Sobre tigres e cães

Luiz Mendes: a subsistência de um povoado x ecologia exigiu uma solução criativa

No sudeste asiático, uma aldeia começou a ser invadida por tigres. Para afugentar os felinos, uma americana treinou cachorros que, em bando, conseguiam espantar os ferozes invasores

Já não dá para assistir à programação dos canais abertos da TV. O nível vai ficando cada vez pior. Por outro lado, os canais pagos não são tão melhores assim. As séries são interessantes, mas não passam de novelas disfarçadas. Minha programação flutua entre History Channel, National Geographic, Discovery, Animal Planet e Biography Channel. Foi num desses canais que assisti ao documentário interessantíssimo produzido no sudeste asiático, em Burma, creio eu.

Era sobre uma comunidade de coletores com aproximadamente 10 mil habitantes. Vivem muito próximo à selva, de onde tiram seu sustento. Inesperadamente, tigres enormes, que chegavam a pesar meia tonelada, começaram a atacar os coletores que trabalhavam na selva e até mesmo a invadir o aldeamento à noite. Em pouco tempo haviam devorado mais de dez pessoas e muitos animais domésticos.

O povo da comunidade entrou em pânico. Não podiam mais buscar o alimento na selva; estavam passando fome. Coletar na selva era quase certeza de ser devorado. Os tigres pareciam já estar esperando.

A única solução viável para aquele trauma seria contratar profissionais para exterminar os temíveis felinos. Mas aquele é o último reduto da Terra onde ainda se encontra o tigre asiático em seu habitat natural. Matá-los ali significava exterminar a espécie na natureza. Só os veríamos em zoológicos no futuro.

Então surge uma resposta inteligente para a questão. Madelleine, uma americana treinadora de cães, sugeriu a solução e veio ensinar à comunidade da aldeia como aplicá-la.

Os cães da aldeia eram completamente desvalorizados. Alimentavam-se com restos de comida dos humanos, a maioria abandonados e sem donos. Madelleine veio com recursos e formou uma equipe para trabalhar com ela no agrupamento. Escolheu alguns filhotes mais fortes de algumas poucas ninhadas. Cães nascidos em uma mesma ninhada têm mais tendência a se apoiarem mutuamente. Junto com seu grupo, começou a criar e adestrar os cachorrinhos para espantar tigres. O processo era bem interessante. Um cão sozinho, ao ser confrontado com um tigre (devidamente enjaulado) treme de medo e se esconde se não puder fugir. Mas um bando de cães juntos não fugia do tigre. Enfrentava, latia e o tigre se afastava temeroso e assustado.

Cães vigias
Em pouco tempo, Madelleine tinha vários cães fortes, bem alimentados e treinados. Havia a equipe de aldeões que também aprendera a valorizá-los e a lidar com eles. Quando todos estavam prontos, a treinadora, com toda a aldeia colaborando em mutirão, começou a espantar os “bichões” para o fundo da floresta, seu habitat.

Depois dos tigres serem obrigados a voltar para seus refúgios, ela começou a treinar os cães como vigias. Enquanto os coletores trabalhavam, os cães foram ensinados a ficar atentos. O faro do cão normalmente alcança cerca de 10 mil vezes além do nosso olfato. Eles sentiam a aproximação dos tigres e davam o primeiro combate. Especialistas afirmam que o cão pode ser estimulado a farejar até 100 mil vezes mais que nós.

A inteligência humana acabara de promover uma história com final feliz. Ninguém mais foi devorado pelos tigres naquela comunidade. Os cães passaram a ser tratados como criaturas de respeito na aldeia. E Madelleine, coberta de glórias pelos seus saberes e disposição, pôde voltar para seu país com sua simples e grandiosa missão cumprida.

*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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