Quem escreve deve ter em mente que esses seres mágicos, os leitores, existem de verdade
Quem escreve deve ter em mente que esses seres mágicos, os leitores, existem de verdade. Além da fé de que eles lêem nosso texto, é preciso estar ciente de que por trás daqueles olhos existe vida inteligente a ser respeitada. Vendo-os fazendo malabarismos para ler em pé no metrô ou nos ônibus superlotados, fico comovido. Quando preso, conseguia ler com o xadrez superlotado. Televisão e rádio ligados alto, gente conversando e vivendo o tempo todo. Na condução, se ler, meu estômago vira. Ânsia de vômito e tontura são simultâneos. Não consigo, já tentei muitas vezes. Só não é um tempo perdido porque aproveito para observar.
Fico olhando –os leitores com inveja e admiração. Pelos títulos e autores que vejo em suas mãos, percebo que romances predominam. Na maioria, clássicos e autores consagrados internacionalmente. Raro ver livro de escritor nacional, tirando Zibia Gasparetto e Paulo Coelho. Estes estão sempre nas mãos de senhoras ou então de jovens adolescentes. Outra coisa difícil: jovens lendo. São maioria nas conduções, no entanto sempre aparece um ou outro com um livro. Alguns com livros de nomes estranhos, até em outros idiomas. Só vi Graciliano Ramos (meu mestre) algumas vezes. Luiz Fernando Veríssimo aparece mais constantemente. Quem vejo de vez em quando é João Ubaldo. Sidney Sheldon é campeão; está sempre dentro dos ônibus.
No metrô é que vi autores bastante interessantes, como Henry Miller. A gente já pensa logo que quem está lendo deve estar excitado. Cheguei a ver o calhamaço de James Joice pesando nas mãos de uma mocinha de olhos acesos. Houve época que só dava Jostein Gaarder e O mundo de Sofia. Em seguida aquela moça, Joanne K. Rawling com os seus Harry Potters. Tomaram conta dos ônibus e metrôs, principalmente em mãos jovens. Depois veio a era Dan Brown. O vermelho do Código da Vinci uniformizava. Os detratores chegaram logo em seguida, botando crítica indesejada.
Vejo Scott Turow, Robert Ludlum, Tom Clancy, John Le Carré, às vezes um José Saramago e até um dos romances da trilogia sartriana. Observo quem lê pensando nas aventuras que estão vivenciando lá dentro da imaginação deles. Sou leitor inveterado e, até por motivos profissionais, conheço razoavelmente alguns autores e seus livros. Às vezes conheço os livros e sei a parte que estão lendo. Fico pensando se fizeram a mesma leitura que eu. Dá a maior vontade de encostar e perguntar, mas temo quebrar a concentração. Deve exigir o maior esforço mental.
Um dos maiores prazeres da vida para mim é o diálogo. E trocar impressões sobre livros lidos, principalmente quando se leu os mesmo livros e se é fã dos mesmos escritores, é enriquecedor. Por exemplo, três grandes escritores que venho lendo há algum tempo, Denis Lehane, Arturo Perez-Reverte e Charles Bukowski. Sou daqueles leitores que, quando gostam de um autor, quer devorar tudo por ele escrito. Quando os vejo sendo lidos por alguém, é quase impossível calar. Sinto simpatia instantânea pela pessoa. Quase sei o que está pensando e sentindo, fico ali, na minha, empolgado, tentando ler a pessoa que gosta do que gosto. É um elo. Às vezes o livro me é tão próximo que invado, irresistivelmente. E sabe que já fiz ótimas amizades assim? Pois é.
Quando o leitor percebe que conheço o livro que está lendo, sorri, e seu sorriso é de alívio. É terrível entrar em uma história, em algum raciocínio, emocionar, empolgar e depois calar. Vivi isso demais na prisão. Dói. Socializar o sentido e o entendido é uma necessidade iminentemente humana, marca de nossa espécie.
Tenho visto Arnaldo Jabor, Fernando Moraes, Caco Barcelos, Tony Bellotto, Rubem Fonseca, Rubem Braga, Millôr, Ligia Fagundes Telles, José Carlos de Oliveira, Jorge Amado, Fernando Sabino, Ferréz e até Franz Kafka, que nada tem a ver, nas mãos de muita gente nos ônibus e metrôs que fui obrigado a estar. Ninguém pega condução porque gosta. Ler pessoas é o que mais faço para distrair do inconveniente. Foi assim que ontem, ao adentrar no metrô em uma estação na avenida Paulista, deparei com uma garota lendo meu primeiro livro Memórias de um sobrevivente. Fiquei tão emocionado que a mochila me escapou dos ombros e caiu quase em cima da moça. Parecia interessadíssima, nem me olhou, apenas se desvencilhou e voltou a mergulhar na leitura. Fiquei em pé, em frente dela, me deliciando de prazer, sabendo exatamente que parte estava lendo, cada palavra, cada idéia e cada imagem. Perdi a estação que desceria. Só percebi quando a moça fechou o livro, aborrecida com a insistência de meu olhar e se preparou para descer. Não me atrevi a segui-la, mas deu vontade de ir atrás e conversar, sei lá o quê.
