por Paulo Lima
Trip #74

Ela é a prova de que percepção e realidade podem ser surpreendentemente distintos

Percepção e realidade Paula Toller é a prova cabal de que esses dois conceitos podem ser surpreendentemente distintos em plena era da mídia devastadora. Presente no imaginário coletivo como uma espécie de ninfeta loirinha e eterna cujo talento seria suficiente apenas para entreter platéias de adolescentes imberbes e babões. Paula parece se esconder atrás dessa fachada para preservar o universo sensual, silencioso e profundo de uma mulher que poucos têm a chance de conhecer. Prepare-se para ser um deles

TRIP: Como é seu dia-a-dia? Tem uma rotina? Levar filho na escola, ir para a ginástica...
Toller: Eu não levo meu filho pra escola, mas faço o dever de casa com ele quando estou em casa. Faço também aula de alemão. E em casa faço ginástica. Meus horários são meio estranhos. Gosto de fazer compras em uns horários meio malucos. É uma coisa que vai dependendo do momento.

TRIP: Que tipo de ginásticas você faz?
Toller: Ah, eu sou super preguiçosa, não sou fissurada. Faço um negócio bem geral, só para manter mesmo, pouco peso, pouco tempo, meio geriátrico. E jogo tênis duas vezes por semana, que é um negócio mais divertido para mim. Não gosto de só malhar.

TRIP: A sua banda deve ser uma das mais estáveis do pop rock do Brasil. É uma banda que tem dezoito anos, e com a mesma formação. É a mesma coisa que encontrar um casal casado há 60 anos. Ao que você atribui, e como é hoje, na prática, os encontros entre vocês três?
Toller: Acho que é muito da amizade entre nós e do esforço que temos para mantê-la. Temos muita coisa para fazer ainda. A gente está sempre mudando, inventando alguma coisa nova. O Bruno é o melhor músico de nós, em termos de virtuosismo, é guitarrista... O George é o diretor musical. Ele é o cara que entende de música, que sabe tocar. Também é o produtor da gente e compõe as músicas comigo. E eu sou a pessoa que fica puxando: "Não! Vamos fazer isso aqui, isso aqui não". Fico dando uma direcionada, sou mais objetiva.

TRIP: A palavra final é sua? Por exemplo, você tem poder de veto?
Toller: Não tem isso, não. Não tem nem negócio de votação. A gente faz um consenso; cada um tem que convencer o outro mesmo. É um negócio assim: quem tiver a melhor idéia e a melhor argumentação ganha. É bem complicado.

TRIP:  O Kid Abelha sempre foi criticado pela imprensa supostamente entendida em rock. Como era e como é isso hoje?

Toller: Ao longo do tempo isso mudou muito. Esse último disco tem 98% de críticas boas ou legais. Antigamente era uma coisa contra mesmo: "Não ouvi e não gostei". Acho que é porque a gente era garoto, eu era uma menina, a gente não tinha cara de mau nem se drogava... Na época rolava um rock muito ligado a isso.

TRIP: Mas o Kid Abelha sempre se definiu como pop, antes mesmo de isso ser considerado legal e moda, como é hoje...
Toller: Pop era palavrão! Na verdade, a gente já fazia essa música mesmo sem ninguém ouvir, mesmo sem vender, mesmo sem gravar. O fato de ser pop não quer dizer que é um negócio só para ganhar dinheiro. As pessoas confundem isso. No começo a gente foi xingado de ser banda de FM. Agora, todo mundo quer ser banda de FM. Todo mundo quer tocar pra caramba, ganhar muito dinheiro e, atualmente, tem gente que só quer ganhar dinheiro com isso. Agora somos tipo "da velha guarda". Não estamos pensando só em ganhar dinheiro.

TRIP: Tem um pessoal que diz que você está mais bonita agora, mais equilibrada, e o som da banda está saindo muito melhor. Você acha que as coisas estão melhorando conforme vai ficando mais velha?
Toller: Acho. Eu não quis mudar o som por causa da crítica, que detonava a gente. Nunca pensamos nisso. Isso seria loucura. Na verdade, fomos caminhando dentro do que a gente fazia e foi ficando mais legal. Hoje em dia temos mais domínio de tudo que fazemos: da composição, da gravação... Acho que hoje as coisas estão melhorando porque trabalhamos mesmo, fomos teimosos. É isso.

TRIP: Sua beleza é importante na composição da banda, é uma das qualidades do visual. Como você lida com isso, sabendo que, enfim, a beleza não dura para sempre?

