Reter-se no passado é perder tempo, espaço e energia de um desejado fim.
Reter-se no passado é perder tempo, espaço e energia de um desejado fim. Afinal, tirando a dor do morrer, quem não tem curiosidade de saber o que vem depois?
Caro Paulo,
Estava lendo Minha breve história, do Stephen Hawking, e me identifiquei muito com a maneira dele de se relacionar com o passado, o presente e o futuro de sua vida. Zero de nostalgia. Principalmente no último capítulo, no qual ele faz um balanço do que viveu e do que não viveu nesta vida. Em momento nenhum há lamento sobre sua doença, pelo contrário, ele acredita que pode se dedicar às suas pesquisas, muito mais do que seus colegas, porque a doença o impedia de dar aulas e palestras, compromisso que seus colegas tinham com a universidade. Isto é, a doença foi um plus e não um minus. Ele é muito grato pelo fato de ter tido dois bons casamentos, três filhos bem legais, viajado muito e, de alguma forma, contribuído para a humanidade compreender o mundo em que vive.
Sincronicidade: durante o período em que lia o Hawking, acabei revendo o violentíssimo filme Match Point, do Woody Allen, que me remeteu ao mesmo tema. Tem uma hora em que o protagonista, depois de matar a amante grávida de um filho seu, se defende de sua consciência citando Sófocles: “Melhor sorte neste mundo tem aquele que nem nasceu”, algo assim, que em grego deve soar bem melhor.
O personagem não podia ter matado ninguém, muito menos o filho, mas isso não tira a razão de Sófocles. Por que não? Esta vida é bem precária, e sobreviver às condições que este planeta nos impõe é uma tarefa tão árdua que a gente fica o tempo todo procurando uma explicação, um significado, um sentido para tudo isto.
Nada deveria ser melhor do que foi, diria o cientista. Por isso nostalgia não existe numa vida que não lamenta o que deveria ter sido ou o que não devia ter acabado. A vida de quem tira o máximo dela não tem espaço para nostalgia porque se movimenta para a frente. Reter-se no passado nostalgicamente é perder tempo, espaço e energia na direção de um desejado fim. Afinal, tirando a dor cultural do morrer, quem não tem curiosidade de saber what’s next?!
BOLA PRA FRENTE
Tive muito trabalho para identificar um sentimento de nostalgia no meu coração ou em minha mente. Encontrei a saudade de uma certeza do que era certo e errado, verdade e mentira. Era tranquilo ter certeza sobre o funcionamento do mundo, mesmo que eu não estivesse muito bem dentro dele. Acho que tenho certa nostalgia dessas certezas. Mas é uma nostalgia fugaz, não dura nada porque sou muito feliz com o que ganhei duvidando de tudo, de todos, principalmente de mim mesmo. A incerteza me deixou mais desperto, aberto e esperto para lidar com a cena. E a vida ficou muito mais rica e emocionante, apesar de muito mais trabalhosa. Deve ter sido isso que a Bíblia quis dizer com a perda do Paraíso:
trocamos a inocência pela ciência e pela consciência. Nada a nostalgiar, bola pra frente que atrás vem gente.
Sincronicidade 2: estava aqui, domingão, fechando a coluna para enviar à redação da Trip quando leio o horóscopo do Quiroga para virginianos como eu: “Você só reconhecerá os bons resultados uma vez que tenha tomado a sagrada decisão de ir em frente sem ter certeza de absolutamente nada”. Melhor confiar nas estrelas, certo?
Meu abraço,
Ricardo
*Ricardo Guimarães, 65, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é @ricardo_thymus