Guimarães: ”A paz que promove a evolução não é a ausência do conflito”
É importante aceitar o conflito como natural e desejado para manter a vitalidade dos relacionamentos. A paz que promove a evolução não é a ausência do conflito e, sim, sua administração
Caro Paulo,
Harmonia é uma palavra muito perigosa. Já vi muito relacionamento acabar porque se cultivou a harmonia como ausência de conflitos e divergências. Harmonia pressupõe tensão entre opostos e diversos, e não ausência de conflitos e divergências.
Em música, diz-se que harmonia é resultado da resolução de uma tensão. A corda ou o ar que vibra produz som belo de acordo com a tensão, no caso da corda, e do atrito do ar com a matéria, no caso dos instrumentos de sopro. Sem tensão e sem conflito não há harmonia.
Nem evolução ou inovação.
Vi a solução desse problema na prática na cultura de duas empresas que são nossas clientes. E posso falar publicamente sobre isso porque são conteúdos de publicações que estão no mercado, portanto, não são confidenciais. A Toyota tem o conceito de “tensão criativa” e a Bunge trabalha a ideia de “tensão produtiva”. Ambas falam da criação de um ambiente em que se estimula a busca do aperfeiçoamento por meio da crítica constante ou do conflito. O conceito da Toyota é natural da cultura japonesa e faz mais de 2 mil anos que não é novidade. Mas o da Bunge foi criado por sua liderança agora e aqui, portanto made in Ocidente. É a busca da terceira alternativa como resultante da tensão entre duas posições ou soluções já existentes. É genial. No more “Yes-man”!
Eu chamo isso de tensão do “e”, isto é, mantém as duas partes em conflito para produzir a tensão produtiva que gera a solução que não existia antes do enfrentamento. Aí surge a solução inovadora. Diferente da tensão do “e” é o relaxamento do “ou” que promove a exclusão de uma alternativa e afrouxa a tensão da briga. Não há tensão, mas também não tem inovação.
Integração dos opostos
Aqui em casa a gente tem um ambiente que eu chamo de tensão divertida. A Lili até brinca de apelidar nossa casa de Galápagos porque cada um tem que lutar por sua sobrevivência e evolução. Tem gente que se assusta quando começa a conviver conosco, mas depois acostuma e se diverte com a tensão divertida. Aparentemente parece que não tem amor, mas é exatamente esse sentimento que garante a não ruptura e a tensão. De vez em quando alguém some por um tempo para tomar uma perspectiva da situação, mas depois volta tudo ao normal. A vida como ela é.
Acho importante aceitar o conflito como natural e desejado para manter a vitalidade das relações. E a paz. Pode parecer paradoxal, mas eu acredito que a paz duradoura que promove a evolução não é a ausência do conflito e, sim, a sua administração, vital para a saúde de cada parte e do sistema como um todo. Se queremos evitar a guerra é preciso aprender a brigar, estimular a exposição das diferenças, provocar o confronto franco dos desejos individuais versus o bem comum, enterrar de vez os discursos “pacificadores”, que negam os conflitos e acabam alimentando o cinismo virtuoso e babaca do bom-mocismo. A boa paz é tensa porque busca a integração dos opostos. Tensão e tesão. Entendeu?
Que essa paz esteja contigo, meu amigo.
Ricardo
*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus