por Luiz Filipe Tavares

Fotógrafa constrói o próprio equipamento e viaja para o Polo Norte para clicar os ventos

Para Letícia Ramos, artista gaúcha radicada em São Paulo, fotografia vai além de registrar um momento. A caminho de uma expedição para o Polo Norte ao lado de artistas e cientistas, ela recebeu a reportagem da Trip em seu ateliê/oficina, na Vila Madalena, onde mostrou os caminhos do Projeto Bitacora e de seu trabalho como engenheira de câmeras.

Aos 34 anos de idade, ex-estudante de Arquitetura pela UFRGS e formada em cinema pela USP, Letícia começou a fotografar espéctros eletromagnéticos desde sua chegada a São Paulo, em um projeto que chamou de Estação Rádio-Base Fotográfica. Na faculdade de Arquitetura, aprendeu os conceitos de desenho técnico que permitiram que ela projetasse seu próprio equipamento, tornando cada trabalho único e inimitável com qualquer outra câmera. Agora, encara o desafio de fotografar os ventos e outros fenômenos naturais do isolado e longínquo polo do hemisfério norte.

"Eu comecei meu projeto de conclusão do curso de cinema também construindo uma câmera. Eu parti de hipóteses não comprovadas da física e construí um equipamento para tentar captar os espéctros eletromagnético das torres de transmissão de sinal de celular", contou a artista enquanto mostrava seu ateliê. "Isso me levou a pesquisar com física quântica e suspensão temporal. Daí veio esse formato de utilizar uma câmera com várias aberturas para que o equipamento fotografasse o objeto em momentos diferentes, mas ao mesmeo tempo, assim criando um movimento. Além disso, eu não usei nenhuma lente. Então construí a câmera toda no formato pinhole, captando a luz direto para o filme, sem auxílio de lentes."

"O que me levou a esse novo projeto foi encontrar relatos de cientistas que foram ao Polo Norte no início do século XX. Comecei a me interessar por projetos que visavam fotografar os ventos. A questão é como seria possível representar esse movimento, que sentimos mas não vemos. Assim eu me deparei com a escala de Beaufort, que mede a intensidade dos ventos", explica Letícia. "O que me interessava nela é que a descrição dos ventos era uma coisa muito poética, não era nada objetiva. Então comecei a pesquisar mais sobre isso até descobrir o Mar de Beaufort, que é no Polo. Nesse tempo, surgiu a oportunidade de fazer essa residência e poder ir na expedição ao Polo Norte. Foi aí que defini meu projeto: redefinir essa escala de Beaufort através de minha percepção, construindo um equipamento exclusivamente para isso."

A expedição

Mantido pela Farm Foundation de Nova York, a expedição The Arctic Circle reúne anualmente entre 16 e 20 pesquisadores, separados entre artistas e cientistas, para uma viagem de um mês pelo infinito gelado do oceano Ártico. Incluindo biólogos, físicos, matemáticos, escultores, músicos, dramaturgos, cineastas, fotógrafos, poetas, escritores, animadores, arquitetos e educadores, o plural projeto do Polo Norte visa integrar artistas de diferentes áreas e permitir a estes uma experiência única de viagem e inspiração pela mais inóspita região geográfica do planeta.

"A gente parte agora no mês de setembro para o Polo Norte. O roteiro de viagem só é feito uns dias antes, porque estamos falando de um lugar onde só tem mar. Depende muito das condições climáticas e de como se movimenta o gelo na época da viagem. Hoje, com o Polo Norte derretendo, é possível que a gente consiga chegar bem perto do polo magnético em si", comentou Letícia, explicando os rumos de sua pesquisa no gelo. "Lá eu também quero trabalhar de uma forma próxima à que os primeiros cientistas usavam quando chegaram lá. As câmeras que eles usavam, o produto fotográfico, trabalhar com mapas do lugar e entender a situação geopolítica. Tudo isso faz parte da minha pesquisa."

Para ter liberdade para trabalhar no convés de um navio, Letícia optou por revelar suas fotos em sistema Polaroid, uma opção mais prática aos enormes e delicados negativos de vidro dos primeiros exploradores polares. "Assim eu evito a câmera escura, evito ter de revelar negativos em condições ruins, posso trabalhar com resultados que chegam perto dos que conseguiria com negativo de vidro e também porque é uma forma eficaz de eu poder ver as imagens", explica.

Meio câmera, meio Frankstein

A câmera que você vê na foto ao lado tem cerca de 80 cm de comprimento. A largura varia com a abertura do fole para definir distância focal. A câmera foi toda construída em madeira e receberá acabamento de acrílico, tudo isso feito de forma artesanal. As lentes e as gavetas da Polaroid foram tiradas de câmeras antigas e o processo de construção levou cerca de 3 meses, isso entre a prancheta de projeto e o produto acabado. 

O projeto ousado foi todo baseado nos desenhos dos primeiros submarinos, descobertos por Letícia durante a sua pesquisa. A inspiração levou à construção do chassi quase naval da câmera, todo em madeira como os primeiros barcos que tentaram atravessar o gelo polar nas expedições pioneiras. "Eu poderia ter feito uma coisa de titânio, super leve, resistente. Mas eu queria fazer eu mesma, com materiais e técnicas que se aproximavam dessa época das primeiras explorações", revela.

Na galeria abaixo você explora o ateliê-oficina de Letícia e também vê alguns detalhes sobre a pesquisa polar dessa multi-artista brasileira. Para conhecer mais de perto o seu trabalho de pesquisa, veja o livro-projeto da construção da câmera clicando aqui.

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