacionais. Tanto que meu filme foi muito criticado pelos fãs do gênero. Acharam que iam ver muita coisa e não viram nada. Mas fica essa espécie de mancha, sei lá.

Mas não é um moralismo em cima disso, de julgar tanto um filme pornô?
É moralismo. Mas tem uma coisa pesada mesmo de fazer sexo pra todo mundo ver. A gente topa umas coisas na hora por impulso. O momento de assinar o contrato é uma conversa profissional. E você já leva uma grana ali na hora, resolve um monte de problemas. Até então aquilo é só um papel. O problema é na hora de filmar e o depois. Porque não dá pra fugir da raia. Mas agora essa fase acabou.

E vai virar atriz mesmo? Acha que esse é seu futuro?
Eu estou amando. E, se a Gloria Perez acreditou em mim, quem sou eu para não acreditar? Estou amando os ensaios, as leituras de texto, tudo. É como se finalmente eu tivesse encontrado algo de que eu realmente goste. Antes eu desistia de tudo, sempre. Eu gravava CD, depois pensava: “Não gosto de cantar”. Fazia show, e descobria que não gostava. Cheguei a fazer arquitetura, mas não me formei. Sempre que chegava na hora de algo engrenar, eu pulava fora. Agora eu acordo feliz de imaginar que tem ensaio. E veio em boa hora.

Como assim?
Ah, sei lá, me sinto entrando na crise dos 30! Tô precisando escrever um livro. Ter um filho. Ou, sei lá, virar negão!

Ah é, queria ser um negão?
Bom... pelo menos eu ia ter um pintão!

E você sente vontade de ter um pinto?
Juro que não me faz falta nenhuma. Eu não poderia é ficar sem minha boca. Ai, que horror... não posso ficar falando essas coisas. Acabei de falar que tinha que me policiar mais...

E você já radicalizou, tomou hormônio, partiu para o lado mais trans?
Não... nunca senti necessidade. Nunca fiz cirurgia, tomei hormônio, nada. Eu tenho conhecidas que tiraram seio, tomam hormônio para crescer barba. Eu não tenho nada contra, se sentisse necessidade, eu faria. Mas, se eu fosse fazer uma cirurgia hoje, faria uma lipo. Mas deixa eu falar uma coisa...

O quê?
Esse negócio de discutir a sexualidade dos outros é algo tão besta, não é?

É meio besta mesmo. Por que a gente é tão encanado com a sexualidade alheia?
Porque o povo gosta de se meter na vida dos outros, é simples.

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