Quer pagar quanto?
Jonas Woost, do Last.fm, fala sobre a rádio virar paga e o valor da criação intelectual
Jonas Woost, diretor musical do site Last.fm
Por Flora Paul
em 19 de junho de 2009
Uma rádio exclusiva, que só toca o que você quer ouvir – de suas bandas preferidas até bandas que, baseadas em seu gosto musical, tenham a ver com você. É esse o propósito do Last.fm, site que analisa tudo o que você tem ouvido por meio de um programa simples de instalar e, a partir da análise, recomenda músicas. E os artistas que você ouve ainda ganham por isso. Genial. Mas agora, para ouvir a rádio, você vai ter de desembolsar 3 euros por mês – a menos que more nos Estados Unidos, no Reino Unido ou na Alemanha.
Jonas Woost, alemão radicado na Inglaterra, diretor do departamento musical do site, está no Brasil para falar sobre a produção de música nos dias de hoje no Porto Musical 2009, painel internacional de debates que discute o mercado de música e tecnologia, em Recife. Falamos com Jonas sobre como o site nasceu, como se popularizou (vai dizer que você não tem seu perfil na rede?), direitos autorais, o cenário musical atual e perguntamos se ele realmente acredita que as pessoas vão querer pagar para ouvir música na internet.
Como surgiu o Last.fm?
A ideia começou como um selo musical que disponibilizaria mp3 on-line. Em 2002, essa ideia ainda era inovadora. Queríamos assinar com um monte de artistas para as músicas serem baixadas de graça. Só que depois de juntar milhares de músicas, percebemos que era difícil selecionar o que as pessoas gostariam de ouvir, como decidir entre todas as músicas o que seria legal. Então a ideia se tornou fazer um website que recomendasse automaticamente o que as pessoas gostariam de escutar. E foi o que aconteceu.
E como funciona esse processo de recomendação automática?
Nós analisamos tudo o que as pessoas estão ouvindo, seja ouvindo pelo website, seja quando a pessoa baixa um programa no computador que faz o rastreamento. Com toda essa informação de nossos usuários, são ouvidas cerca de 6 milhões de faixas por mês, e o sistema procura categorizar o que é parecido com o quê. É como quando você compra um livro na Amazon e o site indica o que as pessoas que compraram esse mesmo livro já compraram. Fazemos isso, mas automaticamente.
Qual foi a estratégia para divulgar o Last.fm, pensaram na competição com o Pandora?
Olha, não houve nenhuma estratégia para competir com outros sites nem para divulgarmos o nosso. Concluímos que tudo o que tínhamos de fazer era um produto realmente bom, e, pode parecer mentira, continuamos assim. Na internet, você pode fazer quanto marketing quiser, se o produto não for bom de verdade as pessoas descobrem e procuram outro. Além do que, eram apenas dez pessoas em um escritório, não tínhamos tempo, conhecimento ou dinheiro para criar grandes estratégias. Nos focamos no produto, em criar o melhor website de música e partimos disso. A popularidade veio do boca a boca, e é assim que a internet funciona, né? Você escreve para um amigo, manda e-mail, mostra o link. O Last.fm realmente se tornou viral com os anos, então nunca precisamos fazer nenhum marketing.
O Last.fm foi comprado pela companhia norte-americana CBS, gigante de comunicação que tem rádios e canais de televisão nos Estados Unidos. Como foi a decisão de vender?
Bom, a CBS tem um histórico muito bom na questão de serviços de música. Eles ajudaram a criar as rádios musicais nos Estados Unidos, o que foi algo bastante inovador na época, assim como o Last.fm agora. Então achamos uma parceria boa, coerente. Pensamos que se fosse para alguém entender nossa proposta, seriam eles. Então, dois anos atrás, eles compraram o website, mas não se envolvem em nosso cotidiano. Mesmo porque eles compraram por termos um conhecimento que eles não possuíam, não faria sentido mudar o que estamos fazendo. E eles sabem disso.
