A tecnologia digital tem impacto direto não apenas na forma como fazemos sexo, trabalhamos ou viajamos, mas também em quem nos tornamos
Caro Paulo,
Você sabe que sou colecionador da revista Wired, para mim, o veículo que melhor entendeu e explicou o impacto da tecnologia digital em nossa vida. Tenho desde o número zero com autógrafo do Nicholas Negroponte que, na época, além de chefe do Media Lab do MIT era o colunista da última página da revista. Que saudades das surpresas e dos insights da coluna do mestre!
Em 2013, na edição comemorativa de 20 anos, o Paulo Lima da Wired, também conhecido como Kevin Kelly, desenhou uma linda página dupla com uma frase que dizia o que estava acontecendo no ambiente das empresas de internet: “Nós estamos construindo a coisa mais importante no mundo hoje – talvez a coisa mais importante de todos os tempos. Ela nos conecta. Ela nos amplia. Ela aprofunda quem somos”.
A questão é de identidade, ponto. Não é apenas como fazemos sexo, como trabalhamos, comemos ou viajamos, mas no que nos tornamos.
Tenho encontrado muita gente perplexa diante dos novos comportamentos na sociedade, e as pessoas estão sofrendo porque não entendem o que está acontecendo. Minha resposta é sempre a mesma: estamos mudando a ideia que fazemos de nós mesmos e, para expressar essa nova consciência, usamos uma linguagem diferente, por isso muitos não entendem e vão ficando à margem da história. Sexo, política, trabalho, família, segurança.
Tudo já está funcionando de forma diferente. Aliás, continuaremos diferentes mesmo que essa tecnologia não exista mais, porque seu impacto já terá acontecido no plano da nossa consciência. É como sexo, viagem, droga e poder; essas experiências são muito ricas para nos ensinar quem somos e, talvez por isso mesmo, têm tanto potencial de nos afastar da vida como ela é e nos transformar em viciados zumbis alienados.
Zumbis à parte, quero falar de sucessos e fracassos provocados pelo impacto que a tecnologia está promovendo na forma como pensamos e atuamos. Para ilustrar o argumento, reproduzo um trecho da genial entrevista do jurista Joaquim Falcão para as “Páginas amarelas” da Veja de 9 de setembro: “Nos últimos anos, o Ministério Público e o Judiciário se adaptaram muito mais à complexidade técnica do novo cenário do que alguns dos grandes escritórios de advocacia.
Trabalham com big data, usam a tecnologia em grau máximo atrás da informação. Sei que acusados do Lava Jato foram pegos de surpresa por este tipo de sofisticação na investigação. Os novos juízes, procuradores e promotores não se atêm tanto ao debate de teses jurídicas abstratas. Seu olhar está voltado para o mérito das questões, para o mundo real”. Em outras palavras, o sucesso no mundo atual não virá de teorias abstratas, processos e instituições manipuladas, mas de fatos concretos bem informados, compartilhados e acessados com velocidade, via uma tecnologia que nos conecta, nos amplia e aprofunda quem somos.
ABAIXO OS CAFETÕES
Esse Joaquim (viva os Joaquins, a começar pelo meu neto!) continua a análise com autoridade de quem conhece por dentro: “Eles (os advogados) ainda se ancoram no campo das abstrações, e não no dos fatos. Buscam a nulidade dos processos, esquecendo o mérito, o que é certo e o que é errado”. Aí está o nexo entre essa tecnologia e uma mentalidade mais prática, simples, ágil, consequente e muito melhor, mais segura, mais confiável e eficiente!
Não sou adepto do digital pelo digital, mas pelo que ele proporciona, e é disso que a gente deve correr atrás. É que nem sexo: com tecnologia ou sem tecnologia, não importa como nem onde, o que a gente busca é o prazer, certo? O resto é teoria abstrata que nos afasta do fato.
Em tempo: a proibição do Uber em São Paulo está na contramão da história. Abaixo os cafetões de alvará!
Abraço do amigo Ricardo
*Ricardo Guimarães, 66, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus