Pedrinho Aguinaga

por Millos Kaiser
Trip #207

Após cinco décadas fumando, aos 61 anos, ele promete: “Amanhã eu paro”

Pedrinho Aguinaga era apenas um jovem carioca de família bem relacionada, até que foi eleito o homem mais bonito do Brasil em um programa de TV. Vieram os convites para festas e viagens, os amigos famosos e muitas mulheres: Monique Evans, Vera Fischer, Liza Minelli, Demi Moore... Ele encarnou também o garoto-propaganda de um cigarro com o slogan “O fino que satisfaz”. Mas, após cinco décadas fumando, a nicotina já não satisfaz. Aos 61 anos, ele promete: “Amanhã eu paro”.

Quando se pensa em propagandas de cigarro, logo vêm à mente aquelas produções arrojadas, milionárias. Houve uma, contudo, que prezava pela simplicidade – e talvez seja justamente por isso que ela permaneça no imaginário dos brasileiros até hoje. O reclame de Chanceller era um galã numa sala de decoração clássica, um bom texto e nada mais. “O fino que satisfaz”, dizia o slogan, um trocadilho que aludia à finura do cigarro e à magreza do rapaz vestido de branco.

Três décadas e meia depois, o fino não satisfaz mais ao garoto-propaganda. Com 61 anos de idade, fumando há 50, Pedrinho Aguinaga quer largar o cigarro. “Subir dois lances de escada e ficar ofegante?! Não estou gostando nada disso. Sai mal na fotografia!”, explica. Mas até que ele não tem do que reclamar. Tirando o pigarro insistente, um leve amarelado nos dentes e uma intoxicação após as filmagens do comercial, por conta dos inúmeros cigarros que foi obrigado a acender, ele garante que ainda não teve grandes problemas decorrentes do vício. Pelo contrário, gaba-se de sua forma física e da “barriga tanquinho”, que sua camisa aberta deixou à mostra durante a entrevista.

A última fala de Pedrinho na propaganda era assim: “Aí você diz: ‘Se Chanceller é tão bom e tão fino, onde estão os carros maravilhosos, os aviões, iates, helicópteros de todo comercial de cigarro?’. Aí eu respondo: ‘E precisa?’”. Tal qual Chanceller, ele nunca precisou. Mas, graças aos amigos, gozou de tudo isso. O prêmio de homem mais bonito do Brasil, ganho no programa de Flávio Cavalcanti em 1970, funcionou como um passe expresso para o mundo dos ricos e famosos.

A vocação para bon-vivant, é bem verdade, já despontava na família. Fernando, seu pai, dentista que nunca exerceu a profissão, era apelidado de Barão e costumava receber em casa gente como Ibrahim Sued (colunista social carioca), Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. “Ele era ainda mais bonito do que eu, vestia-se muito bem e conversava sobre qualquer assunto”, rememora. Sua mãe, “uma mulher incrível”, era oficial da marinha norte-americana.

Sem muito esforço, Pedrinho construiu uma biografia das mais consteladas. Em uma temporada em Nova York, conheceu Andy Warhol. Foi amigo do bailarino Nureyev, do diretor Pasolini. Atuou em filmes dos Trapalhões, protagonizou uma das cenas mais quentes da história do cinema brasileiro em Rio Babilônia, de Neville D’Almeida, e participou de Banana mecânica, de Carlos Imperial. Colecionou affairs com tantas musas que faria inveja até a Jorginho Guinle – entre os troféus que ele revela, estão Vera Fischer (na época com 18 anos), Rose di Primo (“Primeiro avião brasileiro”), Maria Callas (“Cantou para mim acompanhada de quatro chiuauas!”), Bianca Jagger (“Correu atrás de mim em Londres com a perna quebrada!”), Marisa Berenson (“O melhor corpo que já vi”), Liza Minelli (“Era uma espoleta!”), Demi Moore (“Viajamos para Angra em uma caminhonete sem freio”) e Monique Evans, com quem chegou a morar junto. Essas e outras histórias ele conta salivando, com o costume aristocrático de se referir a todos, famosos ou não, por nome e sobrenome. O repórter, ele chama de príncipe.

