O Riso dos Outros discute limites do humor; leia entrevista com o diretor do documentário
O documentário O Riso dos Outros, exibido nesta semana pela TV Câmara, vem fazendo um enorme sucesso nas redes sociais. Trazendo entrevistas com comediantes, humoristas, quadrinistas, acadêmicos e especialistas, o filme chegou para reacender o debate sobre os limites do humor.
O diretor Pedro Arantes tem consciência de que está mexendo em um vespeiro. Para o documentário ele falou com pessoas tão diferente como a blogueira feminista Lola Aronovich e o bad boy da vez, Rafinha Bastos, passando pelos quadrinistas Laerte, André Dahmer e Arnaldo Branco, o apresentador e comediante Danilo Gentilli, o deputado Jean Wyllis, o escritor Antonio Prata e muitos outros.
Aos 28 anos, Arantes ganhou espaço na TV nacional produzindo as séries As Olivias (Multishow), Vida de Estagiário (Canal Brasil) e uma série de quadros humorísticos na TV Cultura. Agora, analisa com outros olhos o novo cenário da comédia nacional, colocando sob os holofotes os protagonistas dessa nova safra.
Batemos um papo com Arantes sobre a repercussão do novo filme, os rumos do humor e a culpa por trás das risadas.
Como surgiu a ideia de fazer o documentário?
O filme foi financiado por um edital da TV Câmara para três filmes. E um dos eixos temáticos que eles propuseram foi ética, que em contexto com o humor sempre foi uma discussão constante aqui na produtora [Massa Real Filmes]. Já estávamos há tempos discutindo sobre esse tipo de humor e o politicamente correto, se existem ou não limites para o humor, essas coisas. Então inscrevemos o projeto com esse tema e felizmente fomos contemplados.
Como foi a escolha dos personagens?
Esse edital tinha um problema, que era o prazo: foram só quatro meses para produzir o filme. Conseguimos uma prorrogação, mas ainda assim foi bem pouco tempo. Vimos que com esse tempo não poderíamos explorar todos os tipos de humor. Então começamos a restringir esse universo. Decidimos falar sobre stand up, com um contraponto dos cartunistas, já que esses caras a gente sabia que poderiam falar bem sobre o assunto. Um terceiro lado foi a presença de gente como o Jean Wyllys e a Lola Aronovich, que são mais ativistas mesmo, porque eles estão bem no meio da discussão e até já tiveram entreveros com esses comediantes. Fomos atrás de quem estava discutindo esse assunto, mas o nosso recorte foi o stand up, por serem essas pessoas as que mais movimentam o cenário humorístico hoje no Brasil.
Como diretor, qual o seu tipo de humor favorito?
É difícil falar sobre tipos de humor. É tanta coisa diferente que é impossível comparar. Tem o humor mais pastelão que o Buster Keaton fez com maestria e que é genial. Existe um humor mais de texto como o do Woody Allen, que também é genial. Tem até o humor que não é de dar risada, como o do Wes Anderson [risos]. Então é difícil dizer. Cada um desses sempre funciona quando é bem feito. Eu particularmente gosto de um humor de texto que trabalhe um pouco com o absurdo. Todo mundo que trabalha com humor fala isso, mas o que eu mais gosto é o Monthy Phyton, que tem esse texto genial mas que eles sempre levaram cada vez mais para o absurdo. Mas a princípio eu não descartaria nenhum tipo de humor.
"Muitas vezes o humor te pega de calça curta. A surpresa também é o riso. Às vezes você vai rir de alguma coisa e depois vai pensar que não deveria ter feito isso."
Você também trabalha com humor. Do que você procura se afastar quando está dirigindo comédias?
Cara, fazer comédia é um negócio meio sério [gargalhadas]. Eu percebo a contradição: comédia é para fazer as pessoas rirem. Mas tem que ter um pouco de tato. Um humorista precisa testar as piadas com diferentes tipos de público. Você pode sim trabalhar com temas que são delicados. Eu acho que não existe nenhum tema proibido no humor. Agora, você tem que se cercar de cuidados para poder trabalhar com determinados temas. Eu procuro primeiro fugir do óbvio. A piada óbvia é sempre a primeira a vir na cabeça. Você pode partir do óbvio, nunca chegar nele. Procuro também fugir ao máximo dos estereótipos que já estão muito cristalizados e que às vezes estão reproduzindo visões de mundo com as quais eu não concordo.
Então o importante não é o que se diz, mas como se diz...
Exato. O humor tem esse trabalho - que não é nem um pouco engraçado - que é ficar dissecando piadas para ver onde elas estão chegando. Quando você coloca uma piada em um filme ou uma série, esse trabalho não aparece. Mas atrás de cada piada tem que haver esse trabalho de ver, rever, refazer e reescrever até chegar em uma coisa engraçada, que não é óbvia e que quebra alguma noção de estereótipo.
