Te pego lá fora

Corpo de um lado, percepção de outro: é a ciência da conscienciologia, testada e aprovada

Tentando entender qual a fronteira que separa sua mente de seu corpo, nosso repórter vai atrás da megacomunidade da conscienciologia, em Foz do Iguaçu. Sob os cuidados de Waldo Vieira, fundador dessa nova ciência, ele se entrega às técnicas projetivas e se vê dividido em dois. Percepção de um lado, carcaça de outro

Goste ou não, você não tem escolha. Seu psicossoma abandona a realidade intrafísica e se manifesta em dimensões menos densas, onde estava antes de tornar-se uma conscin e para onde voltará como consciex após o dessoma. Goste ou não, caro leitor que tantas vidas já viveu... quando seu mentalsoma achar por bem ressomar-se em um veículo biológico sobre a Terra ou outro planeta, viverá a consequência do quanto você está de acordo com a cosmoética. Iludido terráqueo, eis sua condição como cidadão do universo: seu corpinho de carne e osso e seu fabuloso cérebro são apenas interfaces que você precisa para lidar com essa versão da matéria que nós chamamos, míopes que somos, de realidade. Tudo em nome de um processo evolutivo ainda mal compreendido pela nossa capenga humanidade. Quem disse? – você indaga. Disse o professor Waldo Vieira.

Mas você não precisa acreditar nele. Aliás, nem deve. A recomendação é do próprio Waldo, talvez a única tese, em sua colossal coleção de teses, que ele carrega como dogma. O “Princípio da descrença”, que assim foi escrito: “Não acredite em nada, nem mesmo no que lhe disserem aqui. Experimente, tire suas próprias conclusões”.

Uma definição que está cravada em metal ou impressa em plotters em qualquer uma das unidades pelo Brasil que representam sua filosofia tanto espiritual quanto antirreligiosa: a conscienciologia. Uma larga, muito larga visão dos fenômenos do universo que coloca a consciência como a base e o objetivo de tudo. E que, entre dezenas de ramificações, estuda e utiliza como prova de seus preceitos a capacidade que a consciência tem de projetar-se. Ou seja, sair do veículo biológico e, com a devida lucidez, ter acesso a outras dimensões onde nos manifestamos. Foi por conta disso que procurei Waldo Vieira. Para provar a mim mesmo que é possível ter uma experiência fora do corpo.

Nos últimos anos, entre reportagens e pesquisas pessoais, tive algumas poucas, mas profundas, experiências que poderiam ser lidas como desse tipo. Claro que crer nisso é mais um exercício de fé do que lógica. Seja com veneno de sapo e sua bufotonina, com DMT inalado ou 110 mg de Ketamina intramuscular, qualquer vestígio de sensação corpórea sumiu e senti minha percepção solta em dimensões muito diferentes do habitual. Leves indícios de telepatia e contatos com espíritos ocorreram também. Para o levantamento da presente reportagem, busquei ainda a ajuda de um hipnólogo para tentar me tirar do corpo e, de alguma forma, comprovar tal feito através de visualização remota. Senti-me longe de mim, mas prova nenhuma foi produzida. Logo, descobrir se a fronteira dos sentidos acaba, ou apenas começa, no corpo ainda era um desejo não realizado. Quando escutei sobre as pesquisas de Waldo Vieira, o caminho natural foi voar a Foz do Iguaçu e testar se eu e meu corpo são duas coisas distintas.

"O caminho natural foi voar a Foz do Iguaçu e testar se eu e meu corpo são duas coisas distintas"

Ex-pírita
Waldo é muito conhecido por quem entende de espiritismo. Nos anos 50, por conta de seus precoces dons interdimensionais, envolveu-se com o “alto clero” da versão brasileira do kardecismo. Foi braço direito de Chico Xavier por mais de 20 anos, escreveu livros com o considerado maior médium brasileiro e ajudou a construir centros e as bases da estrutura que até hoje abrigam a comunidade espírita no país. Mas, ele jura, “discordava de muito daquilo”. Excesso de crença, dogmatismo e toda a liturgia que transformaram a interpretação daquelas experiências em uma religião. Algo que ele define como “prisão ideológica”, “megaplacebo social”, “experiência falida” e por aí vai. “Para mim esses fenômenos são naturais, não são místicos, tá entendendo como é? Por isso precisamos de palavras claras e precisas para falar dessas coisas.”

Sua jornada de independência parapsíquica começou com o lançamento de seu primeiro livro em 1980. Projeções da consciência compila mais de 60 experiências fora do corpo do próprio Waldo. Em seus relatos ele começa a dispensar termos antigos em nome de neologismos livres de peso religioso. “Espírito” se torna “psicossoma”, “metalssoma”, “consciex”. Redefine conceitos de corpo, morte, encarnação, mente, destino, genética, memória e por aí vai. Hoje, aos 77 anos, sem conter a magnitude de suas pretensões, Waldo criou mais de 5 mil palavras e escreveu 28 livros; 20 deles sobre conscienciologia e suas vertentes. Alguns com mais de mil páginas. Se gaba de ter rodado o mundo todo como estudioso, pesquisador e palestrante. Mas hoje não arreda pé de onde está, das terras vastas que a conscienciologia conseguiu comprar com os esforços e doações de seus adeptos.

São 1.616.000 m2, coisa de 160 hectares, que abrigam a chamada Cognópolis, “cidade do conhecimento”, reconhecida em maio passado por um decreto de Foz do Iguaçu como o mais novo bairro da cidade. Parte dela é o coração da comunidade, Ceaec, ou Centro de Altos Estudos da Conscienciologia. Trata-se de um complexo de 41 edificações, entre residências, laboratórios de diferentes espécies e construções de pitorescos nomes.

Estamos no Holociclo, uma imensa biblioteca e também um apanhado de muitas, muitas coleções que ilustram um pouco do eclético conhecimento humano. Ali estão exatos 738.706 “artefatos do saber”, como definem, como conchas do mar, chapéus de época, objetos da China... e a lista corre. 83.101 livros. 455.133 recortes de revistas e jornais separados em pastas divididas em 2.127 temas distintos, organizados em ordem alfabética, que vão de assuntos como “Holocausto nuclear” a “Desaprendizagem”. Todos os recortes são selecionados por alguns dos mais de 600 voluntários que trabalham no Ceaec, que se reúnem para avaliar qualquer peça de mídia impressa que chega às mãos.

Tudo é um esforço coletivo para ajudar Waldo a concluir sua obra magna. A Enciclopédia da conscienciologia, 12 tomos que somarão mais de 10 mil páginas com a definição de mais de 2 mil verbetes. Foi trabalhando nela, logo cedo, sentado na ponta da mesa, que encontrei Waldo Vieira. Animado, de mente ágil e olhos vivos, conduz a entrevista praticamente sozinho. Remonta um pouco de sua trajetória falando de como a cidade de Brasília foi construída por recados enviados por consciexes em sessões espíritas. “Juscelino sempre mandava gente falar conosco. Vinha general pegar as mensagens.” E foi justamente uma conexão com Kubitschek que colocou o arquiteto de Brasília na história da conscienciologia. Uma sobrinha de JK, Maria Stella Kubitschek, intercedeu junto a Oscar Niemeyer. Como um favor, sem cobrar nada, o centenário arquiteto entregou ano passado um projeto nada modesto para a construção da Holoteca: uma megabiblioteca/auditório que custará pelo menos
R$ 13 milhões e que promete colocar Cognópolis definitivamente no mapa turístico e cultural do Brasil. Tanto que pela primeira vez, em função desse projeto, dinheiro público pode financiar uma obra da conscienciologia. Até hoje, toda Cognópolis e as dezenas de centros pelo Brasil foram pagos apenas por vendas de livros e doações de pequeno porte.

Todos no Ceaec preferem vestir branco. Um impecável branco de alvejante. Muitos adotam também o jaleco. Dá o ar científico, educacional, que Waldo, com sua não menos alva barba, preza em seu ideário. Todos por ali são pessoas que, por um caminho ou outro, se viram fora do corpo, em contato com consciências desencarnadas, dentro de uma realidade invisível que transcende a morte e dá lastro à própria vida. Gente que não se entregou às vendas da religião ou ao materialismo da ciência oficial. E que viu nas longas barbas e nas palavras de Waldo Vieira uma explicação para nosso desamparo cósmico.

Muitos chegam ao ponto de deixar sua cidade de origem para conviver com seus pares – e com Waldo – no Ceaec. Um deles, de tão dedicado e competente, nativo de Florianópolis, tornou-se administrador de muitos projetos ligados à conscienciologia. Chamado por Vieira de “prefeito da Cognópolis”, César Cordioli me mostra um pouco do futuro da cidade do conhecimento. “Esse terreno aqui”, e mostra uma imagem de uma enorme área colada ao Ceaec, “vai ser a Villa Conscientia.” Um loteamento residencial em que vão morar 600 famílias, todas ligadas aos estudos e à projeção extrafísica. A grande maioria dos terrenos já está vendida. Depois do status oficial de bairro, Cognópolis entrou nos folhetos turísticos de Foz do Iguaçu. César prevê: “Um dia tudo isso será uma universidade, vai formar profissionais da consciência. Acho que é inevitável”.

Morto, porém vivo
De alguma forma César representa muito bem o processo pelo qual uma pessoa muda a vida para se engajar no plano evolucionário na Cognópolis. Ao longo de sua trajetória, ele buscou em muitos lugares respostas para suas questões – Rosa Cruz, espiritismo. “Mas igual a isso aqui não tem”, ele resume diante de duas estantes suas, repletas de pastas de estudos e na frente de um dos megalivros de Waldo, Projeciologia, aberto em um aparador como uma Bíblia de uma casa cristã. Mas quando você viu que a coisa funcionava mesmo, César? Quando se convenceu de que Waldo tinha razão? “Vi uma palestra dele em Florianópolis e gostei. Comecei a ler mais sobre o assunto e tentei umas projeções. Até o dia em que encontrei um tio meu que havia morrido.

E ele me disse que eu deveria ir na Justiça, porque um processo que ele deixara correndo havia terminado e tinha dinheiro esperando”, ele conta sorrindo. “E tinha mesmo, e era algo que ninguém da família sabia.” Assim como na história de César, são muitos os casos em que há provas de que a projeção existe, de que não é uma alucinação, é o vislumbre de que espíritos, ou melhor, consciexes levam uma vida social muito semelhante à nossa na Terra. Conversam, pensam em dinheiro, amor, cultivam apegos, raivas e manias. Podem aprender, mudar e evoluir. E possuem também um corpo, menos denso, é verdade, mais flexível e mutável, mas ainda limitado em tamanho. É como se também no além houvesse uma vida mundana. E é isso que eu quero ver em pessoa.

"Meu Deus, está funcionando. Estou no quarto, meu corpo inerte na cama, e eu, de alguma forma, circulando por ali"

Depois de muito insistir, e driblar alguma resistência de professores do Ceaec, consegui do próprio Waldo a autorização para passar a tarde tentando uma projeção lúcida. Isso depois que ele colocou as mãos sobre minha cabeça e fez correr um estranho fluxo de energia que subia dos meus pés e chegava à cabeça, como se esquentasse meu cérebro, ou uma leve corrente elétrica saísse pelo cocoruto. Fui conduzido a um simples cômodo, uma casinha na verdade, sem aparelhos, medidores nem nada que justifique o solene título: Laboratório de Técnicas Projetivas. Há uma cama de casal, uma poltrona diante de um espelho, paredes azuis, ar-condicionado e uma escrivaninha com livros de Waldo. Não há nenhum doutor lá dentro, apenas a pessoa que vai conduzir o experimento, que é também a cobaia – eu, no caso. São três da tarde, e pelas próximas duas horas e meia devo deixar qualquer preocupação mundana ou pessoal de lado para que possa ter alguma chance de sucesso no meu intento.

Eu somos
Ao perguntar por que aquele lugar era mais adequado para o trabalho do que, digamos, o meu quarto em casa, me informam que foram tantas as experiências projetivas naquele ambiente que consciências desencarnadas de boas intenções circulam o lugar. “Os amparadores”, explicam, “podem ajudar muito nessa hora.” Agora solo no quarto bem-assombrado, apenas deitei, descalço e de calças desabotoadas. Fechei os olhos e quis, quis muito mesmo, que a experiência desse certo.

