A conexão entre os mais agitados bairros de Londres e São Paulo nos ensina muitas coisas
DIRETO DE LONDRES
Quando Julia Roberts e Hugh Grant estrelaram o mega hit “ Um lugar chamado Notting Hill” não imaginavam o impacto urbanístico que o filme causaria. O bairro em West London era o local preferido dos artistas da cidade que habitavam a região atrás de aluguel barato e bombação cultural. Desde o final do anos 70, moraram por lá bandas como The Clash, Sex Pistols e grande parte da cena punk inglesa. Pela famosa Porto Bello Road circulavam descolados, intelectuais, fashionistas e todo tipo de gente interessada em nova arte. Mas, como em todo lugar hype, após algum tempo, os melhores bares foram comprados por grandes investidores, clubes novos e mais caros abriram e os alugueis subiram de preço. Roberts e Grant deram o golpe final deixando mundialmente famosos cada detalhe do bairro, repleto de lojinhas, mercadinhos de rua e muito charme.
A migração da vanguarda cultural para outro lugar com preços acessíveis e liberdade artista foi inevitável e ao contrário da famosa música do caricato grupo americano YMCA, a galera antenada apontou a solução: go east! E foi justamente para o leste da cidade que foram, em direção à Hackney, grande área, mais pobre, repleta de imigrantes e com pouca agitação.
Em Hackney, os modernos e bacanas encontraram London Fields, local calmo ao redor de um parque com mesmo nome, Dalston, bairro predominantemente negro com um famoso mercadão popular e Shoredith, região decadente porém de fácil acesso, cheia de antigos imóveis disponíveis. E foi justamente a partir desse local, no miolo formado pelas ruas Great Eastern Street, Shoreditch High Street e Old Street que Londres explodiu para se tornar o templo da nova arte mundial.
Em 10 anos, os órfãos de Notting Hill transformaram Shoredith e arredores no lugar mais quente da cidade. A área é decorada pela arte do já lendário artista Banksy (imagem acima) – morador da região e espécie de símbolo da transformação da cidade. Sua arte é hoje o principal retrato da nova Londres e nos camelos e lojinhas de suvinier, vende-se mais camisetas com reproduções dos muros de Shoreditch pintados por Banksy, do que com a bandeira da Inglaterra ou com a cara do Syd Vicious.
Clubes e bares como 333, Cacth 22, Shoreditch House, The Fouder, Jaguar Shoes, Charlie Whigth, a maioria com entrada gratuita criam um enorme fluxo de pessoas na região em busca da melhor festa. O Macbetth, bar de música ao vivo onde assisti Max Tundra numa festa da Domino Records, promove shows diários e sempre lota com novidades. A credibilidade da casa é tanta no circuito, que bandas como Gang of Four costumam fazer shows surpresas no local. O Cargo, clube onde Gilles Petterson fazia sua famosa residência, se notabilizou por trazer gente do mundo todo para shows - muitos representantes da cena undergroud brasileira passaram por lá. The Old Ax, com seu sensacional after hours rockabilly e Aquarium com house esticam a noite até de manhã. Workers Men’s Club domina a emergente e agitada cena de Burlesque na cidade e o engraçado Joiners Arms, boteco gay fashion que virou o hit do momento e faz o fim de noite mais animado, juntando gente de todos os pontos da cidade.
É no coração de Shoredith que está o Favela Chic, principal marca brasileira no mundo quando o assunto é noite. Sempre antenados, Rosane, Jerome e Daniela, sócios da casa, sacaram a movimentação da área desde o começo e fincaram a bandeira brasileira no coração da vanguarda mundial, com as famosas noites de discotecagem eclética e de bom gosto do DJ Gringo da Parada, alem de ótimos shows. A ferveção está tão grande que a festa Swap do Favela Chic (onde as pessoas trocam de roupa umas com as outras) criou um novo conceito de noites na cidade, chamadas pelo The Guardian de Social Parties. O que já era sucesso em Paris, caiu como uma luva em Londres.
Em Hoxton Saquare, simpática e bombada praça da área, destaca-se o Hoxton Bar & Kitchen, antigo cinema transformado em um ótimo clube de rock e o Bluu, clube onde Bjork cantava nas noites do seu ex marido, o DJ Gold. Os dois clubes ficam ao lado da White Cube, pequena e hypada galeria de arte contemporânea, que abre em muitas noites.
