Somos todos limitados

Ricardo Guimarães relativiza o mito da liberdade total: ”Sem limite a vida não existe”

Caro Paulo,

Estou lendo e adorando o artigo “Cinema além-fronteiras”, em que Win Wenders diz: “Pensem os limites e as fronteiras como algo positivo”. Mas as notícias que vejo na TV sobre a tragédia da região serrana do Rio de Janeiro não me deixam concentrar no prazer da leitura. Então me rendo à tristeza da tragédia e me ponho, estimulado pelo cineasta, a refletir sobre o péssimo relacionamento que temos com os limites.

Não gostamos de limites. Liberdade total é causa nobre. Herói popular é aquele que vai além dos limites: expande as fronteiras, expande a juventude, expande a riqueza, expande o poder de fazer o que bem entende, sem se submeter a nada nem a ninguém. Esse heroísmo ingênuo garante a eficiência das vulgares ideias da maior parte dos apelos publicitários. Por isso, o cartão de crédito mais legal é sem limite.

Mas sem limite a vida não existe. Limites de tempo e de espaço definem o que é a vida. Precisamos do corpo, do planeta, precisamos da morte para ter vida. Os limites definem a identidade de pessoas, de lugares, de coisas, de ritmo. Os limites dão forma, criam atração e despertam tesão. Ciência nada mais é do que entender como os limites se formam, como funcionam e se modificam. É esse conhecimento que nos permite viver com inteligência, prazer e bem-estar.

Desconhecer os limites, desconsiderar os limites ou fazer pouco dos limites é a atitude que está por trás de todos os desastres naturais, pessoais, sexuais, sociais, econômicos, todos. Mas sua prevenção não depende apenas de conhecimento. Conhecimento é importante para saber como as coisas funcionam e como não funcionam. Mas é a consciência que faz querer colocar o conhecimento na prática. E é aí que se pisa na bola. Por arrogância, ingenuidade ou ganância, consciência e ciência são colocadas de lado e os limites, ignorados.

Heroísmo novo
Gostar dos limites, acolhê-los, entender sua função e significado nos permite crescer para dentro – em qualidade, consistência, profundidade e criatividade. Permite construir vidas, pontes, casas e cidades com segurança, sustentáveis. A sustentabilidade nada mais é do que reconhecer e gerenciar os limites que definem e viabilizam a vida. O péssimo relacionamento com esses limites é que impede as pessoas de acharem graça na sustentabilidade e buscarem soluções inspiradas e eficientes. Daí os desastres.

Quem sabe da dor de todas essas perdas não nasce um novo tipo de herói? Aquele que vai expandir os limites de nossa consciência e dar melhor proveito a toda a ciência que já temos. Esse herói não vai apenas salvar vidas. Vai proteger a vida.

Solidariedade ao povo da região serrana. E o abraço do amigo.

Ricardo

* Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu email é ricardoguimarães@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

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