A rádio agora é paga. Por quê vocês decidiram fazer um site pago? Acreditam mesmo que as pessoas, que usam a internet para ouvir música de graça, vão querer pagar?
Quando o usuário recebe um bom produto, ele não se importa de pagar por ele. Desde que a mudança foi anunciada, um número surpreendente de pessoas respondeu que querem pagar, sim. Acho que existe um problema geral na internet, não só no Last.fm, que é as pessoas pensarem que o conteúdo é de graça. Nós nos acostumamos a conseguir músicas, notícias e fotografias de graça, mas o que é menos óbvio para as pessoas é que, não, isso não é de graça. Alguém paga por isso quando o usuário ouve uma música no nosso site. Seria incrível para nós, também, se fosse de graça, mas, pelo contrário, é supercaro. Se você comparar com rádios tradicionais, por exemplo, é extremamente caro. E quando você ouve música no nosso site, nós queremos que os donos das músicas ganhem dinheiro e nós pagamos toda vez que alguém ouve as músicas. A ideia de que o conteúdo é de graça não corresponde à realidade. Para conseguirmos continuar funcionando, precisamos de dinheiro. Mas só a rádio vai passar a ser paga – você ainda vai rastrear o que tem ouvido, checar eventos musicais e outras coisas de graça.
Mas vocês não conseguiram ganhar dinheiro suficiente com o investimento da CBS?
Bom, é claro que a CBS é uma grande empresa comercial, mas parte de fazer sucesso inclui lucrar com isso. Você até pode criar um site e fazer sucesso, não é fácil, mas você consegue. Mas você precisa conseguir pagar aluguel, um salário justo para quem trabalha no projeto. E também consideramos que ser independentes faz parte do sucesso. Não queremos depender da CBS.
Como vocês lidam com copyright? Como pagam os artistas?
Existem diversas formas. Geralmente, pagamos para os artistas e para as gravadoras. Ou para a gravadora, e ela redistribui para os artistas. Temos acordos com grandes gravadoras, com pequenas gravadoras, com distribuidoras, licenciamos todo o conteúdo e pagamos toda vez que uma faixa é tocada. Mas é complexo. As pessoas ouvem as músicas em diferentes países, depende muito das leis de direito autoral de cada país. É difícil porque as pessoas usam o serviço praticamente no mundo todo!
O que você acha de grandes gravadores processarem websites e usuários que baixam músicas?
Normalmente, o que a indústria de gravadoras faz, e tem feito, é se associar com os serviços que oferecem música. E eles devem fazer isso, e fazer benfeito. Precisam ser espertos. Hoje ainda é superdifícil e caro conseguir licença de conteúdos. Se você criar um site, não vai conseguir licenças, o que dificulta bastante para quem quer ser inovador. Mas, ao mesmo tempo, você tem que fazer um site com responsabilidade, se preocupando com os direitos autorais. Os dois lados têm de ser responsáveis. Me preocupo quanto aos artistas, porque eles precisam ser pagos para pagar o aluguel e poder criar mais músicas. Eu não considero processar a melhor solução, mas os dois lados têm de entender que os direitos têm de ser respeitados, e isso não está acontecendo. Existem outras formas de resolver esse problema.
Talvez eu seja old school, mas acho que, sim, essas pessoas devem sim ser recompensadas pelo que criam. Precisamos de um método novo para resolver isso, porque do jeito que está não funciona
E o que você sugere?
