As tardes de sábado não são mais tão inocentes assim. Conheça a matinê Bubba
Há tempos que menores de idade começam a vida sexual tentando a sorte em matinês. Mas esta é a primeira geração de adolescentes que pode sair do armário em uma festa só deles. Conheça uma molecada que quebra os limites do preconceito – e dos datados rótulos GLS – em inocentes tardes de sábado
Cinco da tarde na Bubba é correspondente às 11 da noite do mundo dos maiores de idade. A música eletrônica já retumba em alto volume, os dois pequenos pódios ao lado da cabine do DJ estavam ocupados por jovens anônimos, empolgados e interessados em chamar a atenção dos poucos povoando a pista, ainda longe de estar recheada com as quase mil pessoas que logo vão entrar. Por enquanto, bombada mesmo está a fila. Mesmo debaixo de chuva, a molecada se aglomera do lado de fora, ignorando a lei e suas tenras idades enquanto bebem algum álcool que trouxeram consigo antes de entrar. Porque dentro do Open Bar Club, no bairro de Pinheiros, nada de cerveja, vodca ou qualquer birita. Apenas copos de refrigerante e latas de energético que são disputadas a tapa pelos jovens ávidos por turbinar um pouco os ânimos pelas próximas horas. Porque depois das sete, advertem, é quando a coisa acontece.
É por conta da internet que tantos adolescentes cheios de dúvidas e hormônios podem encontrar seus iguais e sair do armário antes da maioridade
Pessoas que gostam de pessoas
As festas Bubba começaram em 2007, quando Rafael Calumby, 23, percebeu que os adolescentes “alternativos” (leia-se gays, lésbicas e quem, como Nicole, gosta de pessoas) não tinham balada para ir nos fins de semana. Frequentador de matinês de rock em São Paulo, decidiu criar uma festa mais específica para que esse volumoso, e deslocado, grupo se sentisse em casa. Sem muita consciência de que estava rompendo uma barreira, um limite não declarado da homossexualidade pública, criou a primeira balada GLS voltada a menores de idade. E que hoje rompe também as fronteiras municipais e se torna uma franquia: o circuito tem filiais no litoral paulista, em Campinas e estreia suas tardes de refrigerante, energético e diversidade sexual em São José dos Campos em 2011. “Nós não tínhamos uma balada nossa. Nossa turma acabava se encontrando em outras matinês domingueiras. Mas a galera não era bem recebida, principalmente os mais afetados”, abre o jogo um estudante de direito.
Na fila, na pista e nos corredores que vão enchendo depressa, muitos estão vestidos de maneira extravagante, com cabelos que não denunciam se o jovem é menino ou menina. Na verdade, isso parece não importar muito ali dentro, mas esse é o principal motivo de se sentirem discriminados na rua. Marcelo Vilela, 16, um dos organizadores da mais nova filial em São José dos Campos, diz que “muita gente apanha dos skinheads na Augusta”, citando um dos points preferidos dos teens GLS às sextas-feiras. Daniel afasta a franja dos olhos e confessa, constrangido: “Me olham torto por aí”.
Me add no Orkut
Mas, se a rua ainda transpira homofobia, o mundo dos adolescentes está mudando. E depressa. A própria existência da Bubba é prova disso, assim como os depoimentos de tantos pela festa que não reclamam da discriminação na escola. Stephanie já levou colegas de sala héteros à Bubbaloo. E conta que eles “respeitaram”, apesar de “não ser muito a deles”. Luana é chamada de “emo da sétima” na escola. Culpa talvez dos cabelos descoloridos e da franja atravessada na testa. A respeito dos pais, a mesma divisão.
Alguns chegam a dizer que a família sabe e não tem problemas com isso. Outra garota, de 14 anos, não tem tanta sorte: “Minha mãe me interna se sabe o que eu faço aqui. Ela pensa que estou comprando vestido para um festa de 15 anos”, confessa. “Acho que a minha mãe sabe, mas eu nunca disse nada para ela”, assume um rapaz de 15.
O que fariam todos eles se não estivessem ali, prestes a se acabar na pista abarrotada e agora, já às 19h30, adornada por dois go-go boys musculosos de calça apertada e short? Resposta quase unânime: em casa, no Twitter, Facebook ou Orkut. Não por acaso, Calumby declara que a Bubba não imprime flyers. A base da festa está na internet, da divulgação ao modo como o staff é recrutado.
Ainda assim, há héteros circulando. Vestidos como seus outros colegas eles se dizem tolerantes e fazem parte da “família Bubba”, definição favorita dos habitués para eles mesmos. Um dos DJs da noite, Lucas Guillen, 19 anos, é frequentador desde os 16. Começou a discotecar e se especializou em tocar funk carioca ao pôr do sol. “Aqui a galera é diferente, não acha as diferenças anormais.”
Residente desde o começo, Alexandre Donizete de Souza, o DJ Alex Mix, faz questão de frisar que não é gay, mas se derrete pelo público 20 anos mais novo: “Toco em festas de faculdades, mas eles não dão tanto valor como aqui”, diz. “Aqui são todos muito carinhosos, me tratam muito bem.” Enquanto toca, distribui pirulitos e atiça a pista falando ao microfone: “Quem é veado põe a mão pra cima”. É prontamente atendido, num uníssono de gritinhos e braços erguidos.
