Quebra-cabeça musical

por Flora Paul

Zegon, da dupla N.A.S.A, que toca amanhã em Itu, fala de bastidores do seu disco estrelado

David Byrne, Chuck D, Seu Jorge, Method Man, Fatlip, Ol' Dirty Bastard, Karen O, Tom Waits, Kanye West, Santogold, Lykke Li, Lovefoxxx, George Clinton, M.I.A.. E isso só para mencionar alguns dos nomes de artistas que colaboraram com o disco Spirit of Apollo, da dupla N.A.S.A.. Depois de quase seis anos, a dupla formada por Sam "Squeak E. Clean" Spiegel e Zé "Zegon" Gonzales (representados como North America e South America na sigla que dá nome ao grupo) conseguiu juntar rock, hip hop, ragga, dupstep e todas essas personalidade em seu primeiro álbum, lançado esse ano.

Agora, depois de tocar em grandes festivais, como o Coachella, nos Estados Unidos, e conquistar a Ásia, eles trazem toda essa salada musical para o Festival Kaballah, que reúne, amanhã, 15 horas de música no interior de São Paulo. Falamos com Zegon sobre as expectativas de tocar em uma rave, a coleção de colaboradores de peso do disco e os bastidores de como foi gravar esse quebra-cabeça musical.

Vocês demoraram cinco anos e meio para terminar o disco. O que rolou?

Começamos sem imaginar para onde ir, sem ter ambições, fazendo música por prazer. Tinha acabado de mudar para Los Angeles, quando fui fazer música com o Sam. Esporadicamente, gravamos com uma pessoa aqui, outra ali, e quando vimos já tinham três, quatro músicas. O disco demorou bastante para ser feito, exatamente porque a gente fez sem gravadora. Tiveram momentos em que ficamos sem gravar durante quatro, cinco meses. Morei lá metade do disco, e a outra metade, aqui. A gente ficava sem grana pra gravar, pra se movimentar, mas acho que se tivesse que ter demorado dez anos para fazer, tudo bem.

E como vocês se viraram para conseguir bancar o disco?
Sempre trabalhamos com trilhas para filme, propaganda e produção de disco. Aqui no Brasil ou fora, entre altos e baixos, mas a gente se segurou por contra própria, até estar com o disco pronto. Depois fechamos contrato, com licenciamento e tal. A parte burocrática do disco já foi com a gravadora, mas a parte de gravação foi tudo do it yourself.

Com tanto tempo gravando, deve ter rolado muita história legal.
Em "Money", por exemplo, que tá tocando direto, fizemos o beat em 2003. O Ras Congo, jamaicano que participa da música, gravou o refrão e o primeiro verso no mesmo ano. A gente já estava com o conceito de misturar músicas e pessoas diferentes, e a nossa ideia principal era o David Byrne, de qualquer jeito. Ficamos atrás dele, manager, gravadora, e-mail, mas não conseguia falar com ele de jeito nenhum. Um dia, antes de gravar, voltando de Nova York de avião, o Sam encontrou uma menina que ele já conhecia, chamada Sierra. Era a sobrinha do David Byrne. Eles estavam conversando sobre o disco e ela falou: "Não sei o que você sabe sobre ele, mas meu tio se chama David Byrne". No mesmo dia ele entrou em contato com a gente. Nesse meio-tempo passou um ano, e o Seu Jorge estava em Miami. Contei pro Sam e ele foi lá conhecer, gravar alguma coisa com ele. Ficamos com um verso livre, que eu queria que fosse do Chuck D de qualquer jeito. Ele é tipo uma das maiores influências que eu tive no hip hop. Passaram dois, três, quatro anos, já estávamos mixando o disco só com o verso vazio, o Mos Def estava para aparecer a qualquer momento, ia acabar sendo com ele. Por acaso, falei com o Z-Trip, um DJ bastante amigo meu, e ele me contou: "Gravei com o Chuck D esses dias, fiz uma música com ele!". Não acreditei. Falei que a gente estava tentando gravar com o cara há quatro anos, ele falou: "Vou ligar pra ele agora". No mesmo dia, ele apareceu no estúdio e gravou. A faixa começou em 2003 e terminou em 2007. Então várias músicas foram feitas como um quebra-cabeça.

Com quem você mais queria gravar, mas achava que não ia acontecer?
Com o Ol' Dirty Bastard, do Wu-Tang Clan, pela loucura do cara. E ele foi um dos primeiros caras a aparecer, apareceu mais rápido do que a gente esperava. Conhecemos ele, duas semanas depois ele estava gravando, duas semanas depois ele veio a falecer. Foi uma coisa até mágica para o disco. E foi uma surpresa ter acontecido, nunca imaginei que fosse possível gravar com ele. O Mark Ronson ficou quatro anos tentando gravar com ele. Conseguiu. Mas demorou quatro anos. E o George Clinton, com certeza. Na época a gente estava em contato com o James Brown também. Queria gravar com eles juntos, mas nesta vida não vai ser possível.

