Esse era o nome do programa de bangue-bangue na TV. Na prisão, a história era bem outra
Era segunda, e estávamos na sala dos professores no quarto andar do Pavilhão 6, na extinta Casa de Detenção de São Paulo. Éramos 21 presos-professores, mais um coordenador, o diretor de educação e o guarda da escola. Foi quando o faxineiro do setor, de olhos assustados, anunciou: companheiros armados de facas haviam tomado o pavilhão em que estávamos. Os guardas dos andares abaixo já haviam sido dominados e as portas foram bloqueadas com bujões de gás e móveis. A tragédia se desenhava.
Cidão, que nos coordenava pela Funap (Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel de Amparo ao Preso), era nosso amigo. Escondemos então ele e o pessoal da escola numa sala com tranca por dentro. Os sequestradores subiram em busca de reféns. Enquanto isso, grupos armados de porretes e barras de ferro destruíam tudo. Queriam tomar o pessoal que havíamos guardado. Foi mais de hora de conversa para convencê-los a deixá-los ali. Não ficaram muito convencidos. Saíram ameaçando que, se as negociações se complicassem, voltariam.
Dissemos que não só não levariam nossos amigos, como também não destruiriam a escola. Para segurar a decisão, saímos em busca de armas. Sabíamos de uma coleção de facas que a direção sempre exibia para a imprensa quando tinha rebelião, como se tivessem apreendido. Numa sala da diretoria as encontramos e também drogas e duas pets com "maria-louca". Negociamos com os companheiros rebelados. As drogas ficaram com eles. Subimos com o feixe de facas e a bebida.
Conhecíamos os sequestradores. A maioria era noia, comprava crack fiado e não tinha como pagar. A Segunda sem lei existia para esses acertos de contas. Não pagou, morreu. Vários eram assassinados semanalmente. Os matadores eram eles mesmos. Outros apostavam nas rebeliões, para trocar reféns pela promessa de transferência para outra prisão. O perigo era enorme, era gente que não tinha nada a perder, seriam mortos se ficassem.
Miras a laser
Armados e agitados pelo álcool, aguardamos os acontecimentos e tranquilizamos nossos "hóspedes" – mas deixamos implícito que, caso a polícia subisse atirando, eles seriam nossos escudos.
As horas passavam e a tensão subia. Os rebelados olhavam, ameaçadores, mas não invadiam. Eles, os noias, eram desqualificados na estratificação social dali. E nós éramos os professores. Levávamos no peito e na coragem uma escola com 900 alunos. Enfrentávamos salas cheias de bandidos e assassinos todos os dias. Tinha que ter moral e conceito na prisão. Mas eles estavam ficando desesperados. Rondavam, com facas enormes.
Miras a laser de atiradores de elite varriam a prisão. Helicópteros faziam barulho em voos rasantes. Água e luz foram cortadas. A tensão excedia, decisões estavam sendo tomadas, nossas vidas estavam nas mãos de outros. A angústia virou agonia. A qualquer momento alguém podia perder o controle e a desgraça estaria feita. O massacre dos 111 presos estava fresco em nossa mente, acontecera ali mesmo. O fantasma dos PMs entrando e dando tiros em tudo que se movesse era o trauma geral.
De repente o batalhão de choque ameaçou entrar. Os sequestradores correram para cima com os reféns. Pensamos que fossem invadir a escola. Os amigos professores, de facas nas mãos, aguardavam tensos. Foi quando um dos noias jogou gasolina nos bujões de gás e, com um isqueiro, ameaçou pôr fogo em tudo, fazendo o choque recuar. Então chegou o coordenador da Coesp (Coordenadoria dos Estabelecimentos Penais do Estado), Lorival Gomes, hoje secretário dos assuntos penitenciários. Em poucos minutos inteirou-se da situação e resolveu tudo.
Os noias foram removidos para alguma penitenciária no interior do Estado. O local foi liberado e pudemos voltar aos pavilhões de origem. Dia seguinte voltamos com as aulas, como se nada tivesse acontecido. Aquela era a rotina da prisão.
*Luiz Alberto Mendes, 56, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e 10 meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com