Relaxe, grão de poeira

O mais provável é que o Cosmos não esteja nem aí pra você, então desacelere e curta a vida

Você sente que as coisas estão se acelerando, que não tem tempo para mais nada, que não consegue conciliar trabalho, lazer, estudo, família. Os dias parecem cada vez mais curtos, os meses e os anos passam voando. Você percebe, desnorteado, que o tempo escorre entre seus dedos, mais e mais depressa, que a vida está indo embora. Você está angustiado, mas pelo menos não está sozinho. Você já ouviu que a culpa é do capitalismo, da sociedade de consumo, que obriga as pessoas a produzir cada vez mais em menos tempo e as incita a consumir mais e mais, sem parar, mesmo nos horários e lugares em que só deveria haver repouso, convívio humano, abertura à espiritualidade? Um capitalismo globalizado e hiperconsumista que mantém você conectado o tempo todo, que o vicia no Twitter, no Facebook, que o leva a responder e-mails até de dentro da banheira do motel? Sim, a aceleração é real, mas a explicação.

Eis a verdade: a Terra está girando mais rapidamente em torno de seu eixo imaginário, as partículas subatômicas estão vibrando de forma mais acelerada e, assim, o dia, que pensamos ter 24 horas, tem na verdade 13 horas e 12 minutos. O tempo vem encolhendo desde 1971 e está ocorrendo um aumento na pulsação do planeta, que se aproxima dos 11 ciclos por segundo, depois de ter permanecido entre sete e oito ciclos durante décadas. Quando a pulsação chegar a 13 ciclos, sabemos, a Terra parará de girar por dois ou três dias e, depois disso, passará a girar para o lado oposto. Isso, é óbvio, significará o advento da quarta dimensão, uma nova era de luz para a humanidade, quando poderemos ir muito além do dinheiro e do tempo, e desaparecerão todos os valores baseados no medo. Você entendeu? Se não, ou se quiser mais detalhes, basta procurar o centro esotérico mais próximo de sua casa, onde algum sujeito muito pálido, vegetariano e com leve sotaque de país vizinho, num ambiente aconchegante, entre incensos e cristais energéticos, terá o maior prazer em explicar essas coisas, podendo indicar também cursos e livros sobre o tema.

Júpiter decide seu humor
Agora, falando sério: o que é comum a todas as visões mágico-religiosas do mundo é a decidida recusa humana em admitir que somos insignificantes, que a vida um dia acaba etc. É a diferença básica entre a astrologia e a astronomia. Enquanto a primeira coloca o universo inteiro orbitando em torno de você, com o alinhamento de Júpiter e Marte decidindo seu humor, sucesso profissional e vida amorosa, a segunda põe você no seu devido lugar, numa periferia de poeira cósmica absolutamente desprezível, tanto em termo de espaço quanto de tempo. É muito melhor, não há dúvida, ter o universo girando em torno de nós e para nós. Imaginar que há algum deus cuidando de você e que os 13,7 bilhões de anos do universo, os 4,5 bilhões de anos do Sol e os 200 mil anos de Homo sapiens aconteceram unicamente para que você, hoje, existisse. O problema é que, se você pensar um pouquinho, se estudar um pouquinho que seja, isso não vai colar.

Você vai ter que assumir que as coisas estão aceleradas porque nós estamos fazendo isso, que estamos cada vez mais conectados e somos mais multitarefa, e que isso, afinal de contas, não é necessariamente ruim, desde que preservemos a capacidade de às vezes diminuir o ritmo, de conseguir fruir uma paisagem, uma conversa ou um livro, sem pressa e sem interrupções externas. E também não é ruim dar-se conta da nossa relativa insignificância cósmica, pois isso não diminui o privilégio de estar vivo, aliás muito pelo contrário. Parafraseando aquela campanha ateísta que andou circulando nos ônibus londrinos, poderíamos dizer: “O mais provável é que o Cosmos não esteja nem aí pra você, então desacelere, relaxe e curta a vida”.

*André Caramuru Aubert, 47, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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