Conversamos com os coordenadores de web do PT e do PSDB pra entender esse novo movimento
Já era de se esperar, depois da campanha de Barack Obama à presidência dos Estados Unidos em 2008, que o uso das redes sociais seria um dos pontos fortes da campanha eleitoral de 2010 no Brasil. Conversamos com Marcelo Branco e Soninha Francine, coordenadores de web dos dois candidatos à Presidência do Brasil no 2º turno, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), respectivamente. No bate papo, falamos sobre o novo poder que é a campanha eleitoral na internet e encontramos algumas divergências.
Comparando com a campanha do Obama, qual o real alcance da propaganda política na web no Brasil?
Soninha: É incomparável, para começar, pelas características da eleição lá. Quando você tem voto facultativo, aquele que escolhe ser eleitor já é alguém mais mobilizado, então você está falando de um universo completamente diferente. A internet é um veiculo interessante para quem é interessado, mobilizado. E nós vivemos em um país de voto obrigatório em que muita gente só vota porque é obrigada, então o alcance na internet é muito menor, ela fala a quem procura alguma coisa, não só pelo alcance mas porque o envolvimento com a politica aqui é menor do que lá, ou menor do que foi lá nesse caso especifico dessa eleição do Obama.
Branco: Claro que no Brasil nós ainda temos uma infra-estrutura inferior à dos Estados Unidos, não temos banda larga e acesso para grande parte da população em função da realidade econômica do país. No entanto, a nossa presença nas redes sociais é muito mais ativa que nos EUA. Se por um lado temos a desvantagem em função da infra-estrutura, por outro somos líderes na presença nas redes sociais. Somos mais de 70 milhões de brasileiros conectados. Então não dá para comparar, para mim o Brasil vai ser um novo case de uso na internet na campanha eleitoral. Acho que nós podemos até superar o caso da campanha do Obama de 2008, até porque as redes sociais evoluíram muito. Na campanha do Obama o maior espaço de mobilização foi o e-mail. Não que isso não seja usado no Brasil, mas eu identifico que o principal espaço dos apoiadores no Brasil esteja sendo o Twitter.
Qual é o perfil do eleitor da internet? Como é pensada a linguagem para falar com esse público?
Soninha: Para mim o recorte não é de idade nem de geração, é de interesse. Quem procura internet é jovem, adulto ou mais velho que já é interessado em política e isso faz toda diferença do mundo. A linguagem depende do que a gente está falando, a internet são os sites oficiais de campanha, os perfis oficiais na redes sociais, que só são procurados por aqueles que tem interesse, mesmo que seja diverso. Tem gente que entra só para zuar e tem gente que quer debater. E a internet é email para caramba, que é internet tanto quanto mas é um outro mundo. Meu sogro, por exemplo, nunca na vida vai entrar em um perfil oficial do Orkut, ler o blog da Dilma, ou seguir um candidato no Twitter, mas o e-mail ele lê. E o e-mail tem uma linguagem toda própria, pode ser sensacionalista, ele vai ser hiperbólico, exagerado, vai ter um Power Point com uma musiquinha. Quando a gente fala das características de linguagem na internet, ela por ela mesma são mil linguagens ao mesmo tempo.
Branco: Hoje 52% dos internautas brasileiros são da classe C e D. A internet no Brasil é um fenômeno já da periferia, isso graças às LAN Houses. Hoje dá para dizer que o perfil do internauta brasileiro é da classe C e D, o que desmente essa ideia de que ele é da classe média, é um cara rico. Então o primeiro perfil é que é da classe C e D; quanto a gênero, segue a média brasileira, cerca de meio a meio. O público da internet tende a ter uma maior escolaridade do que a média do brasileiro e uma média de 29 anos. O tipo de linguagem das redes sociais é uma linguagem informal, diferente daquela comunicação vertical feita pelos outros meios de comunicação tradicional. Na internet é uma linguagem sem hierarquia, mais cotidiana e a carga emotiva é muito importante. Os portais que foram as formas primitivas da internet carregam informação, mas não as emoções diferentes do que ocorre nas redes sociais, onde eu, quando transmito algo, sempre demonstro um lado emotivo.