Toller: Primeiro não me acho tão bonita assim - faço o melhor que posso. Tem dia que me acho horrorosa, péssima. Não sou também um tipo de beleza que fica sempre bem em todas as fotografias, maravilhosa, como algumas pessoas. Detesto me ver na televisão, por exemplo, acho horrível. Sempre. Então, eu não vivo isso. Acho que é mais o conjunto, é tudo misturado, é o que você fala, o que você canta, a maneira...

TRIP: Como você conheceu o Lui (Faria, marido de Paula e cineasta)?
Toller: Conheci o Lui na estreia do primeiro filme dele, Com Licença, Eu Vou à Luta. Mas ele estava casado com outra pessoa, e eu também... A gente só foi se conhecer melhor uns dois anos depois. Mas aí foi aquele negócio: na hora que cumprimentou, deu dois beijinhos, eu pensei: "Puta, fudeu. Casei!". <!—  pagebreak — >

TRIP: Quantas pessoas você acha que amou na vida até agora?
Toller: Dá para contar nos dedos das mãos e deve sobrar algum. Amor, amor... já teve os platônicos também, de antes, que eu não cheguei a namorar. Mas amor de verdade, que eu namorei e tal, desde o meu primeiro namorado, acho que uns cinco, quatro, contando com o Lui.

TRIP: Tem uma música sua no álbum Autolove chamada “Mãos estranhas”, em que você fala sobre a fantasia de dormir com um estranho. Como é essa história pra você?
Toller: Esse é um lance que quase todo mundo que eu conheço tem, essa fantasia de dormir com um estranho. Mesmo que não durma, você acaba sempre pensando nisso. Aí resolvi escrever sobre isso. Achei que ficou legal. Eu tenho gostado de escrever umas músicas eróticas assim, porque é um negócio difícil. Não se trata daquele lance de música brasileira que tem duplo sentido, como no Nordeste, ou então esse negócio tipo Wando. Gosto de falar de coisas mais do meu jeito mesmo, e resolvi escrever.

TRIP: Mas, na vida real, quando você não estava casada, acontecia de transar com uma pessoa que conhecia há pouco tempo.
Toller: Não, eu nunca estive disponível. Nem um dia, e não é força de expressão. Falando sério, eu sempre estava com alguém. Não deu nem 24 horas, se bobear. É assim desde que comecei a namorar. Eu só troquei mesmo.

TRIP: E seu namoro, ou casamento, com o Herbert Vianna, foi uma coisa meio de moleque ou já era uma coisa madura?
Toller: Já era uma coisa madura. Foi a primeira coisa madura, que havia planos. A gente ficou dois anos no máximo, e o ano da separação, que é um outro ano de vai e volta, sabe? Bem complicado...

TRIP: Foi difícil para os dois?
Toller: Foi. Foi péssimo, principalmente porque a gente não se separou de uma vez, não cortou de vez logo no começo. Então foi bem complicado.

TRIP: Paula, por que você nunca posou nua? Já deve ter recebido uns 300 convites...
Toller: Eu tenho vergonha. Acho que não é adequado para o meu trabalho. Acho que não ajuda. A Playboy, por exemplo, produz um tipo de foto que não me agrada. Posso te dizer um ou outro que achei bonito, mas no geral já é uma coisa muito comercial. Eu tenho vergonha. Eu não gostaria, não ia me sentir bem fazendo. E realmente na minha vida eu tenho muito contato com as pessoas. Eu estou em um ônibus cheio de homem, com vinte caras. Não sou uma atriz que fica no estúdio ou no set de filmagem e não aparece nunca. Estou ali, com o público, direto. Acho que não seria bom para mim.

TRIP Você já falou de dinheiro algumas vezes. Qual a importância do dinheiro na sua vida?
Toller: Quem me conhece sabe que deixo de fazer muito trabalho, deixo de fazer um monte de comercial. Não sou fissurada em dinheiro. Prefiro cuidar melhor da minha vida.

TRIP: Você falou que não se acha bonita. Se acha sensual?
Toller: Sim, sim. Acho que é mais por aí do que bonita. Claro que tenho umas coisas bonitas.

TRIP: O que você acha que é bonito?
Toller: O que é bonito em mim? Pô, é tão estranho eu falar disso... Mas é a mão, o pescoço, a orelha, os dentes. Eu sou muito de detalhe.

TRIP: E feio, o que você acha?
Toller:
Gosto de tudo que é meu, mas o que eu não acho tão bonito quanto poderia ser... acho que são meus pés. Eu acho que são grandes, mas na verdade não são.

 

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