“Parar é fácil”
Trip encontrou Pedrinho em seu apartamento em Copacabana, no quarto andar do prédio Alice, construído pela sua avó. Hoje o playboy leva uma vida espartana, financiada pelo aluguel de imóveis da família e por trabalhos esparsos. Em 2007, participou de um ensaio que o fotógrafo americano Terry Richardson fez no Rio de Janeiro. No ano passado, estrelou a campanha de Dia dos Pais da marca de roupas Reserva. Atualmente, se diz ph.D. (“por ‘hora’ desempregado”).

Antes habitué das boates Studio 54 e Hipopotamus, Pedrinho aposentou-se da noite. Consequentemente, as namoradas diminuíram. “Ninguém me aguenta mais, estou ficando muito chato”, revela. Depois de conhecer Deus e o mundo, diz que seus melhores amigos “são o padeiro, o porteiro e o açougueiro da rua”.

Esta não é a primeira vez que ele tentará parar de fumar. “Parar é fácil, já parei centenas de vezes”, brinca. Mas agora, garante, é para valer. Pé de valsa que é, ele quer estar bem para dançar com a neta de 2 anos, filha de Armando, fruto da relação com Monique. E explica, com os olhos cheios d’água, que só não para imediatamente porque Penélope, sua labradora de 13 anos, fora sacrificada poucas horas antes. Mas ele jura: “Amanhã eu paro”.

Quando você começou a fumar? 
Comecei a fumar com 11 anos, em 1961. Estudava em colégio interno e antigamente a informação que se tinha era completamente diferente. Era o final de uma época em que se anunciava que o tabaco fazia bem.

Médicos apareciam em publicidade de cigarro... 
Todo mundo fumava! Se você pega um filme até a década de 50 todos que estão em cena estão fumando. Era impressionante o poder do cigarro! Quando criança, eu fumava dois cigarros por dia, isso quando dava para fumar. Escondia no bolso do casaco para o padre não pegar, botava nas costas da mão e conversava com ele ao mesmo tempo tentando disfarçar... Às vezes, a gente tinha que colocar dentro do bolso, aceso mesmo, e o padre falava “vamos conversar um pouco” e você, “não, agora não posso”.

Seus pais fumavam? 
Meu pai fumava muito, minha mãe nunca fumou. Ele fumava quatro maços por dia. Não tinha cinzeiro, tinha tacho. Aí parou um dia. O médico deve ter dito que, se ele não parasse, não ia ver o próximo Natal. Foi isso que deu a ele uma sobrevida, pois morreu com 86 anos. Os Aguinagas são todos bem longevos. Tenho um tio de 95 que está puto com o Detran porque não querem renovar a carteira dele. Outro, com 91, está inconformado com a Infraero, porque não deixam ele tirar um brevê de piloto.

Como foi sua infância? 
Nasci no Rio de Janeiro, mas logo fui mandado para São João del Rei. Como fazia muita besteira, meu avô exigiu que eu fosse mandado para um colégio interno. Minha mãe era americana, não queria bater de frente com ele. Então eu fui. Quem ficou encarregada de mim lá foi a dona Sinhá, uma senhora de 81 anos que era mãe do Tancredo Neves, que era amigo do meu pai. Depois fui para Petrópolis, para outro internato, e depois para o Dom Pedro II, quando voltei para o Rio de Janeiro, aos 15 anos. Lá foi minha fantasia erótica juvenil.

Foi onde aconteceu sua iniciação sexual? 
Não, sacanagem fiz desde cedo. A primeira foi com a filha da empregada do colégio, uma negona de 14 anos, e eu com 9, 10. Eu tinha ganhado uma bicicleta aro 28 que não dava pra mim, era muito grande. Ela me perguntou se podia dar uma volta com ela e eu disse “pode, mas depois vai ter que ir pra escada comigo”. Ela topou. Tive que ficar no degrau de cima para dar pé. O canivete ficou logo apontado [risos]. Lembro até hoje do cheiro dela, das tetas. Ela era nova, mas era grande tipo o beque central do Vasco.

Mas essa foi a sua primeira vez de verdade? 
Não, a primeira eu devia ter uns 13 anos. Estava com um amigo meu de 16. Ele roubou o telefone de umas putas que o irmão mais velho tinha, ligou e marcou duas meninas para a gente. Foi num quarto e sala aqui em Copa mesmo.