Você acha que deveriam existir leis para campanha na internet como há na TV?
Soninha: Eu acho que não vai ter como. Porque a lei implica em responsabilizar alguém, você tem que ter alguém que responda por aquilo e que possa ser responsabilizado, e qualquer tentativa de fazer isto na internet vai ser completamente desmoralizada. Porque você não consegue definir quem fez, e se você tentar podar isso, punir o malfeitor, você vai criar mil obstáculos para as pessoas que querem se comunicar simplesmente e o malfeitor vai lá na Finlândia usar um provedor.
Branco: Ano passado mudou a legislação brasileira referente à campanha na internet, onde a internet passou a ser um espaço de livre manifestação individual, como nós que trabalhamos como web sempre entendemos. A internet não é um veiculo de comunicação de massa, é um espaço de expressão individual e por isso não pode ter o mesmo tratamento. Mas existe sim uma lei anti-spam por exemplo.
A rede é um espaço ainda muito pouco explorado, onde, por exemplo, uma vez que algo é liberado nunca mais se recupera. Isso não a torna um tanto perigosa?
Soninha: Em todos os meios de comunicação de massa, e a internet não deixa de ser, é muito fácil se espalhar bobagem, mentira, piada. Só que a internet é muito rápida, é muita gente agindo ao mesmo tempo. Uma coisa é você ter um canal de televisão, um radialista falando bobagem; outra coisa é você multiplicar isso exponencialmente: eu falo para dez, esses falam para mais dez e em dois momentos 100 pessoas já ouviram.
Branco: Eu sempre falo que temos que tomar cuidado com as coisas da vida privada que se usa na internet, ela é um espaço menos controlado pela assessoria de imprensa, menos controlado pela estrutura de organização da campanha, e é claro que os riscos são maiores, mas os potencias também são maiores. Mas a gente só consegue inovar correndo risco.
Como você avalia o aproveitamento da internet pelos políticos em geral?
Soninha: Acho que os três com mais expressão de voto dão bastante importância, usam bastante a internet como o reservatório de conteúdo da campanha, os diagnósticos, as propostas. É uma maneira de unir o eleitorado. Acho que a internet na campanha eleitoral é as duas coisas, um reservatório de conteúdo como nenhum outro meio é. Porque o folhetinho tem meia dúzia de propostas, horário eleitoral é propaganda, o debate é super engessado. Na internet você pode colocar todo o conteúdo do mundo, desde quando o cara nasceu, tudo que ele já fez e tudo que ele diz que ele vai fazer. E a internet é mobilização também, é um ponto de encontro, um ponto de reforço, por assim dizer. Ela hoje faz o papel que as faixas de poste faziam, se você aparece muito, eu não acho que ganha voto, ninguém vai votar em você porque você é Trending Topic no Twitter, mas fortalece a militância, a militância se sente confirmada.
Branco: Estamos todos aprendendo. Este processo eleitoral está ajudando a sociedade brasileira - e evidentemente a classe política - a se familiarizar com as possibilidades criadas pela revolução da internet. Os políticos brasileiros entraram para valer na rede e isso é muito bom para a democracia.
Qual o real poder das redes sociais nestas eleições?
Soninha: Eu acho que é mais de confirmação para si mesma. Eu acho que vai pesar, mas não vai decidir, pois existe um vasto mundo intocado pelas redes sociais. É o radialista lá da cidade do interior, o pastor evangélico, o jornalzinho lá do interior. Esses caras ainda têm muita influência, uma influência que eu acredito ainda ser maior do que o que acontece, por exemplo, no Twitter.
Branco: São o grande diferencial destas eleições. Até as últimas eleições, dois grande blocos formavam a opinião do eleitorado. Por um lado, os partidos políticos e os candidatos através das campanhas, e por outro os meios de comunicação de massa - rádio TV, jornal, revistas - através da cobertura jornalística. Com a nova legislação, aprovada no ano passado, qualquer pessoa pode se manifestar publicamente utilizando os recursos da Internet. Antes só os partidos podiam fazer isso oficialmente durante a campanha através de um site, blog ou da comunidade oficial de cada candidato.