"O que eu acho é que tem setores da sociedade que são mais organizados que outros. Então parece que fazer piada de anão é menos ofensivo do que fazer piada com negros. Mas a verdade é que os negros são um grupo muito melhor organizados historicamente do que o grupo dos anões. É só isso."
Essa discussão sobre os limites no humor acaba se resumindo em uma batalha entre as pessoas que acreditam que o humor quebra preconceitos contra as que acreditam que o humor reforça o preconceito. Qual dos dois lados está certo?
O Laerte fala muito bem sobre isso. Ele diz que o humor é uma linguagem como qualquer outra. E a linguagem em si não diz nada. Tudo depende de quem está falando. O que eu acho importante é mostrar que não estamos pregando um tipo de humor. Não estamos falando que o humor tem que quebrar com o preconceito. Eu não acho que o humor tenha que fazer nada. Você que está fazendo a piada é que tem que saber o que você está falando ou deixando de falar. Esse é o ponto. Esse papo recorrente de que existe humor neutro é absurda, porque não existe discurso neutro. E o filme quer mostrar um pouco isso: que as piadas que estão mais naturalizadas não são em si naturais. Tudo isso é uma construção e depende da posição do artista. O importante, ao meu ver, é que o artista se posicione. Não pode também se montar nesse discurso de neutralidade. Isso é a pura ingenuidade.
Você acha que tem algum grupo que é alvo de piadas e que as pessoas protegem mais do que outros?
O que eu acho é que tem setores da sociedade que são mais organizados que outros. Então parece que fazer piada de anão é menos ofensivo do que fazer piada com negros. Mas a verdade é que os negros são um grupo muito melhor organizados historicamente do que o grupo dos anões. É só isso. Mas eu não acho que esses estereótipos não devam ser usados. Eles podem ser usados até de maneira muito positiva, justamente para ridicularizar o preconceito em si. Tem humoristas brilhantes que se utilizam muito de estereótipos como o Bill Hicks ou o Louis CK. Eles são caras que jogam com essas ideias de estereótipos e que invertem totalmente a noção de preconceito. Outra coisa que o Laerte disse na gravação do filme é que sempre vai haver alguém ofendido quando se faz uma piada. A questão é como a gente negocia essa ofensa historicamente.
"Sempre vai haver alguém ofendido quando se faz uma piada. A questão é como a gente negocia essa ofensa historicamente" - Laerte
O que também esbarra na organização social das minorias...
Em determinado momento, tal grupo histórico pode estar mais ou menos organizado, o que muda o quanto você pode falar desse grupo. Por exemplo: hoje em dia, fazer piada de judeu é muito complicado. Mas 50 anos atrás era banal fazer piada com judeus por mais pesada que essa piada fosse. Então se construiu uma questão que impediu as pessoas de fazer esse tipo de piada. Mas é tudo uma construção e só depende do tempo.
Você já achou graça em alguma piada que seja preconceituosa e depois se sentiu mal com isso?
Não consigo pensar em nenhum caso específico, mas com certeza já aconteceu [risos]. Tem até aquela situação do riso nervoso, mas já ri sim. Você pode rir de alguma tragédia e de alguma desgraça, tem até um tipo inteiro de humor baseado nisso. Muitas vezes o humor te pega de calça curta. A surpresa também é o riso. Às vezes você vai rir de alguma coisa e depois vai pensar que não deveria ter feito isso.
"A gente ri e isso faz parte da vida. Mas a gente também pensa sobre coisas. A culpa é um sentimento castrador. Não precisa se culpar, basta refletir."
Como curtir humor sem sentir culpa?
Aí é que está: se a gente fica no campo da culpa, talvez a discussão fique um pouco pequena. Você está sempre revendo sua postura diante da vida, ou ao menos deveria [risos]. Então você vai rir de alguma coisa em determinado momento e que depois você não vai achar mais graça. Outras coisas você não achava engraçado antes e agora acha. Esse é até um dos objetivos do filme. Não é pra ninguém ficar sentindo culpa porque riu de alguma coisa. Mais jovem, eu ria muito de piada de gay. Hoje em dia, já tendo pensado sobre isso, eu realmente não acho mais graça. Você faz essa elaboração na sua cabeça e a partir daí você passa a não achar mais engraçado. A ideia do filme é mostrar isso: gente, tudo bem. A gente ri e isso faz parte da vida. Mas a gente também pensa sobre coisas. A culpa é um sentimento castrador. Não precisa se culpar, basta refletir.
Veja o filme na íntegra no player abaixo.