Foi bom? 
Foi rápido [risos]. Se eu tivesse a experiência de hoje com a vitalidade de ontem eu seria imbatível.

Ser bonito trazia problemas para você na escola? 
Imagina eu com 1,5 metro, pesando 40 quilos. Eu era uma festa pra garotada, mas era sempre malandrinho. Levava muito cascudo, era abusado, mas corria muito. Pra me pegar tinha que correr.

Você tem a fama de nunca ter trabalhado na vida. Já teve algum trabalho formal? 
Claro, pô. Trabalhei como assistente de produção na Globo quando eu tinha 17 anos. Fui parar lá via Walter Clark, que era amigo do meu pai. Também já tive restaurante e vendi esmeraldas.

O que você dizia que queria ser quando crescesse? 
Queria ser diplomata. Ia fazer [Instituto] Rio Branco, toda essa coisa. Fui pra PUC estudar direito, até que era bom aluno, mas aí rolou a coisa do programa do Flávio Cavalcanti. Eu tinha pedido o Gordini da minha tia emprestado para levar uma menina no cinema drive-in, para assistir a E o vento levou. Na volta, bati o carro, arrebentei as quatro rodas e não tinha dinheiro para pagar. Um amigo do meu pai falou do concurso e eu resolvi ir. O prêmio era exatamente a quantia que eu precisava para o conserto.

Como foi virar de repente o homem mais bonito do Brasil? 
Não mexeu nada comigo, nunca quis ganhar nada disso. Mas acabou me dando muita coisa na vida: conhecimento, relacionamentos, viagens... Isso tudo não tem preço. Mas nunca me deixei virar mercadoria. Todo mundo diz: “Porra, por que você nunca casou com uma mulher rica?”. Se eu tivesse casado, você não estaria aqui me entrevistando. Por isso que digo: não sou uma celebridade, sou um artista célebre. Porque celebridade é “vrup”, e eu estou há anos numa carreira artística. Já atuei em vários filmes, tenho registro de ator, mas não me considero um ator completo. Sou um artista da vida. Sou um bom contador de histórias, tenho histórias fascinantes com gente como Andy Warhol. Maria Callas cantou pra mim acompanhada de quatro chiuauas, porra! Quem mais pode dizer isso?!

Como ficou sua vida após o concurso? 
Comecei a ser convidado para tudo que era festa, festival de cinema. Ponte aérea, por exemplo, era só chegar ali no balcão que as meninas me davam um lugarzinho. Hoje em dia eu não faria isso, mas na época era inconsequente. Comecei também a fazer baile de debutante. Fiz uns 500. Eu gostava de fazer, gostava de dançar valsa. Era o primeiro a chegar e o último a sair. Quando eu já fazia mais sucesso comecei a exigir hotel para mais dois dias na cidade, para conhecer os lugares. E vou te falar: eu dava trabalho nessas cidades, viu [risos].

 

“Com a consciência que tenho hoje dos malefícios do cigarro, eu jamais faria propaganda. Acho que dinheiro nenhum paga isso”

 

Você ficava com as aniversariantes? 
Não, debutante pra mim era homem, cara. Se você fica com uma, perde o resto. Mas tinha sempre a irmã, a prima da debutante [risos]...

Como você foi parar no cinema? 
Por causa do programa do Flávio também. O primeiro filme foi Minha namorada, do Zelito Viana, sócio do Glauber Rocha. Eu tinha 20, 21 anos, atuei com a Fernanda Montenegro sem nunca ter feito teatro, nada. Depois veio Banana mecânica com o [Carlos] Imperial, para mim o cara que mais entendia de cinema no Brasil. Não só tecnicamente, ele tinha sensibilidade, por mais troglodita que fosse. A gente ficou bem amigo, via três, quatro filmes por dia.

E Rio Babilônia, do Neville de Almeida? 
Rio Babilônia foi uma filmagem de Fellini. Eram 300 pessoas, 150 peladas. Tinha bebida, drogas. Você imagina como foi a filmagem... Eu considero esse filme o melhor retrato da década de 70 no Rio: as drogas, o sexo, a roubalheira.