Sabia que você ia perguntar isso! Eu penso que quando nos conectamos à internet, sabemos que vamos consumir conteúdo, baixar música, ver um filme, olhar fotos. Me parece justo pagar uma taxa para poder consumir o que quiser, quanto quiser. É óbvio que só pagamos por uma internet super-rápida para poder baixar coisas. Eu acho que algumas pessoas estão se beneficiando desse conteúdo baixado ilegalmente. Seria uma boa solução fazer essas companhias arcarem um pouco com essa responsabilidade, pagando os criadores desse conteúdo. Não acho que seja um processo tão difícil. Acho que nossa sociedade precisa se perguntar algo sério: será que nós consideramos correto pagar pelo conteúdo intelectual que as pessoas criam? Você pode dizer que não, eles deveriam fazer isso por amor, pela arte. Talvez eu seja old school, mas acho que, sim, essas pessoas devem sim ser recompensadas pelo que criam. Precisamos de um método novo para resolver isso, porque do jeito que está não funciona.
Você acha que as rádios tradicionais e os CDs têm futuro?
Uma coisa que foi comprovada com o passar dos tempos é que um meio nunca toma o lugar de outro. Duzentos anos atrás, antes de a música ser gravada, tínhamos de ir a concertos para ouvi-la. Depois começamos a conseguir gravar música, depois veio o rádio, depois a TV, que não substitiu o rádio… Entende o que quero dizer? Todos conseguiram seu próprio espaço. Acho que o propósito original das rádios tradicionais, de recomendar música, não está mais acontecendo. Ouvimos as mesmas músicas o tempo todo. Não falam de coisas novas. Mas a rádio de notícias, por exemplo, é um grande meio de conseguir informações precisas em tempo real. Ouço bastante. Então existe espaço para rádios tradicionais. Quanto aos CDs, acho que ainda são o formato físico mais fácil para ouvir músicas. É conveniente, um dispositivo bem simples. É claro que baixar música também é fácil, mas é diferente. Quando a tecnologia estiver avançada o suficiente, talvez. Mas por enquanto ainda é demorado baixar músicas pelo celular, ainda não temos internet sem fio disponível em todos os lugares. Talvez quando essas questões forem resolvidas seja o fim dos CDs, mas ainda não chegamos lá.
As facilidades da internet e da tecnologia tornaram o momento musical atual mais criativo e efervescente?
Com certeza. E é incrível. Acho ótimo para a arte em geral. Mais pessoas podem produzir e gravar, basta comprar um gravador simples, usar o computador, coisa impossível anos atrás. Isso sim é muito mais fácil. Mas agora existem muito mais músicos, é mais difícil fazer sucesso, ganhar dinheiro, há mais competição. É ótimo para a criatividade, para conseguir fãs, existem mais oportunidades, mas isso não é mais fácil.
Quais são os próximos planos do Last.fm?
Uma das coisas que estão nos deixando mais empolgados é conseguir fazer que o Last.fm seja portátil, tenha outras plataformas. É meio vergonhoso você só poder usar sentado em frente ao seu computador. Você não quer ficar no computador o tempo todo pra usar o Last.fm, você quer usar dirigindo, dando uma volta, no seu sofá, onde quiser. Então estamos desenvolvendo plataformas para o iPhone e outros celulares e até o som da sua casa. Idealmente, com a internet wi-fi em mais lugares, isso pode acontecer. Divulgamos recentemente que o X-Box vai incluir o Last.fm em seu pacote básico. Quando começamos, fazíamos parte de um nicho supernerd, mas agora é mais popular e acessível, mais pessoas entendem o que estamos fazendo. Então é chato pensar que as pessoas têm que ficar no computador o tempo todo para usar nossos serviços. Consideramos uma estratégia importante, e vamos continuar trabalhando para tornar o serviço disponível em outras plataformas.
E o que você gosta de ouvir?
Música minimalista, seja folk, seja eletrônico, gosto de músicas simples. Mas você pode conferir mais disso no meu Last.fm!
Vai lá:
Painel de debates Porto Musical 2009.
R. do Apolo, 181, Bairro do Recife, Recife, PE.
Quando? De 17 a 20 de junho.
Quanto? R$ 100.
Confira a programação:
www.portomusical.com.br
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