O arquiteto Paulo Mendes da Rocha fala dos livros que está lançando pela COSACNAIFY, relembra a arquitetura de sua infância e faz confissões inesperadas
Por Kátia Lessa e Filipe Luna
Por que lançar um livro sobre maquetes? Tem uma técnica pra fazer maquete, aí ela [refere-se à editora da Cosacnaify] viu isso no meu escritório e pediu que eu fosse na Casa Vilanova Artigas fazer uma demonstração. Os meninos gostaram muito, um homem da minha idade fazer papel de palhaço na frente dos outros, eles adoraram me ver cortar com a tesoura. Questo è un cretino! Me diverti um dia inteiro, mas não são maquetes de brincadeira, são estudos.
Como é essa história de você não gostar de porta? É como o fetichedo Niemeyer pelas curvas femininas? Você vê, um pavilhão de exposições num grande parque com porta fica uma coisa ridícula, você ficar girando em torno daquele gigante fechado, procurando a porta. Nenhum arquiteto gosta de porta. O professor João Batista Vilanova Artigas, quando fazia a FAU, me disse: “Paulo, está ficando como você gosta, sem porta!”. A idéia de transição entre espaço interno e externo, enfim, a visão dacidade, tem de ser sem porta. Há pouco tempo você entrava num prédio e ninguém te perguntava nada: ia no elevador, apertava o botão do décimo quinto, ia pro terceiro, fazia o que quisesse, ia embora e ficava por isso mesmo. A cidade devia se desenvolver nesse sentido: todo térreo de prédio, por lei, deveria ser obrigado a ter sanitários, apoios, telefones etc. A cidade flui como resultado da experiência humana em relação aos seusdesejos; do contrário, degenera. Portanto você pode assumir a idéia de ser sem porta como metáfora – uma porta às vezes é ridícula!
As portas fazem a cidade ficar violenta? Sim, quanto mais você oprime... Imagine que você trabalha num lugar que te dê prazer e more num outro lugar, e você tem o metrô de cinco em cinco, de três em três minutos, sai do trabalho e encontra o amigo, não tem pressa que o metrô pare na sua casa... vai com ele a um bar, conversa, ele fala do teatro, você reclama da mulher, ela vem te encontrar no bar, jantar fora, vai ao teatro. Isso não pode acontecer numa cidade sem transporte. Então o pessoal fica aflito, o homem aflito fica violento, porque não gosta de ser contrariado. A graça da cidade é permitir que você goze o tempo da banalidade, o tempo livre, o tempo da reprodução do conhecimento...É aí que o homem se faz. A rigor... nenhuma cidade é assim. Costumamos dizer, ah, Paris... Mas quem mora lá sabe bem como é.
Como você vê essa arquitetura neoclássica por toda a cidade? Prefiro levar na brincadeira. Essa inexorável degenerescência... É comodismo pro mercado produzir coisa ordinária... Não faz sentido. Não sei se é mais fácil, deve ser a mesma coisa, mas é mais fácil dizer que é bom, não é? Tanto que eles põem esses nomes incríveis, né?
Acha que as novas ferramentas de comunicação influenciam na arquitetura? A ferramenta da comunicação é por excelência o próprio homem. Se você diz asneira no celular, fica asneira de qualquer jeito. Você pode falar um poema baixinho ou pode vender abacaxi na rua com aqueles megafones malucos que o caminhão usa, não quer dizer nada.
Qual seria a sua medida de emergência para São Paulo? São Paulo é fundada pelas virtudes do rio Tietê e dos seus afluentes. A primeira questão é estudar e recompor o mais possível a degeneração, o desastre dessas calhas dos rios, tanto pela qualidade das águas, a sua preservação, como também para utilidades... O rio Tietê navegado representa uma riqueza imensa. O transporte público, sem dúvida: São Paulo precisaria de 300 km de metrô em vez dos 70 km. Teria de recompor essa malha de utilidades da cidade, habitação, escola, em torno dessa matriz futura de transporte público e das águas.
O senhor acredita que o mundo vai acabar? A questão de acabar é que a natureza não é estável, nada garante que sejamos eternos. É possível imaginar o eterno inacabamento do gênero humano no universo. A extinção da nossa espécie teria acontecido há muito tempo se fôssemos simplesmente submetidos à natureza. O homem é uma aberração da natureza: dominamos a natureza de um modo que não esperava. Assim, não temos o direito de esperar nada dela. Ou você represa o rio e produz quilowatts e acende a luz, ou a natureza por conta própria não fará isso nunca. Devíamos estar extintos há tempos. Uma girafa tem aquele pescoço pra poder comer o brotinho lá em cima, nós devíamos ter passado por alguma coisa assim, mas preferimos fazer bife enlatado...
Por que lançar um livro sobre maquetes? Tem uma técnica pra fazer maquete, aí ela [refere-se à editora da Cosacnaify] viu isso no meu escritório e pediu que eu fosse na Casa Vilanova Artigas fazer uma demonstração. Os meninos gostaram muito, um homem da minha idade fazer papel de palhaço na frente dos outros, eles adoraram me ver cortar com a tesoura. Questo è un cretino! Me diverti um dia inteiro, mas não são maquetes de brincadeira, são estudos.
Como é essa história de você não gostar de porta? É como o fetichedo Niemeyer pelas curvas femininas? Você vê, um pavilhão de exposições num grande parque com porta fica uma coisa ridícula, você ficar girando em torno daquele gigante fechado, procurando a porta. Nenhum arquiteto gosta de porta. O professor João Batista Vilanova Artigas, quando fazia a FAU, me disse: “Paulo, está ficando como você gosta, sem porta!”. A idéia de transição entre espaço interno e externo, enfim, a visão dacidade, tem de ser sem porta. Há pouco tempo você entrava num prédio e ninguém te perguntava nada: ia no elevador, apertava o botão do décimo quinto, ia pro terceiro, fazia o que quisesse, ia embora e ficava por isso mesmo. A cidade devia se desenvolver nesse sentido: todo térreo de prédio, por lei, deveria ser obrigado a ter sanitários, apoios, telefones etc. A cidade flui como resultado da experiência humana em relação aos seusdesejos; do contrário, degenera. Portanto você pode assumir a idéia de ser sem porta como metáfora – uma porta às vezes é ridícula!
As portas fazem a cidade ficar violenta? Sim, quanto mais você oprime... Imagine que você trabalha num lugar que te dê prazer e more num outro lugar, e você tem o metrô de cinco em cinco, de três em três minutos, sai do trabalho e encontra o amigo, não tem pressa que o metrô pare na sua casa... vai com ele a um bar, conversa, ele fala do teatro, você reclama da mulher, ela vem te encontrar no bar, jantar fora, vai ao teatro. Isso não pode acontecer numa cidade sem transporte. Então o pessoal fica aflito, o homem aflito fica violento, porque não gosta de ser contrariado. A graça da cidade é permitir que você goze o tempo da banalidade, o tempo livre, o tempo da reprodução do conhecimento...É aí que o homem se faz. A rigor... nenhuma cidade é assim. Costumamos dizer, ah, Paris... Mas quem mora lá sabe bem como é.
Como você vê essa arquitetura neoclássica por toda a cidade? Prefiro levar na brincadeira. Essa inexorável degenerescência... É comodismo pro mercado produzir coisa ordinária... Não faz sentido. Não sei se é mais fácil, deve ser a mesma coisa, mas é mais fácil dizer que é bom, não é? Tanto que eles põem esses nomes incríveis, né?
Acha que as novas ferramentas de comunicação influenciam na arquitetura? A ferramenta da comunicação é por excelência o próprio homem. Se você diz asneira no celular, fica asneira de qualquer jeito. Você pode falar um poema baixinho ou pode vender abacaxi na rua com aqueles megafones malucos que o caminhão usa, não quer dizer nada.
Qual seria a sua medida de emergência para São Paulo? São Paulo é fundada pelas virtudes do rio Tietê e dos seus afluentes. A primeira questão é estudar e recompor o mais possível a degeneração, o desastre dessas calhas dos rios, tanto pela qualidade das águas, a sua preservação, como também para utilidades... O rio Tietê navegado representa uma riqueza imensa. O transporte público, sem dúvida: São Paulo precisaria de 300 km de metrô em vez dos 70 km. Teria de recompor essa malha de utilidades da cidade, habitação, escola, em torno dessa matriz futura de transporte público e das águas.
O senhor acredita que o mundo vai acabar? A questão de acabar é que a natureza não é estável, nada garante que sejamos eternos. É possível imaginar o eterno inacabamento do gênero humano no universo. A extinção da nossa espécie teria acontecido há muito tempo se fôssemos simplesmente submetidos à natureza. O homem é uma aberração da natureza: dominamos a natureza de um modo que não esperava. Assim, não temos o direito de esperar nada dela. Ou você represa o rio e produz quilowatts e acende a luz, ou a natureza por conta própria não fará isso nunca. Devíamos estar extintos há tempos. Uma girafa tem aquele pescoço pra poder comer o brotinho lá em cima, nós devíamos ter passado por alguma coisa assim, mas preferimos fazer bife enlatado...