O presidiário fantasia sobre a primeira noite de sua libertação - após 30 anos de cadeia

A hora pingava nítida e precisa, além da noite que pousava mansa. Enfim sós! Eu solto, após longos anos preso. Ela, minha companheira. Aquela que estivera dentro de mim a cada átimo de segundo que, longe dela, sobrevivi. Viajamos parte do dia para chegarmos em casa. Agora éramos só nós dois.

O passado era irreparável. Tudo o que havíamos perdido, e parecia tão essencial, agora já não mais. A companheira estava tensa. Acostumara a viver só. Um homem na casa parecia pesado demais. O meu lugar fora onde eu não estava. Sempre um devir. Distante, a um nunca chegar. Agora ali estava. Aquele era meu lugar.

O caminho da cama era inevitável. Tomei banho. Tudo era novo, não conhecia aquele nosso quarto. Bonito e tão estranho. Algo vivo estava entalado, empalhado na garganta. Havia um corte, uma curva na emoção. Vesti short novo que ela deixara junto à toalha. Largara tudo na prisão. Caminhava para o futuro, decidido.

Deitei na cama, também desconhecida. Ela veio em seguida. Altas correntes de eletricidade transpassavam o ar com lâminas de cinzas. Abaixou-se, beijando-me de leve. Quis trazê-la a mim. Não, sorriu maliciosa. Tomaria um banho. Saiu andando e eu olhando aquela bunda tão ansiosamente desejada, dentro do vestido. Difícil de suportar. Quis invadir o banheiro. Estava fechado por dentro. Ela já sabia.

Oração de pau duro

Voltou absolutamente linda. A camisola vermelha iluminava seu rosto moreno. Cabelos curtos a tornava jovem para sempre. Separados, éramos inacabados e breves. Agora unidos, estávamos plenos, extensos. Virou a camisola, deu a volta na cama e deitou-se. Era magra e estava deliciosa. Enfiei a mão por baixo daquela calcinha suave como uma pluma. Enchi a mão daquela coisa úmida e macia, perdi meus dedos para aquele sol. Corria a mão na-quelas coxas lisas, tão minhas. Cheirei seu cabelo, ela estremecia com seu coração de céu aberto. Nus e já prontos, ela me parou.

Propôs: queria orar. Pedaço quebrado de mim, não entendi, a princípio. Como orar com aquele pau duro, louco para invadi-la, tomá-la e possuí-la desesperadamente? Havia uma sensação ácida na língua. Seus olhos, secos como as pedras de chão. Depois entendi. Já conversáramos acerca. Para se alimentar e dormir, pede-se a bênção de Deus. Por que não para fazer amor? Queria praticar. Esperava anos por isso. Claro, por que não? O diamante de seus olhos parados em mim era o limite daquele instante absoluto.

Sentamos na cama e, mãos nas mãos, fechamos os olhos. Ela falava. Agradecia a Deus por estarmos juntos, finalmente. Valera a pena esperar. Pedia que abençoasse o amor que praticaríamos. Doçura e graça pousaram sobre ela como folhas sobre o chão recamado de bosque. Abri os olhos, seu rosto estava banhado de lágrimas. No coração não existia um único canto que não inundado por comovida ternura. Ela acendeu os olhos, iluminando-me a vida.

Tomei-a em minhas mãos e a senti fluida, sem peso. Estava clara, visível por dentro e cheia de sentido. No peito ardia todo o universo. Era uma hora bastante, longe do tempo e da dor. De esplendores feridos, senti a ternura esparramando-se ao longo dos dedos. Tesão delicado, frágil como passarinho, escapava de sua boca breve.

Eu a amei como um laço bem-feito. Uma tempestade que varria de mim toda tristeza antiga. Tudo se fez proximidade absoluta. Num círculo de fogo derramei toda minha energia. Minha alma, ardente, de doce ansiedade se desfazia. Macerei rosas desmaiadas e encaixei pedaços de esperanças. Enfim feliz.

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