*Luiz Alberto Mendes, 55, autor do livro Memórias de um sobrevivente, não vive de escrever, mas também não vive sem escrever. Seu e-mail é lmendes@trip.com.br
Fico olhando –os leitores com inveja e admiração. Pelos títulos e autores que vejo em suas mãos, percebo que romances predominam. Na maioria, clássicos e autores consagrados internacionalmente. Raro ver livro de escritor nacional, tirando Zibia Gasparetto e Paulo Coelho. Estes estão sempre nas mãos de senhoras ou então de jovens adolescentes. Outra coisa difícil: jovens lendo. São maioria nas conduções, no entanto sempre aparece um ou outro com um livro. Alguns com livros de nomes estranhos, até em outros idiomas. Só vi Graciliano Ramos (meu mestre) algumas vezes. Luiz Fernando Veríssimo aparece mais constantemente. Quem vejo de vez em quando é João Ubaldo. Sidney Sheldon é campeão; está sempre dentro dos ônibus.
No metrô é que vi autores bastante interessantes, como Henry Miller. A gente já pensa logo que quem está lendo deve estar excitado. Cheguei a ver o calhamaço de James Joice pesando nas mãos de uma mocinha de olhos acesos. Houve época que só dava Jostein Gaarder e O mundo de Sofia. Em seguida aquela moça, Joanne K. Rawling com os seus Harry Potters. Tomaram conta dos ônibus e metrôs, principalmente em mãos jovens. Depois veio a era Dan Brown. O vermelho do Código da Vinci uniformizava. Os detratores chegaram logo em seguida, botando crítica indesejada.
Vejo Scott Turow, Robert Ludlum, Tom Clancy, John Le Carré, às vezes um José Saramago e até um dos romances da trilogia sartriana. Observo quem lê pensando nas aventuras que estão vivenciando lá dentro da imaginação deles. Sou leitor inveterado e, até por motivos profissionais, conheço razoavelmente alguns autores e seus livros. Às vezes conheço os livros e sei a parte que estão lendo. Fico pensando se fizeram a mesma leitura que eu. Dá a maior vontade de encostar e perguntar, mas temo quebrar a concentração. Deve exigir o maior esforço mental.
Um dos maiores prazeres da vida para mim é o diálogo. E trocar impressões sobre livros lidos, principalmente quando se leu os mesmo livros e se é fã dos mesmos escritores, é enriquecedor. Por exemplo, três grandes escritores que venho lendo há algum tempo, Denis Lehane, Arturo Perez-Reverte e Charles Bukowski. Sou daqueles leitores que, quando gostam de um autor, quer devorar tudo por ele escrito. Quando os vejo sendo lidos por alguém, é quase impossível calar. Sinto simpatia instantânea pela pessoa. Quase sei o que está pensando e sentindo, fico ali, na minha, empolgado, tentando ler a pessoa que gosta do que gosto. É um elo. Às vezes o livro me é tão próximo que invado, irresistivelmente. E sabe que já fiz ótimas amizades assim? Pois é.
Quando o leitor percebe que conheço o livro que está lendo, sorri, e seu sorriso é de alívio. É terrível entrar em uma história, em algum raciocínio, emocionar, empolgar e depois calar. Vivi isso demais na prisão. Dói. Socializar o sentido e o entendido é uma necessidade iminentemente humana, marca de nossa espécie.
Tenho visto Arnaldo Jabor, Fernando Moraes, Caco Barcelos, Tony Bellotto, Rubem Fonseca, Rubem Braga, Millôr, Ligia Fagundes Telles, José Carlos de Oliveira, Jorge Amado, Fernando Sabino, Ferréz e até Franz Kafka, que nada tem a ver, nas mãos de muita gente nos ônibus e metrôs que fui obrigado a estar. Ninguém pega condução porque gosta. Ler pessoas é o que mais faço para distrair do inconveniente. Foi assim que ontem, ao adentrar no metrô em uma estação na avenida Paulista, deparei com uma garota lendo meu primeiro livro Memórias de um sobrevivente. Fiquei tão emocionado que a mochila me escapou dos ombros e caiu quase em cima da moça. Parecia interessadíssima, nem me olhou, apenas se desvencilhou e voltou a mergulhar na leitura. Fiquei em pé, em frente dela, me deliciando de prazer, sabendo exatamente que parte estava lendo, cada palavra, cada idéia e cada imagem. Perdi a estação que desceria. Só percebi quando a moça fechou o livro, aborrecida com a insistência de meu olhar e se preparou para descer. Não me atrevi a segui-la, mas deu vontade de ir atrás e conversar, sei lá o quê.
*Luiz Alberto Mendes, 55, autor do livro Memórias de um sobrevivente, não vive de escrever, mas também não vive sem escrever. Seu e-mail é lmendes@trip.com.br