Desde as últimas edições da Copa do Mundo, já não me animo como antes

Desde as últimas edições da Copa do Mundo, já não me animo como antes. Mudei eu? Mudou o futebol? Mudou o mundo? Um pouco de cada coisa

Você está eufórico com a Copa do Mundo? Eu não. A primeira Copa de que me lembro foi a de 1970. Apesar de pequeno e de entender muito pouco de futebol, a aura daquele time contaminou todo mundo, eu incluído. Ganhei uma camisa com o número 7, a de Jairzinho, e, embora já naquele tempo eu demonstrasse toda a falta de talento para o futebol que me acompanharia para sempre, eu me sentia, batendo bola sozinho, contra o muro de casa, um craque. Me lembro do fácil jogo contra o Peru (4 x 2), do sofrido jogo contra a Inglaterra (1 x 0) e, principalmente, da final contra a Itália. Continuei acompanhando as Copas seguintes, algumas mais empolgantes, outras menos. Mas, desde as últimas edições, já não me animo como antes.

Mudei eu? Mudou o futebol? Mudou o mundo? Um pouco de cada coisa. Me parece que a parte comercial no futebol cresceu de maneira absurda, com valores pornográficos envolvidos em contratos, salários e patrocínios. Um jogador em 1970 ganhava muito pouco, o que era evidentemente errado. Mas faz sentido, hoje, uma celebridade do futebol receber salário equivalente ao de centenas, talvez milhares, de professores? O marketing, que até certo ponto ajudou o esporte (e não só o futebol) a se desenvolver e se profissionalizar, passou a ser o fim, e não o meio. Nem tudo, porém, é culpa do futebol: eu também fiquei mais velho e interessado em outras coisas; mas o fato é que a soma dos fatores faz com que uma Copa do Mundo, hoje, já não me empolgue como antes. E, para piorar, há a questão de fazermos a Copa no Brasil.

Fui contra a Copa no Brasil (e a Olimpíada no Rio) desde o começo. Detestei aquela onda de ufanismo de um determinado momento do governo Lula. Aquela história de o Brasil estar chique, de emprestar dinheiro para o FMI, de mostrar para o tio Sam a nossa batucada. Envaidecido com os elogios que vinham de fora, o governo, que, é verdade, fazia um bom trabalho na distribuição de renda e na redução da miséria, deixava muito a desejar na agenda das reformas política e tributária e nos investimentos em infraestrutura, que saíam lindos nos discursos e nos slides. Aquilo tudo me lembrava uma antiga frase de Delfim Netto: “Se me deixarem fazer um gráfico, eu provo o que vocês quiserem”. Era o que o governo fazia com os investimentos em infraestrutura: “Se me deixarem criar uma apresentação em Powerpoint, eu construo o que vocês quiserem”. Não estou falando novidade nenhuma quando lembro que são infinitas as nossas carências estruturais (educação, saúde, segurança, meio ambiente etc.) e infraestruturais (estradas, portos, aeroportos, saneamento, água, energia elétrica etc.).

PIPOCA E CERVEJA

Nem mesmo naquilo que a Copa exigia como investimentos urgentes ela trouxe benefícios significativos (no transporte urbano, por exemplo). E a simples verdade é que não precisávamos da Copa. Faz sentido, por exemplo, erguer um estádio para 68 mil pessoas em Brasília, cidade que não tem um único time importante? E depois, nos últimos anos e meses, foi a experiência deprimente de ficar assistindo aos atrasos de cronograma, às broncas da Fifa e (algo muito previsível) às contas das obras irem extrapolando os orçamentos, com o Estado colocando dinheiro em canteiros que seriam, pelo que foi combinado, inteiramente bancados pela iniciativa privada. As denúncias de superfaturamento em obras da Copa, você pode apostar, nos acompanharão por anos.

Mas, ainda que aos trancos e barrancos, a Copa está aí. E não concordo com a ideia de ir para as ruas, agora, protestar contra ela. Essa hora passou. Por que as pessoas não protestaram lá atrás, quando o Brasil se candidatou? Naqueles dias de “com o brasileiro, não há quem possa”? Agora, me desculpem, ficou tarde. Agora é hora de assistir e torcer. É o que eu vou fazer. Estourando pipoca e tomando cerveja, porque ninguém é de ferro. Mas sem chegar ao ponto de soltar rojão e tocar corneta.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador, editor e autor do romance A vida nas montanhas. Seu e-mail é andre.aubert@hotmail.com

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