Só e bem acompanhado

Ricardo Guimarães: ’Nossa cultura vê a solidão como coisa tão ruim que rima com depressão’

Não é fácil se reconhecer só porque nossa cultura vê a solidão como coisa tão ruim que rima com depressão. Mas isso muda quando tomamos consciência de que se fazemos parte de algo maior

Caro Paulo,

Foi bom te encontrar em Nova York e conseguir reunir amigos, mulheres, filhos e filhas, numa mesa quase inviável de dez pessoas para um almoço no Upper East Side de Manhattan. Que maravilha aquela mistura de interesses e conversas fora de controle, animadas por copos e garfos que cruzavam o ar com brindes e delícias que matavam a fome, a saudade e deixaram em todo mundo um gosto de quero mais.

Não sei se você reparou, mas numa mesa próxima à nossa estava um senhor sozinho e silencioso. Ele estava bem feliz com seu vinho, sua massa e ninguém para conversar. Nem celular ele usou. Acho que ele estava tão bem que curtiu nossa sonora alegria. Não dá para dizer que aquele senhor era solitário. Mas foi essa imagem que me veio à mente quando cheguei em São Paulo e recebi o tema desta edição.

Confesso que tenho dificuldade de definir o que é solidão porque venho de família grande – seis irmãos –, fiz uma família grande – mulher e quatro filhos –, e o meu trabalho é permeado de relacionamentos muito intensos e frequentes. Mas acho que solidão não se confunde com estar só.

Estar só é uma escolha de vida. Solidão, para mim, é condição de vida. Somos sós. Portanto, solidão deve ser um estado de consciência que se conquista. Entendo solidão como o reconhecimento de que só eu posso fazer algo por mim no processo de construir minha identidade e de me colocar no mundo.

Não é fácil se reconhecer só porque nossa cultura vê solidão como coisa tão ruim que rima com depressão. No começo, a gente sofre, mas depois compensa porque junto com essa tomada de consciência vem o sentimento de que se faz parte de algo maior que nos suporta.

Trama Genial

Isto é verdade para mim: em toda a minha busca pessoal de significado para a minha vida, passando por todas as fases, das mais crentes às mais incrédulas, sempre tive a compreensão e a convicção de que eu fazia parte de algo maior, misterioso e poderoso. Podia ser uma crença ingênua infantil ou um ceticismo cientificista, mas nunca duvidei de que tudo e todos estamos ligados por uma trama genial que nos suporta. Pode chamar de rede da vida, de plano divino, não importa. Para mim é uma crença que se prova na prática e não na teoria. E o que eu experimento é uma segurança, um conforto e um intimidade enorme com a vida.

Mas esse não é o grande bônus da tomada de consciência da solidão. O melhor é a mudança de atitude perante nosso poder e nossa responsabilidade de fazer algo por nós mesmos. Não se perde mais tempo com lamentos, acusações e falsos álibis para a infelicidade e o fracasso; e se foca no próximo passo para desvendar e entender que história é essa chamada de Ricardo Guimarães, de Paulo Lima ou Antonio Ricciardone, mais conhecido por Tunico, meu neto.

É triste ver como a nossa civilização distorceu alguns conceitos preciosos para nosso desenvolvimento individual e a formação de uma atitude autônoma diante da realidade. Solidão é um desses temas. Estou curioso para saber como ficou esta edição.

Abraço forte, 

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 64, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus

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