Agora temos um novo espaço formador de opinião na sociedade formado por milhões de brasileiros que escrevem diariamente nos seus blogs, tuitam e postam nos seus perfis, canais e comunidades, produzindo e compartilhando conteúdos em textos, fotos e vídeos, exercendo um novo e importante poder de crítica em tempo real. Esse poder que as redes sociais deram aos cidadãos é uma novidade instigante para o mundo da política e qualifica a democracia. Isso influi no eleitorado que acompanha o debate dentro das redes e influi na qualidade da argumentação dos apoiadores das candidaturas no debate offline, feito nas ruas, locais de moradia e trabalho. A internet é hoje um importante espaço de organização das campanhas no mundo online e offline.
Como suas experiências passadas refletem sua visão de política? E porque preferiu trabalhar essencialmente com a internet?
Soninha: O fato de você ter que sair na rua e pedir voto, especialmente na campanha de vereador que é muito de rua, ninguém quer saber de vereador, eles querem saber quem vai resolver o problema dele. E isso te dá uma visão cruel do que é campanha política, enquanto você quer falar de proposta, de futuro, as pessoas querem saber como você vai ajudar elas. Ter passado por isso faz com que a gente tenha uma visão até cética da internet.
Branco: Como profissional de internet, eu queria o desafio, essa experiência de ver as principais figuras públicas do Brasil se jogando na rede, criando seu Twitter, seu blog e de certa forma estar ajudando e vendo isso acontecer de perto. E pela identidade politica com o governo do Lula e com a própria candidata.
Como funciona a campanha on-line do seu candidato?
Soninha: Existem uns cinco ou seis núcleos diferentes na internet na campanha do Serra. Eu cuido do portal oficial, que tenta ser o ponto de encontro de todas essas coisas, que aliás estavam bem espalhadas, pois começaram antes da campanha. Algumas eram ferramentas do partido e não da campanha. Então você tem o Mobiliza, eu não coordeno o Mobiliza, mas trago para dentro do site. Tem o Proposta Serra, que tem uma vida própria e eu também trago para dentro do site. Já o Twitter do Serra é pessoal, ele fica constrangido de fazer campanha no twitter dele, se tem alguma coisa legal a gente indica para ele postar, mas ele só faz se quer. Aí tem os perfis oficiais das redes sociais, os quais a gente coordena e passa para ele, mas ele não entra e responde mensagem. Tem newsletter, comunicação por e-mail e agora tem a comunidade Sou Serra, que é mais o nosso pessoal, porque nas comunidades oficiais sempre tem o cara que entra só para sacanear, e essa não, ela é inclusive georeferenciada, ou seja, você consegue ver quem mora perto de você, caso queira fazer um encontro. Na minha visão, site é uma pegada jornalística e não sensacionalista.
Branco: Nós temos as comunidades oficiais da Dilma nas redes sociais e ela tem um Twitter oficial dela, e esses são espaços onde a gente mostra conteúdos de dados relacionados ao governo Lula, comparando com dados do governo do nosso principal adversário. Mas também há uma rede espontânea no Twitter e no Facebook. Nós trabalhamos a nossa estratégia potencializando essas redes espontâneas. As maiores comunidades de apoio a Dilma não são as oficiais, temos uma comunidade de mais de 100.000 membros no Orkut que já funciona há mais de 5 anos e não é nossa. Nós trabalhamos para difundir este conteúdo, compartilhar pelas redes não oficiais a campanha da Dilma, não é só a presença institucional, oficial na rede, pelo contrário. A campanha da Dilma é o somatório dessas iniciativas espontâneas que a gente potencializa e difunde. Hoje a internet é o principal espaço de organização dos apoiadores da Dilma para buscar votos fora da rede.
Você acha que essas eleições realmente serão um marco?
Soninha: Acho que é um marco por ser o fim de dois mandatos do Lula, mesmo se fosse só TV, rádio e folhetim seria um marco. A eleição é um marco para a internet, muito mais do que a internet é um marco para a eleição.
Branco: Com certeza é um caminho que não tem mais volta, essa eleição vai ser um marco. É muito positivo para a democracia, mas também se abre todo um novo mercado de trabalho pra profissionais que podem atuar neste trabalho: comunicação, propaganda e marketing.