Sem dourar a pílula

Guimarães: ”Fabricar carros foi bom para sociedade industrial e não necessariamente bom para sociedade”

Está na hora de ver a realidade como de fato ela é: fabricar carros assim como se imprimem notícias foi solução boa para a sociedade industrial e não necessariamente para a sociedade

Caro Paulo,

A experiência com bicicleta mais importante que tive na minha vida foi em 1980, quando eu trabalhava na TV Globo do Rio como responsável pelas ações de merchandising na programação da emissora. O cliente era o ministro dos Transportes, que queria sensibilizar os municípios e os Estados a comprarem um programa de ciclovias do ministério. Foi legal porque a causa era legal, não pelo cliente, que era aquela escrotidão da ditadura.

Esse trabalho me ensinou a importância econômica e social da bicicleta, mas, mais que isso, me ensinou que qualquer mídia tem uma responsabilidade enorme pelo estilo de vida do povo, principalmente num país em que a educação é ruim e o povo, mal ilustrado como o nosso.

É constrangedor cobrar da mídia algo que a minha revista Trip e meu cliente Globo (embora não sejam os únicos) fazem bemfeito, mas, nessa altura da vida, dane-se o constrangimento.

Acho sim que não importa se o compromisso editorial é político, econômico, esportivo, de entretenimento, social ou de tecnologia, existem sim uma identidade e uma ideologia que estão expressas na pauta, no tratamento da pauta, na política comercial, na gestão dos recursos, em tudo que o veículo faz e que influencia a audiência.

E, tem mais, acredito que é essa identidade que vai determinar o bom futuro dessas mídias na sociedade em rede. Porque a gente que é leitor vai se ligar não na notícia em si – que vai chegar de graça e no tempo real – mas na maneira de ver e levar a notícia, o que implica uma visão de mundo, uma ideologia, um ponto de vista que merecem ser remunerados porque me orientam neste mundo maluco e poluído com excesso de fatos e fotos sabe Deus de que origem.

Bom pra todos
Simples assim: se bicicleta é uma boa ideia para o jornalista como indivíduo e cidadão, se é bom para a empresa de mídia em que ele trabalha, se é bom para a economia e para o meio ambiente, se é bom para a sociedade, porque as mídias não se engajam num esforço para mudança de hábitos e de política de transporte da cidade? O que estão esperando para entrar no século 21?

Vamos combinar que a prática débil e cínica de certas virtudes no século 20 – imparcialidade, respeito à diversidade, isenção de interesse comercial etc. – nos levou a um vácuo moral e científico permitindo que um monte de parasitas oportunistas com seus interesses ocupassem o espaço dos bons modos, das boas ideias e da eficiência? Vamos assumir o poder da interação e mobilizar a sociedade para fazer o que faz sentido? De um jeito simples, pessoal, leve, direto e econômico como a ideia da bicicleta propõe?

 

Está na hora de ver a realidade como de fato ela é: fabricar carros assim como se imprimem notícias foi solução boa para a sociedade industrial e não necessariamente para a sociedade em rede. Por isso o pessoal de inovação da Toyota está focando a mobilidade do trânsito e não mais o carro em si! Sim, uma montadora preocupada com o trânsito! Novos tempos. Tempos de bicicleta. Bicicleta Toyota?

Abraço do amigo,

Ricardo

*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus

 

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