Marcelo D2, MV Bill, De Leve e as novas batidas do Rio de Janeiro
por Dafne Sampaio, do Gafieiras
Eles não foram os primeiros, não são os únicos e nem serão os últimos. Mas, coincidência ou não, três dos mais importantes rappers do Rio de Janeiro estão com trabalhos novos na praça: Marcelo D2, o mais bem sucedido comercialmente, vem com seu quarto disco solo, Meu Samba é Assim (Sony, 2006); o aguerrido MV Bill, depois da exibição de seu excelente documentário sobre os meninos do tráfico em horário nobre global, traz seu quarto CD, Falcão – O Bagulho é Doido (Chapa Preta/Universal, 2006); por último, o independente De Leve mostra seu segundo disco, Manifesto ½ 171 (Tomba Records, 2006). Opostos e complementares, o trabalho destes rimadores é bastante revelador das contradições e da riqueza musical que começa a envolver o rap brasileiro.
Marcelo D2, entre o rap, o samba e todo o resto
pós o enorme sucesso do disco À Procura da Batida Perfeita (Sony, 2003), e sua conseqüente entrada no mundo da publicidade e a gravação de um Acústico MTV, D2 passou a ser chamado de vendido, capitalista e assim por diante. Meu Samba é Assim segue a mesma linha do disco anterior com um maior apuro sonoro, resultado do trabalho do produtor Mário Caldato Jr., e fora os já recorrentes cruzamentos entre rap e samba, tanto musicalmente quanto nas letras, D2 passa a expor muito conscientemente as contradições de sua atual condição de rapper popstar, o primeiro do Brasil. Jazz, soul e bossa nova também entram com mais força no caldeirão de rimas de D2 que cria assim seu disco mais regular e repleto de pontos altos, tais como “Falador”, “Gueto”, “(Um filme) Malandragem”, “Pra que Amor”, “Dor de Verdade” e a faixa-título. Curiosamente, quando D2 é mais abertamente político, como é o caso de “Carta ao Presidente”, seus versos patinam nos clichês. Participações especiais de Mr. Catra, Alcione, Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Aori, Marechal (ex-Quinto Andar) e Chali 2Na (Jurassic 5).
MV Bill e as muitas ações de um sujeito homem
Após dois livros altamente contundentes, Cabeça de Porco (Objetiva, 2005, em parceria com Luiz Eduardo Soares e Celso Athayde) e Falcão – Meninos do Tráfico (Objetiva, 2006, em parceria com Celso Athayde), e um documentário, MV Bill colocou nas prateleiras seu novo disco como o início de uma nova fase em sua carreira. Se os livros, o documentário e os três primeiros discos, CDD Mandando Fechado (Natasha, 1998), Traficando Informação (Natasha, 1999) e Declarando Guerra (Natasha/BMG, 2002), seguem a linha combativa apontando o dedo para as feridas sociais brasileiras, o CD Falcão – O Bagulho é Doido alterna dureza e relaxamento. As batidas secas de outrora ganharam variedade em misturas com soul, samba-rock e samba, surgindo assim músicas como “Minha Flecha na Sua Mira (Me Leva)”, “Junto e Misturado”, “Estilo Vagabundo”, “9 da Manhã” e “Língua de Tamanduá” (com sampler de “Qualquer Coisa” do Caetano). As feridas seguem rimadas em “Falso Profeta (Pára de Cão)”, “Preto em Movimento”, “É nós e a Gente”, “Falcão” e “O bagulho é Doido” no melhor estilo Cidade de Deus.
De Leve: fodam-se os manifestos
Do outro lado da Baía da Guanabara, em Niterói, De Leve surgiu no começo dos anos 2000 com um discurso rápido e sem compromisso com ninguém. Branco de classe média, De Leve consegue alternar críticas altamente politizadas e piadas vulgares, tudo sobre batidas muito cruas. Lançou em 2001 o EP Introduzindo De Leve e, dois anos depois, o primeiro CD cheio, O Estilo Foda-se. Participa também do coletivo Quinto Andar que em 2005 lançou o sensacional Piratão, todos pelo selo Tomba Records e, invariavelmente, disponíveis para download gratuito. Manifesto ½ 171 chega com batidas mais trabalhadas, atitude politizada (principalmente em relação à sociedade de consumo) e menos vulgaridade adolescente, vide as ótimas “Todo Errado” e “Isso Sim é uma Piada”. D2 é alvo das rimas de De Leve em três ocasiões e tudo começa no título de seu disco, uma paródia sobre a marca de roupas criada pelo ex-Planet Hemp, Manifesto 33 1/3. A partir daí o deboche se espalha em “Rolé de Camelim” (no verso “essa onda que tu tira é onda de mané”) e em “Caô Fudido” (nos versos “esse negócio de rap ainda não me deixou rico igual D2 / mas se a mídia quiser um dia eu fico e depois / eu não faço mais rap, vivo de propaganda” e conclui divertidamente, em mistura própria de rap com samba, que “eu tô a procura da parada mal feita”).
