Só o silêncio salva

por J.R.Duran
Trip #222

Duran: a internet e a ”carência afetiva que entope os ouvidos e os olhos de qualquer um”

A necessidade que as pessoas têm de se expor, seja por palavra (em blogs, por exemplo) ou por imagem (fotos e mais fotos no Instagram), expõe uma carência afetiva que entope os ouvidos e os olhos de qualquer um

O Concorde foi um avião de passageiros feito para viajar a uma velocidade maior do que a do som. Comparado com as aeronaves de hoje, e da época também, era relativamente pequeno, cabiam nele apenas cem passageiros, mas esta centena de privilegiados podia decolar de Londres e estar em Nova York quatro horas depois graças à velocidade do aparelho que podia alcançar os 2.500 quilômetros por hora. Dentro do avião, bem à vista dos intrépidos passageiros, existia um relógio digital (ficava sobre a porta de entrada no corredor da cabine) que marcava a velocidade alcançada. Se considerarmos que o som se propaga a 1.200 quilômetros por hora, não demorava muito em se ouvir o pequeno estrondo que fazia o Concorde ao furar a barreira do som.

Desde que os aviões de caça foram aperfeiçoados durante a Segunda Guerra Mundial, os engenheiros tentaram criar uma estrutura voadora que superasse a barreira do som. O Concorde começou a voar em 1976 e a sua trajetória se encerrou pouco depois que um dos aviões sofreu um trágico acidente, no qual morreram 113 pessoas.

Não sou engenheiro aeronáutico e só tive a chance de voar no Concorde uma vez, mas, se dependesse de mim, a barreira do som nunca seria quebrada. E digo mais, o respeito ao silêncio seria a 13ª norma que eu sugeriria que fosse colocada nas Tábuas da Lei, caso uma enquete pública viesse a ser feita.

Criaria, de alguma maneira, outra barreira: a do silêncio. E, acima de tudo, o ensino para que ela não fosse quebrada. Porque, sim, senhoras e senhores, sou parte destas pessoas que acham que só o silêncio salva.

O som ao redor

O cachorro do vizinho que a rua inteira ouve latir e apenas seu dono não parece perceber o quanto é irritante, o escapamento do carro (da moto, do caminhão, do ônibus) que parece estar desajustado de propósito. A música alta do empregado que se diverte sozinho na casa porque o patrão saiu de viagem e o bairro inteiro é obrigado a compartilhar. O desnaturado que pensa que repetir "pamonhapamonhapamonha” com a ajuda de um alto-falante até acordar os que estão dormindo fará com que eles desçam correndo do prédio para comprar as malditas pamonhas. Os que buzinam. Os que falam em voz alta no cinema, no ônibus, na sala de espera. Os motoqueiros de Harley que exibem sua barriga nos sábados de sol e aceleram ao cruzar com alguma menina na rua. Todos eles – e muitos outros casos mais – seriam mandados para queimar no fogo eterno.

O silêncio não só ajuda a dormir, a descansar, a pensar e a se entender, como é uma barreira invisível que, além de proteger os tímpanos, evita passar por situações constrangedoras. A necessidade que as pessoas parecem ter de se expor, seja por palavra (textos e mais textos nos blogs) ou por obra atestada pela imagem (fotos e mais fotos desnecessárias e desinteressantes no Instagram), expõe uma carência afetiva que entope os ouvidos e os olhos de qualquer um. Um amigo meu decidiu vender plaquinhas com a frase: “É muito melhor ficar quieto e parecer uma anta do que abrir a boca e deixar os outros terem certeza disso”. Se cada um tivesse ela colada ao lado do computador, o mundo seria melhor.

Porque, além do silêncio valer ouro, ele é o melhor amigo e conselheiro.

*J. R. Duran, 59, é fotógrafo e escritor. Seu Twitter é o @jotaerreduran

fechar