Os arredores de Shoreditch em Hackney também são muito movimentados. A Brick Lane Road é famosa por seu mercado de rua que rola todos os finais de semana e suas lojas vintage. É lá que acontece uma vez por ano o Brick Lane Music Festival, momento especial onde clubes e bares se juntam pra promover shows e DJs sets voltados pra rua. Ótimos artistas costumam se apresentar. Nesse ano, o destaques foram Greg Wilson, DJ Vadim e sua live band e a novíssima banda Kissy. Pertinho e integrado ao festival fica a sensacional e enorme Trumam Brevery, antiga cervejaria, que como é propriedade privada, loca espaços para clubes, bares e galerias de arte sem as burocracias das licenças municipais, o que possibilita uma grande liberdade de expressão para o local. Os destaques da área são o Vibe Bar e o Big Chill. Tudo isso acontece ao lado do famoso Spitalfields Market, onde a nova moda e o melhor da arte urbana são vendidos. Lá, ainda é possível achar originais de Banksy. Na mesma área, na Columbia Road, onde todo domingo rola o Flower Market, simpáticas lojinhas e restaurantes convivem com muitas galerias. Destaque para a Nelly and Duff, espécie de Choque Cultural deles, onde se encontra à venda arte dos brasileiros Speto, Zezão e Titi Freak.
Brick Lane Music Festival
Dj Vadim toca no placo do Vibe Bar
Praça Central da Truman Brevery
Obviamente os sinais de aumento de preço e grandes negócios acontecendo em decorrência da explosão cultural do bairro, fazem o ciclo fechar e já começa a se criar um outro fluxo migratório. Para a maioria dos entendidos, o bairro de Dalston, logo ao lado, deverá ser o próximo Shoreditch.
Quando a Vila Madalena, nossa Notting Hill, se viu invadida por grande negócios, bares estilizados, clubes de musica comercial e virou até novela da Globo, a vanguarda artística paulistana, que tinha no bairro seu grande ponto de referência, apontou para o centro. Bairros como Santa Cecília, Bela Vista, Bexiga e Consolação viraram as opções principais de moradia. O mesmo fizeram os jovens empresários, produtores culturais e promotores de festas que iniciaram negócios e projetos por lá.
O que antes era abandonado, deteriorado e esquecido, agora é moderno, hype e valorizado. Quem desce da Avenida Paulista até a Praça Roosevelt encontra uma cidade diversa, alegre e democrática. Várias galerias de arte, bares, clubes, casas de shows, restaurantes, companhias de teatro, coletivos de arte estão espalhados pela Augusta, Bela Cintra, Frei Caneca, Fernando Abuquerque, Pedro Taxi, Praça Roosevelt, Hadoock Lobo e outras ruas.
São Paulo precisa se assumir. Sua noite, cultura jovem e vanguarda artística devem ser valorizadas de uma maneira estratégica para que turistas de todo mundo venham ver o que estamos fazendo, e novos empregos e oportunidades possam ser criados nessa economia da noite e da criatividade que não para de crescer.
Podemos começar estampando as obras de Osgemeos em camisetas para serem vendidas nos camelos e nas feiras. Camisetas com pixações também fariam sucesso! E o poder público poderia deixar de financiar grandes obras inúteis como as da Cracolândia - que continua com ruas desertas e repletas de pedras – e pensar de uma maneira mais integrada com as pequenas iniciativas privadas que transformam um lugar de baixo pra cima, de forma orgânica e em parceria com a população local. O terreno dos Matarazzo poderia virar nossa Trumam Brevery, e demorou para acontecer o Baixo Agusta Music Festival, com com Studio SP, Inferno, Outs, Sarajevo, Sonique, Funhouse, Aloca, Vegas, Exquisito, Geni, Boca, Tapas, Carniceria, Volt e tantos outros abrindo as portas em uma tarde de domingo, de graça.
Incentivar pequenos negócios baseados na arte de vanguarda e no comportamento jovem é a melhor maneira de se transformar a cidade, revitalizar regiões deterioradas e buscar a valorização da verdadeira vocação cultural de grandes centros urbanos . Em São Paulo estamos vivendo isso na região do Baixo Augusta e garanto que do ponto de vista de produção cultural e agitação não devemos nada à capital inglesa. Apesar de não receber qualquer apoio ou planejamento do poder público, a área esta cada vez mais viva e aponta para um futuro muito parecido com o que aconteceu em Shoreditch e arredores. E que outras Augustas surjam no futuro!