Sobre pais e filhos

Meus filhos começaram suas vidas em filas de portas de prisões para me visitar

Meus filhos começaram suas vidas em filas de portas de prisões para me visitar. Me sentia um fracasso como pai. Recentemente, vi o mais novo chegar ao lançamento de um livro meu junto com sua professora. Uma emoção profunda tomou conta de mim

Nostalgia é algo que se pensa ou se sente? É bom ou ruim? A palavra é usada como sinônimo de melancolia. Um estado mórbido de depressão, de languidez e de tristeza indefinida. Nostalgia também pode ser quando se está triste e se desconhece a razão. Um tipo de desgosto, pesar. Desconfia-se de que quem sofre de nostalgia tem tendência ao suicídio. Quando me quedo a recordar de acontecimentos e mentalmente os revivo, estou nostálgico, e isso tanto pode ser bom quanto ruim. É humano. Uma certa palpitação que pode acelerar o coração quando lembramos dos momentos felizes que não voltam mais; nostalgia é memória revivida.

Por muito tempo me senti fracassado como pai. Não conseguia sequer conquistar a amizade de meus filhos. Eles pareciam nem ligar para mim e eu vivia magoado, a me queixar pelos cantos por conta disso. A nostalgia pegava pesado. Lembrava de quando eles eram pequenos e de como éramos alegres, brincando de briga na cama, jogando bola e sendo felizes juntos... Sofria, dentro de mim, com a consciência pesada; eu merecia. Torturei-me incontáveis vezes tentando encontrar meios, saídas, sem sucesso.

A história deles é, no mínimo, complicada. Foram concebidos quando eu estava preso e, aos primeiros anos de suas vidas, não pude estar presente. Via meus filhos somente quando a mãe deles os trazia para me visitar. Eles começaram suas vidas em filas de portas de prisões. Não posso julgar ou cobrar nada deles. Em última instância, a culpa sempre será minha: fui eu que estive preso e faltei quando era preciso estar presente.

Só agora, anos depois, é que fui entender que é sempre possível aprender com os erros. Os insucessos marcam, ta­tuam na alma e cobram mudanças. Nunca nos conformamos em perder e vivemos a nos atormentar com nossas derrotas. Isso também é nostalgia. Esquecemos que, quando os fatos se precipitam em atos, agimos ou reagimos com tudo o que nos constituía. Fizemos a partir do que fomos. Não dava para ser mais cautelosos, espertos, corajosos ou inteligentes do que fomos. Processamos informações e conhecimentos a todo instante. Nossa ação ou reação contém o que somamos em nossa experiência até o momento.

Ao descobrir isso, comecei a relaxar com meus meninos. Deixei que vivessem suas vidas como gostassem e, se não me procuravam, eu os procurava e pronto, sem mágoas ou cobranças. Aos poucos, fui construindo um diálogo tranquilo com eles, sem invadir e com todo respeito. Comecei a senti-los como pessoas independentes e não mais como apenas “meus meninos”. Comecei a gostar disso. É muito interessante observar como lidam com a vida, como resolvem suas questões. Foi surpreendente perceber o quão diferentes de mim eles são. Seus interesses são completamente diferentes. Não são violentos, agressivos e nem estão na guerra das relações sociais; simplesmente vão se preparando e vivendo tranquilamente o que vida lhes propõe.

ORGULHO

Recentemente, quando do lançamento de meu quinto livro, Desconforto, Jorlan insistiu em participar. Quando o vi chegando na livraria junto com sua professora, uma emoção profunda tomou conta de mim. Ali estava o meu filho mais novo, um dos principais motivos de minha vida. Ele sorria e parecia muito orgulhoso de seu pai. Imediatamente, o pensamento me remeteu a Renato. Meu filho mais velho havia sido classificado no vestibular. Estava “ganhando a vida”. Trabalha na revista Trip há dois anos e vai começar a faculdade de sistemas de informação do Senac. Quer ser programador de computadores; lida com isso o dia todo. Então me veio a consciência de que, apesar de toda tristeza do passado, estava dando certo. Finalmente eu estava em meu papel de pai de verdade. Não havia mais nostalgia; eu a tinha vencido. Uma alegria enorme engolfou meus pensamentos, lágrimas inundaram os olhos e eu pude ser feliz por momentos.

Restou a consciência de que devo me fortalecer, aprender e me desenvolver para enfrentar melhor os desafios que a vida haverá de colocar em meu caminho daqui para frente.

*Luiz Alberto Mendes, 60, é autor de Memórias de um sobreviventeSeu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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