Seguindo dicas nos manuais, visualizava cenas de um corpo energético deixando minha cabeça. Vinte, 30, 40 min... e praticava o mesmo tipo de disciplina mental que me ajudou muito a ter sucesso em práticas como sonho lúcido (veja Trip # 167) e viagens psicodélicas de torrencial intensidade. Ou seja, segurar na base da vontade um foco nítido, um plano, que será minha âncora de sanidade na hora em que a mente decolar para lugares desconhecidos. O tempo passa, um sono diferente me embriaga até que a nítida imagem de um olho parece estampada do lado de dentro da minha pálpebra direita. A lucidez não me abandona, mas vagueia mareada até que me vejo de pé no quarto azul.

Há uma mulher de uniforme varrendo o chão. A lucidez vacila, e não estou completamente entregue à experiência. Até que peço licença a ela, que nada me responde, e uma onda de sanidade estoura em mim. Meu Deus, está funcionando. Estou no quarto, não há dúvida, meu corpo inerte na cama, e eu, de alguma forma, circulando por ali. Quando vejo uma árvore pequena que emana luz branca. Entro em choque, no duro, ao ter uma súbita compreensão não verbal de como uma árvore qualquer é evidentemente sagrada. Meu psicossoma chora subitamente e me vejo no segundo seguinte boiando no oceano, em cima de uma prancha. Varo uma, duas, três ondas. E resolvo surfar uma delas.

Assim que dou meia-volta, preparando a remada, estou de pé, tentando sair do mar que, em vez de uma praia, acaba no quarto onde estou, diante da cama onde meu corpo está deitado. E pimba! Abro os olhos e estou de volta à versão ordinária da consciência.

Sentado na cama, meio confuso e chocado. Estava fora do corpo? Sim. De fato? Não sei... Não trouxe nenhum dado que comprove, friamente, que saí dos meus limites físicos. Não conversei com seres que me disseram coisas checáveis nem vi lugares que depois eu pudesse confirmar serem reais. Mas digo, sem hesitar, que era uma sensação muito diferente da de um sonho. Também não tinha as qualidades da vida desperta nem de uma trip psicodélica. Me sentia presente, mas pensando em caminhos distintos da mente.

Quando consigo me erguer, já passam das cinco da tarde. E vejo que a luz elétrica acabou. Ali, em Foz do Iguaçu, ao lado de Itaipu, um dia depois do apagão de novembro, é quase inevitável encarar aquele miniblecaute como um sinal. Mas um sinal vazio, despregado de significado claro, como se espíritos, consciências, Deus, o cosmo não passassem, tudo isso, de projeções de uma realidade maior. Se saí do corpo para uma voltinha em outras frequências, algo daquela dimensão retribuiu a visita, e disse “oi” apagando a luz.

Saio do quarto e caminho só pelo Ceaec. Conto a experiência para alguns pesquisadores dando sopa naquele fim de expediente. A maioria se impressiona, dada minha falta de treino na projeciologia. Entendem como uma projeção, mas não se arriscam a interpretar. “Pratique mais, estude muito que você vai bem longe”, foi o conselho geral das pessoas no Ceaec. Indo embora, impressiona, ao leigo repórter, a dimensão do projeto que Waldo Vieira fez nascer.

Apesar da estética e dos pressupostos que podem facilmente provocar risos em céticos, uma mente mais aberta consegue perceber que muito do que é dito por ali faz sentido. E a raiz da questão é algo que falta demais em um mundo em franca crise espiritual... a tentativa séria de achar terreno comum entre ciência e religião. Ou melhor, de tratar com lucidez aquilo que a ciência se recusa a ver, e o que a religião insiste em mistificar: o caráter multidimensional e imaterial da vida, da consciência que nos faz seres espirituais. E buscar da maneira mais eclética possível quais são as forças e as intenções que movem a evolução para a frente. Se acredito em Waldo Vieira? Sim. Por isso mesmo duvido dele. “Princípio da descrença”, certo? Então escuto as explicações sobre a dinâmica cósmica conscienciológica com real interesse e torço para que prosperem. Mas com a clara sensação de que a verdade, A Verdade!, se existe, está em lugares inacessíveis ao binário cérebro humano – e ainda longe daquilo que os milênios antes de Waldo Vieira batizaram de espírito.

Agradecimentos Tarobá Express Hotel (R. Tarobá, 1.084, Centro, Foz do Iguaçu, tel. 45 2102-7770)

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