Rodamos 103 quilômetros no busão que atravessa a madrugada de São Paulo
2h05 O ônibus biarticulado da linha circular 3303-10 estaciona no Terminal Amaral Gurgel, no centro. Sobem 34 passageiros. “É gente que perdeu o horário da condução normal ou trabalha até tarde. Garçom, empregada doméstica, segurança”, explica Marcelo Braz da Silva, 47 anos. Ele é um dos condutores da Rainha da Madrugada, como é conhecida a linha mais longa de São Paulo: toda noite, percorre 103 quilômetros para ir do centro a Cidade Tiradentes, na zona leste, e voltar ao ponto de partida. Nessa viagem, vai exalando um cheiro estranho de borracha queimada. Mas, pelo jeito, podia ser pior. “Eles colocaram este ônibus novo porque sabiam que vocês, da imprensa, vinham. Normalmente é um veículo velho”, reclama a atendente Deise Alves, passageira frequente.
4h05 Depois de passar pelo Parque D. Pedro II, pegar a Radial Leste, cruzar Artur Alvim, Cidade A. E. Carvalho, Itaquera e Guaianases pegando gente, o ônibus estaciona numa rua deserta de Cidade Tiradentes. O motorista e o cobrador Aírton Carlos da Silva mal têm tempo de respirar. Fazem um xixi rápido na rua mesmo e começam o trajeto de volta. Os 41 passageiros, a maioria mulheres indo ao trabalho, aproveitam o caminho para dormir. Os assaltos já não são tão frequentes, e o único bêbado que sobe no veículo parece um velho conhecido do motorista. Também é comum subir um morador de rua, que passa a noite no ônibus para não dormir ao relento. “Em dia de jogo, show ou perto do fim de semana, a viagem é mais movimentada”, diz Aírton.
5h35 O busão da madrugada estaciona no Terminal Amaral Gurgel. No caminho, deixou trabalhadores como o garçom Douglas Oliveira, que há um ano viaja na Rainha da Madrugada até Guaianases. Já fez amigos e presenciou cenas divertidas. “Outro dia entrou uma mulher embriagada e começou a provocar as passageiras. Uma se invocou e começaram a bater boca. O pessoal abriu espaço no ônibus, lotado, só para ver elas saírem no braço. A que provocou apanhou, mas nem assim calou a boca. Sempre tem um barraco pra animar a volta pra casa.”