Meninas beijam meninas. Meninos com cara de menina beijam meninos. E meninas. Uma roda de três se forma na pista e não dá mais para saber quem está com quem
Open Coca-Cola
São quase oito da noite e a cena impressiona. Meninas beijam meninas. Meninos com cara de menina beijam meninos. E meninas. Uma roda de três garotos se forma na pista e não dá mais para saber quem está com quem. Não há paredes disponíveis. A Coca-Cola rola solta no camarote e o fumódromo no terceiro andar já acomoda alguns casais mais empolgados.
A geração Bubba não precisa de álcool para ficar soltinha na noitada que termina por volta das 22 h. Uma vistoria pela festa e o diagnóstico é claro: esses adolescentes sabem se divertir. Cada vez mais cheia, a pista fica quente tanto na temperatura como na ousadia. Mãos começam a circular pelo corpo dos go-go boys, que afastam o ímpeto juvenil da região da virilha, deixando as costas e as coxas como território livre. Esparsas garotas tiram a blusa e ficam de sutiã. Há cada vez mais casais pelos cantos. O eletrônico explode nas caixas de som, fazendo pular os pés em tênis All-Star, Nike e os saltos altos, todos muito coloridos.
Mas o relógio não perdoa, e os garotos e garotas precisam voltar pra casa. E a incompreensão, sempre ela, está do lado de fora do Open Bar Club, no começo de noite que começa a agitar Pinheiros e Vila Madelena enquanto os teens escoam para fora da Babbaloo. Duas garotas, exaustas da festa, caminham em direção a um ponto de ônibus num abraço que não explicita se são amigas ou algo mais. Cruzam com dois homens, na casa dos 30, que erram o alvo e soltam o preconceituoso – e já anacrônico – comentário: “Agora emo também é bicha?”.
Enrusteen
Jovens adultos, e homossexuais, contam como era ser adolescente há poucos anos em São Paulo. E como invejam a geração Bubba
Fabiano Medeiros tem 31 anos. É arquiteto e urbanista. Nascido e criado no Alto da Lapa, São Paulo
Ser adolescente não é fácil para ninguém. Ser adolescente e gay há 15 anos era muito complicado. Não pela falta de baladas para paquerar, mas por você ter que manter sua sexualidade em segredo. Ninguém respeitava, nem aceitava, a situação. Minha família, que sabia do fato, pedia para eu manter sigilo, e meus poucos amigos, único apoio que tive na época, me ajudavam dando conselhos, me ouvindo, sendo confidentes. As paqueras eram raras, mesmo sabendo que havia outros gays no colégio. Nada era declarado, o clima era de isolamento. Afinal ninguém podia saber seu “segredo terrível”.
Naquela época já existiam algumas baladas gays, mas eram malvistas. Uma vez passei de carro com colegas do colégio em frente a um bar gay na Consolação e ouvi de uma das meninas: “Só tem homem, credo! Podiam metralhar todos...”.
Pouco tempo depois ganhei meu primeiro PC, aí as coisas melhoraram. Meus primeiros encontros com outros caras foram através do bate-papo na internet. Não tinha MSN com foto... câmera então era um sonho. Tudo que você podia fazer era descrever a roupa que estaria usando, pegava algumas informações do pretendente e torcia para alguém aparecer. Tive alguns encontros, mas nada que me rendesse amigos gays para ter uma turma e pudesse, dessa forma, me dar segurança para enfrentar a sociedade.
As coisas só mudaram mesmo no fim da minha adolescência, fim dos anos 90, quando entrei na faculdade e consegui fazer amigos gays. Aí começamos a frequentar algumas baladas, mesmo mentindo às vezes para os pais. Nessa época começaram a aparecer mais opções para o público gay e desde então tudo só vem melhorando.
Leka Peres, paulistana, 25 anos, é jornalista
Nos idos de 2002 até 2004 eu frequentei algumas baladas gays masculinas (Ultra Lounge, So Go e The Week) onde o público gay podia ficar à vontade. Para entrar eu usava a identidade da minha irmã mais velha. Matinês já não estavam em alta, e como eu ia paquerar pessoas mais novas aos 16 anos?
A primeira vez que fui a uma balada gay para meninas foi em 2006 no famigerado Chá com Bolachas. Foi a grande noite lésbica. Em 2009 a festa acabou, e me senti órfã. Era como se aquelas meninas ali tivessem descoberto a homossexualidade comigo. Parecia que todo mundo virou gay junto.
Foi aí que veio, com três amigos, a ideia de fazer uma nova festa para meninas. Surgiu a Ouioui, que está até hoje no Clube Glória, uma noite em que as meninas podem se sentir à vontade e levar os amigos. Mas nosso público é maior de 18 anos (a não ser que alguém roube o RG da irmã...). Parece mentira, mas em cinco anos São Paulo se tornou uma cidade muito mais aberta.
Hoje são as redes sociais que ajudam os homossexuais a se expressarem de forma mais aberta. A galera teen hoje vive com muito mais acesso e sem muitos preconceitos. Na verdade eu adoraria ter 14, 15 anos e poder paquerar as meninas da minha idade sem problemas. E ter meu pai esperando no horário estipulado para dormir cedo e acordar para a aula de história no outro dia. A molecada de hoje tem muita sorte. Tá aí... tenho um pouco de inveja.