por Luiz Alberto Mendes

                             PARA  VOCÊ

 

Hoje acordei pensando que você poderia ter sido minha. Lembrei tuas lágrimas redondas, soltas a deslizarem pelo teu rosto sereno. 

Eu que vim do negro, que estive condenado ao nada e ao nunca mais, viajante da tormenta, obscuro decepador de flores, tinha você dentro de mim sem saber. Enxergava em você remédio que matava o mal que curava. Embora nunca tenha estado certo de nada, trazia um tigre entre os dentes. Retalho de sombras que a noite chamuscou.

A lua talvez se quebrasse e então, lavado de luzes recolhidas na distância, eu diria teu nome. O medo de te perder ou de você não existir, endurecem meus dentes e um soluço escapa dos olhos esgotados. Você é uma necessidade na trama de minhas veias.

Sou apenas um homem. Pequeno, que vê a vida passar, sem compreender e cujos passos fogem de si. Distribuo horas qual fosse dono dos minutos, em fria resistência. Do fundo dos armários examino pensamentos qual flores em extinção. Desentulho da mente tiranias e escravidões e te cubro de beijos e passarinhos, enquanto esqueço de respirar e o ar me foge pela boca.

Se você não existisse e fosse apenas minha vontade de você, tudo que guardei do passado cairiam em gotas, como flores de pano. O sol seria apenas um astro de luz estática e tudo ficaria súbito e irrespirável. Não haveria porque e meu desassossego teria um nome.

Mas você existe e eu, então, prefiro a paz. A paz que se move em braços guerreiros. De quem descansa depois de vida inteira. Paz como árvores centenárias, talvez a paz das estradas longas e retas e daquela lua torta, cheia de destinos, que ameaça descer.  

Já me salvei do aniquilamento. Quem me conhece sabe como é duro amontoar todos homens que fui num único peito do homem que sou. Tudo é grave, de uma simplicidade ácida, a vida tange provando que prossegue, inapelavelmente. E tudo se resume em saber se se fez tudo o que se podia ter feito. E você, querida lua cheia, doce morena dos olhos mortiços, me diga: Qual a medida?

E as exigências brutais da vida? A coexistência impossível e cada vez mais necessária. A necessidade de estar abruptamente acordado e com os olhos cheios de vida, mesmo quando tudo parece morto, como uma noite calada.

De realidade tenho você, morena. Isto é; esse instante aqui em que se acumulam todos momentos anteriores e que te sinto e te amo com todos meus poros acesos. Temos o que supusemos, o que conseguimos e o que falhamos em ser. Corações selvagens que temos, mal alimentados pela vida, em nossa voracidade de existir. Cheios de nós invadimos a vida imaginando que estávamos vivendo porque estávamos amando. Mas não havia certezas. Nunca houve. Alias, o que é certeza? Uma idéia tão no vácuo que se não houvesse a teoria da relatividade, seria preciso inventar algo parecido só para dar sentido a essa expressão.

Quando de tanta vontade de viver já não posso mais reviver, você surgiu como que do nada. Invadiu, vasculhou, e como um barco a mercê das marés, fiquei meio que a deriva. Nem sempre você me socorre. Às vezes fica a pecar  e você me deixa, desarvorado como o náufrago da noite, obscurecido na sombra de mim mesmo.

Alimentei-me de abandonos e atravessei desertos de esquecimentos. Quase perdi a vontade de gritar. Fiquei ali, afundado, querendo manter o futuro intacto, depois de tantos comprometimentos. Doenças tristes e livros estranhos cercam-me de milhas de silêncio.

Tenho pena de mim, de você e compaixão pelos outros. Você me encontrou enquanto eu assistia os que se perdiam. Você me deixou te acariciar sabendo-me perdido, em ruínas, mesmo eu te prevenindo. Você viu coração quando todos mediam o tamanho de minhas antigas condenações. Insegura, mas clara, ao relento da vida decidiu me encontrar.

Não perdi em olhos vazios, o que encontrei nos teus. Foi rapidamente, a vida sempre me deu inteiro o que necessitei. Não era possível entender pessoas. No máximo é possível conviver com a parte delas que nos permitem. Você para mim é todas elas. Então, concreto até os ossos, sorri tolerantemente para o destino e me alastrei, converso, por entre teus olhos e as estrelas.

Luiz Mendes

03/08/2009.       

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