por Paulo Lima
Trip #200

Nesta edição tentamos entender qual é a melhor maneira de pensar sobre maconha no nosso país

Engraçado ver o efeito do tempo. Implacável e transformador quase sempre. Impotente diante de algumas coisas. O ano era 2001, mês de setembro... Bin Laden estava bem vivo. Tinha acabado de explodir as torres em Nova York. Fernando Henrique Cardoso era o presidente por aqui e parecia mais preocupado com o iminente fim de seu segundo mandato do que com questões "menores" e "complicadas do ponto de vista eleitoral" como as políticas nacionais sobre drogas e a maconha. Por seu turno, poucos meses antes, uma das mais respeitadas revistas do mundo, a The Economist, dava capa ao tema, defendendo expressamente a urgência da revisão e da liberação de todas as drogas, diante do absoluto fracasso das outras opções, em especial da política internacional de repressão a usuários e traficantes. Uma revista menos famosa fazia sua parte do lado de cá do equador. Falamos desta mesma Trip, que então ainda adolescente, com seus 15 anos recém-completados, dedicava 16 páginas a um caderno completo contendo trabalho extenso e deliciosamente pretensioso sobre um assunto que parecia merecer o carimbo de "urgente urgentíssimo": a revisão da legislação brasileira sobre drogas e a descriminação da maconha, posicionando-se com toda a clareza a favor das duas coisas.

Dez anos depois o país é outro, deu vigorosos passos na direção do desenvolvimento, tornou-se infinitamente mais respeitado de acordo com dezenas de quesitos e indicadores, afirmou-se como uma nação mais madura e capaz, ganhou respeito dentro e fora de suas fronteiras e musculatura mais robusta. Mas paradoxalmente, com relação às drogas e à maconha em especial, continua mergulhado numa nuvem estupefaciente de hipocrisia da pura. E, assim, aqui estamos novamente, dedicando não mais um caderno especial, mas uma edição inteira ao mesmíssimo tema. Bin Laden morreu, alguns dos personagens das nossas enquetes e reportagens de então também.

Outros aparentemente ficaram mais vivos, como parece ser o caso de FHC, que, antes tarde do que nunca, foi à luta para tirar o atraso e usar sua reputação e sua notável rede de relacionamentos na tentativa de oferecer elementos para que o país que governou por oito anos possa finalmente ganhar consciência mais equilibrada e clara sobre o problema, através do fundamental debate de que foi privado durante seu mandato.

E é essa exatamente a nossa intenção. Contribuir para que a reflexão inteligente e equilibrada frutifique e para que a planta que segundo fontes confiáveis responde tristemente por 80% do negócio do tráfico no mundo e que é utilizada por milhões de pessoas no Brasil e em boa parte da Terra seja regulamentada a partir de critérios amplos e aprofundados. Não apenas abordando os aspectos jurídicos da despenalização e da descriminação, mas indo além, planejando e legislando de forma madura e contemporânea sobre todos os pontos relativos a cultivo, uso e acesso, lançando mão do bom-senso, única arma capaz de afastar da sociedade o cinismo, a corrupção, a violência e as outras apresentações e formas da ignorância.

Ouvimos, novamente, representantes de todos os lados e vertentes da sociedade sobre o assunto, para concluir o que nosso colunista Ricardo Guimarães já bradava nestas mesmas páginas em setembro de 2001: a bandeira não é a da maconha, mas a da consciência, algo cada vez mais necessário para que todo esse poder colocado em nossas mãos, seja do dinheiro, da tecnologia, da força política, da energia nuclear ou das drogas, não destrua nossas cabeças, nossas relações e nosso planeta.


Paulo Anis Lima, editor

PS Se você não se lembra dos detalhes deste nobilíssimo caderno lançado pela Trip em 2001, graças às tecnologias que ainda eram embriões àquela altura, basta clicar http://is.gd/fi6ZPc para reler o trabalho executado brilhantemente por uma equipe que, não por acaso, está hoje dstribuindo seu talento no comando de vários e importantes veículos de comunicação pelo país. Giuliano Cedroni, Ivan Marsiglia, Ronaldo Bressane, Jorge Colombo, Phydia de Athayde, André Viana, Fernando Costa Netto, Erica Gonsales, Moacyr Vieira Martins, Endrigo Chiri, Elisa Biagi e outras figuras igualmente competentes.

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