Sobre ficar velho

Ricardo Guimarães: ’Gosto de dizer que estou envelhecendo para que isso não seja visto como “melhor idade”’

Gosto de dizer que estou envelhecendo para que o envelhecer não seja visto como uma doença nem como esta coisa ridícula que algum jovem publicitário resolveu batizar de “melhor idade”

Caro Paulo,

Precisamos atualizar a minha idade ali embaixo, no crédito. Fiz 65 anos, lembra? Claro que lembra, você e o Luiz Seabra sempre, sempre me ligam no meu aniversário. Enquanto não ligam, fico duvidando se é meu aniversário mesmo.

Gosto de dizer que estou envelhecendo para que o envelhecer não seja visto como uma doença, nem como uma vitória, nem como esta coisa ridícula que algum jovem publicitário inexperiente de maturidade e com culpa de sua juventude resolveu batizar de “melhor idade”. Eufemismo cínico.

Envelhecer está no nosso design e, como todo bom design, está a serviço de um propósito, um desígnio. (Aliás, é por isso que amo design, linguagem, essa praia.) Então, qual é esse propósito? Eu, cá com os meus 65, confirmo: o envelhecer é, sim, uma fase da vida para pessoas experientes. O design está certo, porque nesta fase existe um alto risco de ruptura entre nosso corpo e nossa alma. E, se houver ruptura, acaba esta brincadeira chamada vida.

Quando somos jovens e ignorantes, fazemos o que bem entendemos com o nosso corpo e ele se recupera rapidamente. Brincamos com ele como o brinquedo que ganhamos quando embarcamos neste planeta.

O corpo jovem é extremamente tolerante e eficiente para aguentar e satisfazer a fome voraz de ação e a experiência da alma jovem. Comas alcoólicos, doenças venéreas, diarreias, anemias são alguns dos micos que pagamos por falta de intimidade com o nosso corpo.

DESCOMPASSO

Usamos e abusamos dos sentidos para aprender a usá-los e, com o tempo, sermos seu senhor, e não seu escravo. O corpo nos ensina os limites e as possibilidades de nossos desejos nativos e residentes da alma, para que a gente saiba usá-lo cada vez melhor, fazendo mais com menos esforço, como manda um bom manual de como viver bem na fase de decrepitude do ser humano.

Se o corpo envelhece e a alma continua jovem, eles entram em descompasso e a gente acaba tropeçando nos próprios pés, porque, enquanto ela quer ir, ele quer parar; enquanto ele quer continuar, ela já está em outra. Este é o aviso prévio da ruptura entre o corpo e a alma.

Não estou pensando tudo isso sozinho. Estou me inspirando no filósofo materialista André Comte-Sponville, que, aos 56 anos, escreveu o prefácio de um livro que ele mesmo havia escrito aos 26, mas que foi publicado só agora. Chama-se Do corpo, editado pela Martins Fontes. Apesar das muitas citações de outros filósofos, ele consegue ser simples e claro para nós, leigos.

Termino com o texto que explica o título do livro e que, implicitamente, diz por que a ruptura entre o corpo e a alma é fatal:

“Encontrar um título para este livro. Ele poderia se chamar DA ALMA – porque é de fato o que ele busca, o que ele procura dizer: aquilo, no homem, que o supera, a mais alta parte de si mesmo, sua grandeza, sua verticalidade, sua espiritualidade. Mas como ‘a alma e o corpo são uma só e mesma coisa’, como diz Espinoza, mais vale chamá-lo DO CORPO. Isso se prestará menos à confusão”.

Depois de Comte-Sponville, o silêncio é bem-vindo.

Meu abraço,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

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