Luiz Mendes explica por que prefere a tranquilidade de não ter carro, nem saber dirigir
A guerra do Trânsito
Não tenho carro. Também, pra que se não sei dirigir? Tenho receio de aprender a dirigir. Vários são os motivos. Primeiro porque meu orçamento ainda não dá para pagar o carro e garantir a manutenção. Com certo sacrifício econômico (cortar as latinhas de cerveja, por exemplo...) até que dava. Mas não quero esse tipo de preocupação em minha vida. Pelo menos por enquanto não.
O segundo é pessoal. Não cumpri mais de 30 anos de prisão para, agora que estou livre, me espatifar num poste por ai. Tenho essa cisma de que posso me arrebentar. Mas o receio maior é por conta dos outros que dirigem. Eles podem acabar comigo por imprudência, até sem querer.
É óbvio que se não sei dirigir, só ando de carro com alguém no volante. O terceiro motivo para temer dirigir vem dai. Temo aprender, mas, ao mesmo tempo, sou observador atento porque quero entender como é estar ao volante de um carro. Imagino que deva ser muito legal dirigir um possante. O nível de satisfação que noto nas pessoas assim que ligam o carro é fantástico. A maioria se transforma.
No trânsito as pessoas se revelam. Para uma boa parte dos motoristas, dirigir é quase uma guerra e a rua ou a estrada é terra de “ninguém”. Ali não há espaço para generosidade e muito menos para respeito ou educação. É área livre para exercício do eu. No carro, percebo que as pessoas se sentem comprimindo o tempo com o pedal. Ficam bastante à vontade para se exercerem no que são de verdade. O veículo é, ao mesmo tempo, arma de ataque e defesa. E garantia de anonimato também (se bem que com as câmaras pra todo lado...). Sempre dá para correr se algo sair errado. O vale-tudo, o oportunismo, a covardia, a doutrina do “primeiro eu depois o samba” e a famosa lei do Gerson que, diga-se de passagem, nada tem a ver com isso, acontece com tranqüila naturalidade.
Desses três motivos o que mais me preocupa é o terceiro. Não porque me considere educado e as pessoas desrespeitosas. Muito pelo contrário. É porque provavelmente, por conta de meu passado, temo que seja pior que a maioria. Não tenho paciência e meus nervos estão em frangalhos. Minha mãe dizia que eu sou de “pavio curto”. Como reagiria ao ser ofendido, fechado ou agredido? Tenho mais medo de mim do que dos outros. Preciso preservá-los de mim. Por isso prefiro a tranqüilidade de não dirigir.
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Luiz Mendes
14/05/2010.