Como foi fazer aquela cena clássica do ménage à trois na piscina com a Denise Dumont e o Joel Barcelos?
A gente entrou na piscina às duas da manhã e ficou até as seis. Mas a Denise já estava tendo um caso com o Joel. Então, na cena em que ela paga boquete pra mim, na verdade ela está com a boca do lado, enquanto ele estava lá atrás dela mandando ver. Ele estava com o pau duro de verdade, eu fiquei só olhando.

 

E o comercial do Chanceller, que foi tão marcante, como rolou? 
O diretor do comercial me chamou, e eu topei na hora. No primeiro teste que fiz nem passei. Depois fiz outro, com uma roupa horrível e achei que tivesse sido pior ainda. Mas eles adoraram. Eu tive que fumar quase cem cigarros para fazer aquela foto clássica, que estampava outdoors no Brasil inteiro. Depois fiquei dias no hospital, completamente intoxicado por aquela fumaça toda.

Você se arrepende da propaganda? 
Com a consciência que tenho hoje de todos os malefícios do cigarro, eu jamais faria. O ideal seria se você conseguisse fumar três por dia, mas é impossível.

Você ganhou um bom dinheiro com a propaganda? 
Acho que foi pouco. Fiquei praticamente casado com a marca por três anos! Se fosse hoje em dia, eu poderia me aposentar para sempre. Estamos falando de uma das maiores indústrias do mundo! Mas hoje acho que dinheiro nenhum paga isso. Só que eu não pensava assim na época. Aliás, acho que ninguém pensava.

Quando você acha que a imagem do cigarro passou a ser percebida como algo maléfico? 
Foi uma coisa gradual, mas acho que isso aconteceu pra valer mesmo na década de 80. Demorou... Você se lembra dos comerciais de cigarro? Eram os melhores, os que mais tinham grana. E o da Chanceller era muito criativo. Não tinha avião, lancha, nada. Só eu. Por isso é que virou “o cigarro do Pedrinho”.

Curiosidade: você fumava Chanceller? 
Não, mas passei a fumar, porque eles me davam.

O slogan “O fino que satisfaz” é um tanto dúbio. Faziam piada na época?
Faziam associação com baseado. Mas nunca ninguém brincou com a ideia de que eu tivesse pinto fino.

Você é vaidoso? 
Não. Fiz a barba hoje porque queria matar o tempo, que não passava.

Mas nunca ligou pra roupa, essas coisas? 
Nunca.

Mas você sempre se vestiu tão bem... 
É que os meus amigos sempre me davam roupas. Desfilava para o Simão Azulay, aí ganhava outras várias. Mas não ligo para marca. Só fui saber que existia a Reserva, por exemplo, depois que me chamaram.

Você falou que conheceu o Andy Warhol. Foi na sua temporada como modelo em Nova York? 
Isso. Fiquei lá quatro meses, fui para trabalhar na maior agência de modelos da época. Mas, como teria que começar tudo de novo lá, e eu já tinha a minha história no Brasil, voltei. Posso dizer que tive uma vida prazerosa em Nova York. Éramos um grupo grande ligado a ele. Íamos toda noite na Factory [o famoso estúdio de arte criado por Warhol], depois saíamos em caravana para algum lugar. E ele levando aquelas Polaroids para todo canto. Os filmes eram caros, mas ele ganhava. Não parava de clicar todo mundo.

Dizem que ele era bem excêntrico. 
Ele era esquisitão, só saía de noite. E todo maquiado, porque era quase albino. Ele falava com os olhos, conversava pouco. Para trocar ideia com ele, ele que tinha que ir até você. Ele falava comigo porque me achava bonito, dizia que eu parecia um Joe Dallessandro [muso de Warhol] mais bem-acabado. Ele gostava tanto de mim que fez uma matéria de uma página comigo na Interview [revista fundada pelo artista].

Vamos falar de mulheres? 
Contanto que não sejam brasileiras, vamos.

Por que brasileiras não? 
Porque muitas são avós hoje e, às vezes, não querem se lembrar da história, não querem ser mencionadas. Então se você quiser podemos falar sobre as estrangeiras, algumas que não se importam.

