Caramuru: ”uma crise inédita do nosso membro, hoje cada vez menos relevante”

Cá estamos nós, homens, diante de uma crise inédita do nosso membro, antes símbolo de orgulho e poder e hoje cada vez menos relevante

Se você não for urologista, padre ou psicanalista freudiano, terá provavelmente alguma dificuldade para falar de pênis sem fazer piada. Mas, não se iluda, o assunto é sério. A verdade é que o pênis talvez esteja vivendo sua maior crise. Possuir um já significou orgulho e poder, e não é à toa que o dito-cujo teve sua imagem sempre associada a símbolos de força, como espadas e serpentes. Mas, hoje em dia, carregar um entre as pernas nem mesmo significa que o proprietário estará livre de acordar à noite para amamentar e trocar fraldas das crias, e até para a reprodução ele está deixando de ser necessário. As mulheres e seus úteros, por outro lado, seguem essenciais.

Os homens eram tão orgulhosos dos pênis que costumavam dar nome a eles (o meu tem), tinham certeza de que as mulheres eram automaticamente loucas por um, que tamanho era documento incontestável e que, na hora do sexo, bastava ir enfiando o dito-cujo que o sucesso estava garantido. Os tempos recentes, porém, têm mostrado que as coisas não são bem assim.

Um dos primeiros indícios da perda de importância do pênis não foi percebido dessa forma quando surgiu. Segundo conta Rachel Maines, no livro The Technology of Orgasm, de 1999, o vibrador foi inventado por volta de 1880 e, se não foi o primeiro aparelho doméstico elétrico, surgiu anos antes dos aspiradores de pó e dos ferros de passar roupa. Era anunciado e vendido normalmente nas grandes lojas, incluindo os célebres catálogos da Sears Roebuck, para entrega em casa.

Contra a histeria
Como era possível tamanha liberdade naquele mundo vitoriano que era tão repressor? É que as coisas não eram o que pareciam, ou melhor: não pareciam ser o que eram. O vibrador surgiu como uma ferramenta médica, usada em consultórios para curar a histeria nas mulheres (causada, em parte, segundo a medicina da época, pela retenção de fluidos malignos na parede do útero, liberados pelo orgasmo).

A partir do momento em que a tecnologia permitiu a miniaturização, aparelhos para uso doméstico começaram a ser vendidos, permitindo que as mulheres “se tratassem” em casa. Um dos produtos, de US$ 5, era apresentado no começo do século 20 como tendo “fio de dois metros, perfeito para viagens de fim de semana”. Havia mais de uma dezena de fabricantes no mercado, incluindo marcas sólidas como a General Electric. E, como o vibrador não implicava penetração de um pênis masculino, não era considerado uma ferramenta sexual (pois sem pênis não havia sexo). Ao mesmo tempo, o orgasmo feminino não só era considerado pouco importante na relação sexual, como era até mesmo, muitas vezes, malvisto nas mulheres casadas; paradoxalmente, apenas as prostitutas eram incentivadas a gozar (e, ao fazê-lo, ou fingir com perfeição, faziam ainda mais jus ao título de “vadias”).

É óbvio que as mulheres, ainda que veladamente, começaram a usar aqueles aparelhos sem, por assim dizer, prescrição médica. E deu para ir enrolando até algum ponto da década de 1920, quando, provavelmente por começar a aparecer em filmes pornô, o vibrador foi repentinamente abandonado pelos grandes fabricantes, os anúncios desapareceram das páginas das revistas femininas e ele foi banido das lojas de família, passando a sobreviver apenas no comércio semiclandestino.

Mas aqueles cerca de 50 anos de vida oficial dos vibradores acabaram por deixar uma marca não planejada pelos médicos (de sexo masculino) que os haviam criado: a de que as mulheres não só podiam sobreviver sem os pênis, como inclusive a vida delas poderia ser melhor sem eles. E assim o tempo passou, outras coisas foram acontecendo e aqui estamos nós, homens, diante desta inédita crise de relevância. Ou nós asseguramos que nossos pênis sejam atraentes para as mulheres, ou corremos um sério risco de logo mais vê-los, se não extintos, pelo menos muito acabrunhados. E, piadas à parte, não adiantará chamar um urologista, um padre ou um psicanalista freudiano para salvar a pátria.

*André Caramuru Aubert, 50, é historiador e trabalha com tecnologia. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br

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