Não quero tirar a razão dos que reclamam da vida
Não quero tirar a razão dos que reclamam da vida, inclusive porque reclamar parece ser inerente ao ser humano. Mas Liev Tolstói não disse muito sabiamente que “Todo mundo pensa em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo”?
Sempre que vou ao Brasil reparo na crescente e enorme quantidade de pessoas, pobres ou ricas, que reclamam muito do país: corrupção, trânsito, falta de segurança, burocracia, péssimos serviços públicos, impostos altos etc. Realmente não está nada fácil viver em nosso país. Ao reclamar do Brasil, quase sempre são citados exemplos de outros países onde supostamente vive-se melhor: um membro do Parlamento francês custa aos cofres públicos três vezes menos do que o seu equivalente (muitas vezes corrupto) em Brasília; os impostos na Alemanha são mais baixos e há muito mais retorno para o cidadão em forma de serviços públicos; um operário chinês produz, em média, 2,18 vezes mais do que seu equivalente brasileiro. Tudo isso parece mesmo ser verdade.
Aqui em Londres, meu filho de 6 anos vai a uma escola pública, gratuita, onde o nível de ensino e as instalações são de fazer inveja a muitas escolas privadas no Brasil. Lá estudam crianças de 57 países diferentes. Vadim, o filho do oligarca russo, ou Gaia, a filha da psicanalista italiana, sentam ao lado de Yasmina, recém-chegada refugiada da guerra na Síria, tão pobre que a escola reserva um fundo especial para pagar sua merenda. Há menos burocracia e violência urbana e os serviços públicos são muito melhores. Na perspectiva dos que reclamam do Brasil poderia-se então dizer que se vive em um paraíso.
Vida Imperfeita
O curioso é que as pessoas deste lado do mundo também reclamam muito da vida. Muito. A impressão que tenho – não baseado em nenhuma estatística – é a de que em Londres reclama-se até mais do que em São Paulo: do mau tempo, da chatice dos vizinhos que reclamam do barulho, dos serviços públicos, dos transportes, da burocracia. Citam também exemplos de outros países: a assistência médica na Noruega é infinitamente melhor, as ciclovias holandesas oferecem muito mais segurança, os tomates italianos são infinitamente mais saborosos, o sol brilha o ano inteiro no Brasil.
Não quero tirar, nem por um instante, a enorme razão dos que reclamam – ao sul ou ao norte do equador. Inclusive porque reclamar da vida parece ser um atributo inerente ao ser humano. Não estarei eu aqui veladamente reclamando dos que reclamam? Reclamo, logo existo. Julgamos merecer uma vida melhor e esta vida imperfeita, à qual nos sentimos condenados – em que há tanto trânsito, violência, chatice, obesidade e mau hálito –, é a prova cabal de que Deus nos abandonou nesta terra, de que somos mal-amados.
Mas Liev Tolstói não disse, muito sabiamente, que “todo mundo pensa em mudar o mundo, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo”? Lembrei quando meus pais descobriram que, no auge da ditadura militar, eu tinha participado de uma manifestação contra os milicos. Eu fui colocado de castigo, sem poder sair de casa por uma semana. Dessa ocasião ficou a memória de uma frase-pérola do meu pai: “Você quer melhorar o mundo? Ótimo! Comece já a limpar o seu quarto, que tá uma bagunça”.
*Henrique Goldman, 51, cineasta paulistano radicado em Londres, é diretor do filme Jean Charles.