A minha terra nunca para de ser um clássico
Oi, vizinho.
Desde que a gente se viu pela última vez, tenho atravessado o hemisfério norte. Trabalhei muito, dormi pouco, me esgotei da melhor maneira. Passei três semanas num hotel no centro de Los Angeles. É estranho ficar num hotel na cidade onde a gente nasceu. No primeiro dia, minha amiga Brandalynn posou para mim. Chegou trazendo uma garrafa de uísque e um DVD da Dolly Parton (ela sabe como me conquistar). Deu uns beijinhos no nosso stuntman e capotou na minha cama. Acordou e foi direto para Xangai, deixando uma calça jeans, uma calcinha no chão – e aquela saudade da amiga que fica feliz quando tira fotos dela dormindo.
Então, fui para San Francisco, e de lá peguei um trem para Seattle. São 22 horas costa acima. Viajar de trem nos Estados Unidos é engraçado. Existe um tipo de aventureiro que pega esses trens, já que viajar de avião é muito mais fácil e barato. Você tem que realmente querer ficar na estrada. Ou isso, ou você acabou de escapar da prisão e está sem os documentos para pegar o avião – existe um tanto desses também.
Chegando em Seattle, lá está meu pai, com a mesma boina de sempre, a mesma jaqueta com silver tape para cobrir os rasgos. Em breve, ele vai fazer 80 anos, sabia? São 7 da manhã, está amanhecendo. Pegamos a balsa para a base naval onde minha irmã trabalha. Daqui a pouco ela vai entrar no submarino em que é tenente e vai para algum canto perdido do mundo – não deve sair da lata por três meses.
Para os próximos dias é estrada aberta, 10 horas de carro por dia. A minha terra nunca para de ser um clássico: o café dos postos de gasolina, xixi na beira da estrada, de vez em quando um veado perdido. Chove, e Washington vira Oregon, e Oregon vira Idaho, e Idaho vira Montana. Leio histórias de detetive da nossa infância e contos do Hemingway em voz alta para minha irmã enquanto ela dirige. No final, passo uns dias na casa da minha mãe, só eu e ela. Ela mora em Utah agora, na montanha. Por acaso, uma amiga de São Paulo está perto, e nos encontramos para andar nas trilhas do lado de casa. Um segredo: por baixo desse casaco, ela está nua e coberta de purpurina dourada. Mas essa imagem eu te mostro outra hora, quando chegar em casa, no nosso predinho rodeado de árvores.
Um beijo,
Autumn
*Autumn Sonnichsen, 31, é fotógrafa. Seu site é www.autumnsonnichsen.com