Surfistas brasileiros alertam sobre o risco de ataques de tubarões em Margaret River, na Austrália, e acabam acusados de provocar o cancelamento da etapa. Mas foi isso, mesmo?
Na última segunda-feira (16), os atletas brasileiros Gabriel Medina (campeão mundial em 2014) e Ítalo Ferreira (revelação de 2015) publicaram postagens inflamadas nas redes sociais sobre o risco de ataques de tubarão em Margaret River, na Austrália, onde eles disputavam etapa do circuito mundial. “Hoje tiveram dois ataques de tubarão numa praia próxima a que estamos competindo. Eu não me sinto seguro treinando e competindo nesse tipo de lugar. (...) Deixando minha opinião antes que seja tarde!”, escreveu Medina – a mensagem estava acompanhada pelo vídeo de um surfista local com a perna ensanguentada e a prancha com marcas de dentes. “(...) Continuam insistindo em fazer etapas onde o risco de ter esse tipo de acidente é 90%. Aí, eu pergunto: a segurança dos atletas não é prioridade?”, ecoou Ítalo.
Na noite de terça-feira, a WSL – a empresa que adquiriu e organiza o circuito mundial – anunciou que o evento estava cancelado. “As circunstâncias são muito atípicas e preocupantes, e nós decidimos que o risco elevado durante esta temporada do Margaret River Pro cruzou limites daquilo que é aceitável”, declarou a organização, por meio de nota.
Nas horas seguintes, a postagem da WSL que anunciava o cancelamento se tornou um ringue para discussões acaloradas em sua área de comentários. Boa parte da polêmica tinha a ver com a atitude dos brasileiros. As reclamações, em geral, diziam respeito a uma suposta influência exagerada desses surfistas, aos prejuízos causados à comunidade de Margaret River, além de pedidos de cancelamento da etapa do Rio de Janeiro – a próxima do calendário – por outros tipos de risco à segurança dos atletas. “WSL, cancele o Rio, onde as pessoas levam tiros atrás da área de competição”; “Liga Mundial dos Brasileiros”; “Só locais! Adeus, brasileiros! Voltem para o Brasil, onde aparentemente é mais seguro”, diziam algumas delas, em inglês. Nas páginas dos surfistas, os comentários tinham teor parecido: “Não volte aqui, você não é bem-vindo”. “Declarações de pessoas influentes destroem o turismo nessas comunidades, os comerciantes ficarão felizes, se você não voltar”, podia ser lido no perfil de Medina.
O que poucos comentários se davam conta era a complexidade da decisão tomada pelos organizadores da etapa. Desde que a WSL adquiriu o circuito mundial de surf, em 2013 (o que significou que o campeonato deixou de pertencer a uma associação sem fins lucrativos e passou a ser controlado por uma empresa privada), a companhia não conseguiu fazer a competição dar lucro. Margaret River é uma das poucas etapas rentáveis do calendário, graças a um generoso patrocínio do governo da região oeste da Austrália. “Fiquei impressionado com a decisão, porque a etapa, na verdade, dá bastante dinheiro”, diz Christian Beserra, diretor da World Pro Surfers, a associação de representa os surfistas perante a WSL. “O cancelamento, por outro lado, é um cenário péssimo para a WSL, porque envolve uma série de reembolsos aos patrocinadores e transtornos logísticos para o tour”, diz Christian.
A decisão, ele afirma, foi tomada diretamente por Dirk Ziff (o bilionário britânico que adquiriu o circuito mundial) e Sophie Goldschmidt, a CEO da WSL. “E isso não foi decidido a partir de um post de redes sociais dos brasileiros, mas após a WSL consultar inúmeros biólogos e especialistas que avaliaram o risco real de ataque. Eles fizeram essa lição de casa”, diz Christian.
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Ao ouvir esses profissionais, a WSL constatou que as chances de ataque eram realmente elevadas. Isso porque algumas praias da região tinham carcaças de baleias encalhadas, e o óleo que se depreende delas nessa situação atrai os tubarões. Além disso, a época de migração de salmões ocorreu mais cedo neste ano, o que também chama a atenção dos predadores. “É diferente do quase-ataque que aconteceu com o Mick Fanning, no ano passado, na África do Sul. As chances aqui eram muito maiores”, diz o executivo.
Mapeados os riscos, o fator que mais teria pesado para a suspensão do campeonato seria uma avaliação dos executivos da WSL de que, se um ataque acontecesse, as consequências para o circuito mundial de surf seriam gravíssimas — sem falar, claro, nas consequências para o atleta. “Acredito que seria o fim da WSL”, avalia Christian.
O executivo afirma que os brasileiros não fizeram pressão direta sobre a WSL pelo cancelamento – afora os posts – e que ficaram surpresos com a decisão, devido à importância econômica da etapa. “Os surfistas sequer tinham uma posição conjunta, alguns deles – inclusive brasileiros – avaliavam que seria possível dar sequência à competição”, ele conta. “A posição da WPS [antes do cancelamento] era de que seria possível prosseguir caso muitos drones fossem escalados para sobrevoar a área e a água estivesse cristalina. Mas, uma vez que a WSL optou pela suspensão, nós respeitamos essa escolha”, diz.
O staff de Medina afirmou por telefone à Trip que a postagem era uma posição pessoal de Gabriel, não uma pressão sobre a WSL. A respeito das discussões que sua mensagem gerou nas redes sociais, tanto o staff quanto o diretor da WPS (que, entre suas atribuições, também orienta os atletas sobre comportamento em mídias digitais) compartilham a mesma opinião: qualquer posição que você assuma – no caso, fosse pelo cancelamento ou pela manutenção da etapa – sempre haverá os haters. O melhor é não responder.
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Como a etapa foi interrompida durante o terceiro round de baterias, os 24 surfistas que seguiam na disputa receberão os pontos equivalentes à 13ª posição – ou seja, como se todos tivessem perdido na bateria seguinte. Os que já tinham sido eliminados ficaram com um 25º lugar – isso inclui os brasileiros Miguel Pupo, Ian Gouveia e Tomas Hermes. Na disputa feminina, interrompida no quarto round, as oito surfistas que ainda competiam ficarão com um 5º lugar – a brasileira Silvana Lima já havia sido eliminada.
A próxima etapa, em Saquarema (RJ), começa no dia 11 de maio. Apesar do clima quase tempestuoso, os fãs de surf esperam que os únicos ataques registrados sejam aqueles feitos às paredes das ondas da praia de Itaúna.
Créditos
Imagem principal: ©WSL/Dunbar/Divulgação