Você contava as mulheres com que ficava? 
Não, era incontável. Entre os anos 70 e 80 era toda noite. Não tinha problema, era só olhar. Minha vida era fácil nesse sentido. Por isso que eu digo que tive uma vida sexual feminina.

 

“Eu tive uma vida sexual feminina. Ficava parado, olhava, dava um sorriso e meia hora depois já estava lá”

 

Como assim? 
Eu chegava no lugar e não precisava ficar lutando. Ficava parado, olhava, dava um sorriso e meia hora depois já estava lá.

A Liza Minelli está na mesma edição da Interview em que você foi entrevistado. Foi nessa época que vocês namoraram? 
Não. Só fui conhecer a Liza no Rio. Tínhamos uma amiga em comum, uma ex-namorada minha, que havia feito o filme Cabaret com ela. Nós nos divertimos na Sapucaí! A Liza era uma espoleta e eu, caretão. Na época eu nem bebia.

E a Demi Moore, como foi a história? 
Ela tinha 18 anos. Veio fazer um filme, o primeiro filme dela, chamado Blame it on Rio, com o Michael Caine. Eu li numa coluna social que ela tinha brigado com o namorado, então já fiquei esperto. Encontrei ela na [boate] Hippopotamus, começamos a conversar e eu perguntei a ela: “Você conhece o paraíso? É um lugar com 365 ilhas, uma para cada dia do ano”. Então cinco e meia da manhã estávamos eu, ela e o Mário de Almeida Franco Júlio numa caminhonete D-20 em direção a Angra dos Reis. Voltamos um dia e meio depois, sem freio na caminhonete [risos]. Bombeia, vai para o acostamento, puxa o freio de mão… Uma loucura. Quase que a grande atriz não sobrevive. Mas na época ela tinha um problema feminino de retenção de líquido, parecia que era cheia de celulite.

Ela ficou mais bonita depois então? 
Muito mais. Porque quando eu a conheci ela tinha aquele cabelo de americana lisinho, um peitinho de moça que era a coisa mais bonita do mundo. Ela não era “a” Demi Moore ainda, eu é que era “o” Pedrinho Aguinaga, entendeu?

A história de vocês acabou em Angra? 
Sim, ela foi embora para os EUA. Eu fiquei aqui, tinha 500 mulheres para…

Você nunca teve namoros mais sérios? 
Não tinha por quê. Muitas vezes as pessoas reclamavam: “Pedro, você só anda sozinho”. Eu falava: “Piores são vocês, que andam com pessoas que não querem mais ter do lado só para agradar os outros”.

Mas não batia solidão às vezes? 
Não. A solidão está dentro de você. Eu conheço gente que vive cercada de amigos e está na maior solidão do mundo. Solitário não quer dizer solidão. O solitário é aquele que anda sozinho. E eu gosto, me locomovo melhor assim. Era sempre do mesmo jeito: eu saía sozinho, mas no final da noite estava com um grupo grande, a gente ia pra um outro lugar etc.

E o casamento com a Monique? 
Foi em 1978, no final da fase mais farra da minha vida. Com ela eu parei. Nos conhecemos na boate Dancing Days. Eu tinha acabado de namorar a Rose di Primo, primeiro avião do Brasil. Falei para minha amiga que estava comigo que ia casar com a Monique. Dito e feito. E olha que ela era casada na época... O marido foi assassinado, mas começamos a namorar quando ele ainda estava vivo.

A gravidez foi sem querer? 
Mais ou menos. Estávamos morando juntos, daí ela engravidou, montamos este apartamento aqui, que era uma gracinha, todo preto e branco. A primeira mega-sena que eu ganhei na minha vida foi o meu filho. Nunca precisei falar duas vezes com ele. Ele é uma doçura, gente fina. Completamente diferente de mim, sério, organizado.

Já houve atritos, por conta das personalidades diferentes? 
Nunca! Fiquei 15 anos respeitando as loucuras da mãe dele. E nunca respondi, porque quem sofre com essas coisas são os filhos. Quando ele tinha 16 anos, ela deu uma daquelas, e ele me disse que eu não precisava explicar, que ele conhecia a mãe.

