Orgulho de ser Rico

por Piti Vieira

Uma das principais revelações da música brasileira no ano passado, o rapper Rico Dalasam lança seu primeiro disco e garante que ainda vai ser ídolo

Em 2015, com apenas o EP Modo Diverso – com seis músicas que narram suas experiências de juventude – lançado, o rapper Rico Dalasam recebeu elogios pelo Twitter de Gilberto Gil, abriu alguns shows do Criolo, se apresentou no Royal Vauxhall Tavern, em Londres, e ainda foi citado pela Vogue americana como uma referência de moda.

Aos 26 anos e com pouco mais de um ano de estrada, ele, que é uma das principais apostas da música brasileira contemporânea, acaba de lançar seu primeiro disco, Orgunga. "É um nome criado por mim, uma combinação das palavras orgulho, negro e gay, ou meus melhores orgulhos", diz Rico, que vai sair em turnê pelo Brasil para lançamento. "A intenção é dar continuidade ao trabalho que venho fazendo desde o ano passado e convidar as pessoas a celebrar o que muitos consideram vergonha, mas que deveria ser orgulho e não motivo de constrangimento." 

No lugar das rimas fortes em tom de denúncia comuns ao rap nacional, Rico versa sobre aceitação, gêneros e relacionamentos. "São nove faixas que falam de amor, de festa, do lugar na música de quem faz música negra no Brasil. O trap [subgênero musical derivado do rap] é o carro-chefe, mas há outras influências, como a música árabe e ritmos do Nordeste como chula, frevo, jongo, pagodão da Bahia, maracatu”, conta Rico. “É uma música que acontece na mesma temperatura. Muda o timbre, mas a pulsação é mesma. Desta vez não trabalhamos com samples, é tudo tocado. Eu entendi que a música não precisa ser acelerada, ela só precisa ser quente.”

Junto com o disco, foi criado um aplicativo em que as pessoas vão poder gravar um vídeo falando de seus orgulhos em cima do trecho de uma música, como se fosse o Dubsmash, um conhecido app de dublagem. “Tem gente que me segue pela minha imagem, outros pela militância gay, e há os que gostam de rap e me vêem como um bom rimador como tantos outros que existem por aí. O disco vem para mostrar que todas essas facetas são uma coisa só”.

O filho da Dona Ana
Rico Dalasam nasceu Jefferson Ricardo Silva, pobre, negro e gay, no bairro Cidade Intercap, em Taboão da Serra, periferia de São Paulo, onde ainda mora. Dos 13 anos até entrar na faculdade, no curso de audiovisual do Senac, ele foi cabeleireiro, mas, desde os 12, sempre compôs. O rapper passou pelas famosas batalhas de MCs do metrô Santa Cruz, na zona sul de São Paulo, em uma época em que Rashid, Projota e Emicida estavam no mesmo rolê. “Em 2007 eu era assíduo das batalhas de lá, mas não tinha nenhuma expressão. Eu dava uma pinta, mas naquela época ninguém queria saber sobre o que eu queria contar, então eu guardava para mim”, conta.

A qualidade e o ineditismo de seu repertório receberam incentivos e elogios por parte de grandes nomes da música contemporânea, como Gilberto Gil, Criolo e Caetano Veloso, da mídia especializada, e ele também foi capa de importantes jornais e revistas do país e ganhou espaço em programas de TV em rede nacional. Mesmo assim, pouca coisa mudou para ele em Cidade Intercap. “Eles me vêem na TV e reconhecem o filho da dona Ana, mas nem sabem o que eu canto. Continuo o menino esquisito que faz os cabelos. Não existe poder de identificação. Não é igual ao pagodeiro que estoura e vira um ídolo. Mas isso ainda vai acontecer”, garante ele.

A atenção ao redor de Rico ultrapassou seu talento, muito pelo fato de ele ter sido o primeiro rapper brasileiro a assumir abertamente sua homossexualidade, tema que aos poucos deixa de ser tabu no hip hop. Mas ele não quer permanecer estereotipado. "Representar pessoas não me incomoda. Acho a representatividade algo mágico. O que me incomoda é ser usado para dar um buzz no feed em lugares onde as pessoas não se preocupam com isso realmente. Eu faço música, não faço políticas públicas. O que eu quero é que meu trabalho seja tratado de forma normal".

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