Sobrevivendo no paredão

Na cadeia, quem não sabe guardar segredo é exterminado

Na cadeia, quem não sabe guardar segredo é exterminado. Somente anos distante da cultura criminal pude me livrar da muralha de mentiras atrás das quais me escondi por tanto tempo

Já fui de muitas mentiras e todos os segredos. As mentiras eram tantas que até pareciam verdades. A prática criminal é clandestina. Quando aparece em demasia é porque está para acabar. Como é o caso da máfia, dos morros e das favelas no Rio. O segredo é a maior arma do crime e não só dos negócios ou da política. O ataque de surpresa é o pesadelo dos especialistas em segurança. Não há como prever. O inusitado é a arma que irá solapar todas as defesas.

Aqueles que não sabiam guardar segredo iam para o paredão, como no Big Brother, esse caldeirão fervente de preconceitos. Só que o “eliminado” era eliminado mesmo. Exterminado.

Eu estou aqui. Sobrevivi a todos os paredões: choques com presos valentões; com a PM; com guardas das penitenciárias; com torturadores do Deic; com PMs espancadores no juizado de menores; e com meu pai, talvez o mais impiedoso dos carrascos. Tenho o rosto limpo, sem cortes, e o corpo furado somente com balas policiais. Não me orgulho disso. Muitos dos que sucumbiram eram bem melhores que eu. Dei muita sorte ou tive muita proteção, é só escolher no que acreditar.

Somente anos distante da cultura criminal que permeia as prisões pude ser eu mesmo. Já não tinha nada para esconder. Muito pelo contrário. Tudo era mesmo para mostrar. Meus livros são a maior expressão do que digo.

MURALHA ABAIXO

Finalmente pude me livrar dos segredos e das mentiras que vivi a vida inteira. Muitas vezes chorei de alívio. Alívio de poder desabafar e ser absolutamente sincero sem comprometer ninguém. Poucas pessoas sabem do que estou dizendo. Foi só então que consegui sentir que estava livre de verdade.

Livre de tantos segredos e da muralha de mentiras atrás das quais me escondi. Falo a todos do que eu e o mundo fizemos de mim. Mas também falo do que eu faço hoje do que fizemos de mim. De delegado a favelado; de deputado a homem aprisionado. Tenho palestrado em defensorias públicas, universidades, penitenciárias, escolas públicas e particulares, associações de amigos de bairros, grandes empresas em várias regiões do país. Amigos cogitam me levar para falar na Universidade de Buenos Aires.

Abro meu coração, me expresso com toda a veemência de quem sabe do que está falando. Tenho uma visão e uma ideia, que considero nova, a expor. Estudo há mais de 30 anos para poder falar pelo menos com coerência. Percebo nas reações das pessoas. Elas se comovem e participam inteiramente. Sentem o quanto me esforço para ser verdadeiro.

Hoje vivo tranquilo. E não troco essa tranquilidade por nada. Dinheiro ou aventura alguma me seduziria. Como diria Raul Seixas: “Não sei para onde estou indo, mas sei que estou no meu caminho”.

 

 

 

 

 

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