“Hoje em dia ninguém me aguentaria mais, estou ficando muito chato. Sou muito solitário, cheio de manias”

O que mais te atrai numa mulher, Pedro? 
A estética. Mas nem sempre tive namoradas esteticamente fulgurantes. Hoje em dia ninguém me aguentaria mais, estou ficando muito chato. Sou muito solitário, cheio de manias. Alguém botar uma escova de dentes dentro da sua casa já tumultua. Se fosse para ter um romance maior hoje teria que ser em dois apartamentos. Eu não tenho medo de ficar sozinho. Qualquer coisa, um amigo pode bancar uma enfermeira. Mas melhor que seja uma enfermeira puta! Carrega, paga um boquete, faz isso, faz aquilo [risos].

Li uma declaração em que você diz que se sente usado pelas mulheres. 
Foi uma brincadeira. Porque todo mundo fala que as mulheres são usadas pelos homens, mas eu não, eu é que era usado! Eu era fraco, dava para qualquer uma [risos]. Tinha um motel perto do Hippopotamus. Cansei de sair de lá, ir para o motel, voltar lá e pegar outra, ir de novo para o motel...

Usava camisinha? 
Nem pensava nisso. O máximo que você pegava era um herpes, mas eu nunca tive doenças venéreas, e olha que dei a cara a tapa. Perdi amigos para a Aids.

Você só gosta de mulher? 
Sexualmente, só. Tive muitos amigos homossexuais, era cortejado, paparicado, mas nunca tratei ninguém mal nem tive bronca.

De onde vem essa mania de chamar todo mundo de príncipe? 
Desde pequeno. Antes eu chamava todo mundo de “minha flor”. Uma vez no meio de uma briga eu falei isso para o cara. E ele: “Você tá me sacaneando?!”. Sempre teve muita gente querendo brigar comigo.

Muitos maridos, imagino... 
Maridos, namorados... Eu andava sozinho, tinha que ter jogo de cintura Mas nunca tive nenhum problema sério. Me diziam: “Vou te dar uma porrada!”. Eu falava: “Isso é fácil. Quero ver me dar uma televisão em cores!”.

Você participou do livro que o fotógrafo Terry Richardson fez recentemente no Rio de Janeiro. Foi legal? 
Fiz as fotos lá com as gêmeas no quarto, depois ele me chamou de volta. Eu estava sozinho naquela cama gigante, pelado, e ele me perguntou se a assistente dele podia fazer as fotos junto. Antes de eu responder ela já estava lá, nua, me dando beijinhos. Depois foi direto e “glag, glag, glag” no meu pau. “Daqui eu não saio”, falei. As fotos foram numa senhora casa, com comida, bebida, pista de dança, tudo. Foi uma tarde ótima.

“Os maridos traídos me diziam: ‘Vou te dar uma porrada!’. Eu falava: ‘Isso é fácil. Quero ver me dar uma televisão em cores!’”

Qual a sua maior habilidade? 
Eu sou um contador de histórias. E, se eu não conheço, eu invento!

Você inventou alguma aqui? 
Não, aqui é tudo mecânico. Falta muita coisa, porque não tenho uma memória boa. De vez em quando uns amigos vêm com umas histórias que eu nem acredito que são minhas.

 

Você sente falta da vida da noite? 
Não é que eu sinto falta, mas gosto de lembrar, claro. Era um outro Rio de Janeiro. Era o começo de muita coisa, da sexualidade, das drogas... As drogas não tinham essa conotação de violência, eram ligadas a outras coisas.

A que exatamente?
 
Ao prazer.

O que se usava mais na época? 
Maconha.

Mas na noite imagino que o pessoal usava mais cocaína, não é? 
Ah, muito mais. Às vezes eu ficava pensando que os arquitetos tinham que fazer as boates com dez banheiros e uma sala, em vez do contrário. Todo mundo ficava só nos banheiros.

Como é sua relação com as drogas? 
Posso dizer que extraí o melhor delas.

O que mais você usava? 
Ácido nunca foi a minha praia. É uma onda muito cerebral, cansa. Gosto de ter o domínio da viagem. Tanto que não gosto de beber. Deus me livrou desse vício.

