Recuperação: verdade ou lenda?
Talvez essa seja a época de eu responder a essa pergunta, já que amanhã vai fazer 10 anos que sai da prisão, depois de cumprir mais de 31 anos de pena. A recuperação do homem aprisionado é uma possibilidade ou um mito? Isso levando-se em conta os índices de reincidência em São Paulo, Estado tido e havido como motor do país, que é de 75%. De cada quatro que saem, apenas um fica, os outros três retornam à prisão. Caso morra ou seja morto esse que fica, não sobrou ninguém. O preso esta condenado a voltar para a prisão antes mesmo de sair. Venho escrevendo e afirmando que isso é uma tragédia social, mas inutilmente; parece que ninguém me ouve. Tudo continua piorando no sistema prisional do Estado.
Reduzem-me ao fato de eu haver estado preso há dez anos atrás, para eliminar o sentido de tudo o que digo a respeito. É como se eu não tivesse moral de falar porque estive preso. Quem tem moral então? Essas pessoas que agridem na televisão e no rádio, em programas pseudo policiais, realimentanto a violência social? As informações que transmitem são de 3ª ou 4ª mãos ou ainda invenções desses jornalistas para dar “vida” a tais “noticiários”. Fala-se em corrupção dos políticos, dos administradores, mas uma das profissões que mais se degradou nos ultimos tempos foi a de jornalista. Ou então, quem sabe, os tais “cientistas” sociais de cima de seus conhecimentos acadêmicos que de pouco ou nada valem diante da realidade prisional atual.
A recuperação do homem aprisionado para o convívio social não é nem uma possibilidade; é uma realidade. E eu provo isso sem sequer falar de minha própria história. Marcio Marcelo Sena, antigamente o “Pantera”, cumpriu largos anos de prisão e ao sair, criou o site Beco dos Poetas que hoje é editora, sarau, oficina e tem milhares de seguidores. Eu o conheci como meu aluno no Telecurso de 1º grau do Pavilhão 8 da extinta Casa de Detenção. Depois como professor e trabalhando comigo quando assumi a escola da referida prisão. Aqueles que trilharam os mesmos caminhos meus, acabaram por se darem bem. Há também o caso do Monarca (“Magestade”, no filme Carandirú), que cumpriu a pena máxima do país (30 anos) e esta disputando com a garotada vender garrafas de água no semáforo.
Parece que somente aqueles que são radicais têm a força para superar a cultura criminal que se desenvolve nas prisões. Por mais frágeis, fracos e limitados; por mais baixo desçamos, por pior nos façamos, sempre somos capazes de nos recuperar. Estive preso desde a adolescência pela minha impulsividade, pela dificuldade que tinha de pensar antes de fazer, pela necessidade imensa de agradar pessoas (carência profunda) e o próprio desconhecimento ético e moral. Consegui cavar oportunidades e as joguei fora, eu ainda estava seduzido pela cultura criminal reinante nas prisões. Mas não desisti, prossegui na luta, agora tentando viabilizar o que sempre me faltara. Quando sai definitivamente, eu já conquistara na prisão, dois fatores extremamente importantes na recuperação de um homem: profissão e trabalho. Não há segredos. Apenas prossegui escrevendo, lendo e estudando como já fazia na prisão.
Claro, existem os psicopatas. Existe uma porcentagem de pessoas que já nascem com essa anomalia. Eles nem têm consciência da doença que os afeta. É óbvio que na prisão exista mais pessoas assim adoecidas. E essas pessoas precisam é de tratamento psiquiátrico e não de prisão para ficarem mais loucas ainda.
O homem é sim recuperável, mas é preciso respaldo, apoio sério e contínuo. É preciso que toda sociedade se empenhe em resgatar pessoas aprisionadas. É uma questão de políticas públicas e privadas. Sozinhos, poucas chances temos de sucesso em qualquer situação. É preciso que reflitamos muito para não afirmarmos o que desconhecemos porque os outros dizem. Todo dado deve ser questionado. Não podemos mais permitir que a paixão cega possa embotoar nossos raciocínios. Essa atitude pode nos prejudicar a todos, inclusive nossos filhos e netos, no futuro. Não há lei que nos separe deles. O que quer que tenham feito, ao sairem da prisão estarão limpos e serão pessoas que viverão misturadas a todos nós. Tratá-los com o mesmo cuidado que temos com as outras pessoas, é uma questão de auto-preservação, auto-proteção e tomar conta da sociedade em que vivemos e criamos nossos filhos.
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Luiz Mendes
02/04/2014.