E como foi conhecer o George Clinton?
Ele é uma das maiores lendas vivas. A gente imaginava que ele ia ser tipo "Eu sou o George Clinton, vocês que se fodam", mas pelo contrário, ele estava ali para ouvir, para saber o que a gente queria, na disposição de gravar. O cara sentou numa cadeira às 11e só saiu às 5 da manhã, depois de gravar vários takes até fazer perfeito. Foi demais. Chamamos ele para tocar no Coachella, e, como está gravando um disco, ele não podia ir. Então ele ofereceu a nave dele, a mothership, para gente usar. A gente ia mandar vir a mothership lá de San Francisco, mas achou que valia a pena construir uma nave só pra gente. Ele até deu dicas para construir! É engraçado, pessoas como George Clinton, Tom Waits e David Byrne ficaram mais próximas da gente que pessoas da nossa geração.

Vocês estão fazendo mais sucesso na América do Norte ou na América do Sul?

Ainda não fizemos muita coisa aqui na América do Sul. O disco está sendo superbem-aceito, vejo o clipe passando praticamente todo dia, tocando sempre em rádio, sem jabá nem nada.  E fizemos uma turnê grande nos Estados Unidos, tocamos no Coachella num horário bom, num dos palcos principais, o que é superdifícil. Por ser o principal festival dos Estados Unidos, se você está no Coachella, numa posição, abre portas para todos os outros festivais. Todos os outros festivais que estavam para confirmar confirmaram depois do Coachella. Mas acho que onde está com a melhor aceitação do disco, vendendo, com demanda de show, é na Ásia. Acabei de voltar do Japão e vamos de novo em agosto. Passamos por China, vamos para Cingapura, Malásia. Os shows no México não rolaram, mas estavam esgotados. Na Austrália também esgotaram. Não dá pra reclamar. A única coisa ruim é não poder ficar muito em casa, mas faz parte. Mas estamos planejando uma turnê na América do Sul. A turnê vai ser grande, com participações, no nosso Intergalatic Circus, com monstros, marcianas, a nave, toda a instalação espacial.

E tocando em todos esse lugares, onde foi mais legal?

O público é diferente em cada lugar. Mas ainda acho que o Japão tem o melhor público. Os japoneses absorvem, estão na frente em tudo. Eles não têm muito com o que se preocupar na hora de se divertir, eles sabem como se divertir. Também, fazer um bom show em Nova York é muito difícil, e a gente fez um show muito bom lá. Lá, assim como em São Paulo, o povo já viu de tudo, tudo é normal, tudo é legal, então é um desafio. O povo é frio, ninguém se emociona com qualquer coisa. Em pista de dança o público se empolga mais em Belo Horizonte, no Sul, em Porto Alegre, o povo é mais quente, se diverte mais. Prefiro tocar em clubes de médio porte do que em festivais, em palco grande. Gosto de sentir o público de perto. Como DJ, acho que é demais tocar pra 10 mil, 15 mil pessoas, já toquei com 150 mil no Maracanã, durante o Pan-Americano. Mas eu gosto mais de tocar no D-Egde numa segunda-feira com 300 pessoas.

Rolou algum problema com a Nasa, agência espacial norte-americana, quando vocês decidiram usar a sigla?
Então, como quer dizer North America South America tem os pontinhos, mas a gente se informou bastante antes de poder fazer, poder lançar. Na época, uma questão é que tinha de ter os pontinhos no logo. Mas a gente não queria pontinho, foi sem mesmo. Por enquanto tá tudo bem!

Amanhã vocês tocam no festival Kaballah, uma rave. Quais são as expectativas?

Vai ser legal. Nunca tocamos para esse público! Já toquei em rave anos atrás e entendo a diferença. Mas hoje em dia você toca muito mais free style, o público cansou de um estilo musical. Ninguém sai para ouvir só drum'n'bass. Até sai, mas é a minoria. O público quer ouvir música, não importa o estilo, passar por vários, mais ou menos como a gente faz, usando a base eletrônica para juntar tudo, dar harmonia. Eu parei para pensar: "Nossa, mas tocar numa rave?". Não é muito a nossa cara, mas ao mesmo tempo é. Pegar um público que nunca nos viu, um público que a gente já tem, surpreender os dois.

E quais são os próximos planos? Depois de tanto tempo para fazer esse disco, já pensam em fazer outro?

Estamos com um disco de remixes em andamento, para este ano, e o DVD com o making off de clipes. Já temos sete lançados e outros sete em andamento. Temos um projeto de inéditas, mas são as músicas que não terminamos enquanto estávamos fazendo o disco. Agora, começar do zero... esse disco demorou cinco anos e meio. Tudo bem que agora o pessoal já nos conhece, as coisas são um pouco mais fáceis, mas não temos nenhum plano de entrar em estúdio tão cedo.

Vai lá:
Festival Kaballah no Arena Verde Schin
Estrada do Canguiri, s/n, Itaim, Itu
a partir das 20h
Quanto: R$ 70 a R$100
www.kaballah.com.br

fechar