Voltando ao cigarro, você já tentou parar outras vezes? 
Como diz o Mark Twain: “Parar é fácil, parei centenas de vezes” [risos]. Hoje fumo 10, 11 cigarros por dia. Mas já fumei dois maços. Ontem e hoje fumei muito mais, por causa da Penélope. Mas quarta-feira eu vou parar. E vou parar porque o cigarro não me acrescenta mais nada. Daqui pra frente, se eu continuar vou perder horas de dança com a minha neta, horas de entretenimento com meu filho, horas com os amigos... Tenho que decidir pela qualidade de vida agora. Já sei de todos os malefícios, de todos os prazeres que o cigarro dá. O que eu podia tirar dele, eu já tirei e, se Deus quiser, agora eu vou parar.

Qual é exatamente o prazer do cigarro? 
É a ideia da realização. Qual é a grande imagem do cigarro? O cara fumando depois do sexo, depois do orgasmo. É a cereja do sundae. Ou então no jogo... Porra, eu ia jogar e eram três, quatro maços do lado. Mas tem viciado para tudo. Eu tinha um amigo que era viciado em remédio para nariz. A gente ia jogar e ele levava três tubinhos. Se tivesse dois ele saía para comprar outro. E o cara era médico! Teve que fazer tratamento para abandonar o vício.

Então você já tentou parar. Agora é pra valer? 
Não tenha dúvidas. Tenho todas as dicas médicas. A Analice Gigliotti, sobrinha do Chico Anysio, tem uma clínica só para isso e está me ajudando no tratamento.

E ele inclui o quê? 
Pastilhas, adesivos, mas, principalmente, treinar a força de vontade. Sempre que tiver vontade de fumar, você bebe água, come alguma coisa. É uma substituição orgânica. Primeira coisa que fiz foi mudar os horários do cigarro. Eu acordava e a primeira coisa que fazia era acender um. Depois que eu ia pensar no dia. Agora eu tomo café da manhã, leio jornal e depois acendo um cigarro. Não posso ter cigarro perto de mim. Eu não tendo, não vou fumar. A nicotina não me dá mais prazer.

Você já teve alguma doença decorrente do fumo? 
Graças a Deus, não.

Já perdeu algum amigo por causa dele? 
Uma porrada, perdi a conta. Pior quando é câncer de boca, de laringe, essas coisas. Eu tinha um amigo argentino, o Miguel, maior playboy da década de 60, que teve câncer de laringe. Era jogador de polo, dono da maior companhia aérea da Argentina, falava sete línguas, não podia ver um rabo de saia, e aconteceu isso. Um dia fiz uma visita e ele parecia bem, todo bronzeado, de terno, elegante. Mas aí disse com uma voz horrível: “Solo no puedo hablar”. Imagina ficar sem falar para o resto da sua vida!

Então esse é um dos seus últimos cigarros, Pedro? 
Meu limite é agora, para dar tempo de o meu organismo se regenerar e me dar uma vida melhor no futuro. Sou esportista, gosto de me mexer. Tudo que é canalizado para o cigarro vou canalizar em outras coisas. Acordar sete da manhã, subir dois lances de escada e ficar ofegante!? Não estou gostando nada disso. Sai mal na fotografia. Eu já tenho todas as armas. Meu filho tem horror a cigarro. Se eu chego com cheiro de cigarro ele nem deixa eu beijar minha neta. Então prefiro abdicar dessa porcaria, que me faz mal, e dançar com a minha neta. Mas para isso eu tenho que estar bem. Tenho 61 anos, mas com essa barriga de tanquinho. Faço pilates, consigo fazer isso [levanta e encosta a mão no chão] e agora vou pegar um pesinho. Se vocês esperassem 20 dias, teriam um galã de verdade. Mas aí vocês fazem outra reportagem: “Pedrinho Aguinaga depois do cigarro”.

P.S. : Na véspera do fechamento desta edição, entramos em contato com Pedro para saber como andava sua luta contra o cigarro. De Búzios, no litoral carioca, onde está passando uma temporada na casa de um amiga, ele respondeu: “É difícil, mas estou reduzindo. Fumo um, dois cigarros por dia. Quando bate ansiedade, dou uma caminhada, vou nadar. Estou me divorciando do cigarro. 
E sem reconciliação”.

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