Que ninguém da minha família esteja no lugar errado no momento em que a árvore cair
O funcionário da Eletropaulo foi gentil. Tinha acabado de retirar um pequeno galho pendurado entre os fios de alta-tensão que, fazia vários dias, estava suspenso, a poucos metros acima de nossas cabeças, na calçada em frente a minha casa. A frase do título era o encerramento de uma conversa na qual tentei explicar para ele que aquele galho não era o problema. O verdadeiro problema – ameaçador como uma espada de Dâmocles (1) – é uma imensa árvore, do outro lado da rua, inclinada vertiginosamente sobre um eixo imaginário inexistente e que a força da gravidade um dia fará tombar sobre a rua, os carros e, inevitavelmente, sobre minha casa.
Essa frase foi o ponto culminante de uma pequena comédia da vida privada que já dura três anos. O primeiro SAC (Sistema de Atendimento ao Cidadão) a gente não esquece. Depois de ter feito uma reclamação por telefone, a respeito do estado da árvore, recebi rapidamente uma resposta por e-mail em setembro. Setembro de 2009. Achei que a coisa seria surpreendentemente rápida. Engano meu. Esse foi o primeiro de vários telefonemas e protocolos, mas descobri com o passar dos meses que os SAC têm prazo de validade; se não são resolvidos em certo espaço de tempo eles desaparecem nas dobras do esquecimento do labirinto kafkiano da burocracia. Depois de alguns meses os telefonemas para a subprefeitura se tornaram inúteis e os funcionários, ao reconhecer a voz, simplesmente desapareciam do outro lado da linha. Ou, num ataque de sinceridade, diziam que não iam fazer nada.
Imagino que, como neste caso o poder público não pode ter nenhum ganho real – no máximo um ou dois votos no dia da eleição – , vou ter que conviver com a esperança de que ninguém da minha família, nenhum vizinho ou transeunte esteja no lugar errado no momento em que a árvore fatalmente cair. Os galhos podres espalhados pela calçada a cada tempestade forte me dão a certeza de que a queda será uma triste realidade.
Prevenir e não remediar
A prefeitura de São Paulo se preocupa com as calçadas e a partir deste ano quem não cuidar delas direitinho será multado. Curioso, a calçada não é minha, não consta da metragem do meu IPTU e quem menos se utiliza dessa parte da rua sou eu mesmo. Mas, enfim, não me importo em conservá-la se, em troco, o poder público fizer sua parte e proteger a integridade física dos meus vizinhos e da minha família. E que não tenhamos de sair correndo atrás do prejuízo, no dia em que a árvore tombar.
Aqui na vida privada, ao contrário da pública, se aprende desde sempre que prevenir é muito melhor do que remediar. E que “pedir ressarcimento depois” é de uma falta de seriedade insuportável.
(1) A história de Dâmocles é contada por Cícero e pela Wikipédia. Esta última diz assim: “Dâmocles era um cortesão bastante bajulador na corte do tirano Dionísio, de Siracusa. Ele dizia que, como um grande homem de poder e autoridade, Dionísio era verdadeiramente afortunado. Ofereceu-se para trocar de lugar com Dâmocles por um dia, para que ele também pudesse sentir o gosto de toda essa sorte, sendo servido em ouro e prata, atendido por rapazes de extraordinária beleza, servido com as melhores comidas. No meio de todo o luxo, Dionísio ordenou que uma espada fosse pendurada sobre o pescoço de Dâmocles, presa apenas por um fio de rabo de cavalo. Ao ver a espada afiada suspensa diretamente sobre sua cabeça, perdeu o interesse pela excelente comida e pelos belos rapazes e abdicou de seu posto, dizendo que não queria mais ser tão afortunado”.
P.S.: Espero que a prefeitura não tenha um dia a ideia de tornar o cidadão responsável pelos buracos na rua em frente a sua casa também. Essa sim uma ideia verdadeiramente diabólica que livraria o poder público de mais uma responsabilidade.
*J. R. Duran, 55, é fotógrafo e escritor